Ando meio solitário ultimamente, ainda que leve uma vida social não de toda misantrópica.Já fui mais solitário em outros momentos, até mesmo quando vivia um tipo de solidão compartilhada nessa coisa que se chama de casamento. Temos que aprender a viver com a solidão.Mas, em nosso tempo, isso é quase como que um sintoma de peste.Sim, isso é típico do mundo moderno.Ou seria extensivo a todas as épocas? Solidão, condição inelutável do homem.Nasce-se só, morre-se só, ou mal acompanhado pelos operários da natureza que são os vermes e bactérias, ou por uma companhia forçada pela presença da conveniência. Em todo caso, um tom confessional só teria sentido na medida em que traduzisse algo de universal desse sentimento solitário.Exigiria-se para tal um tratado longo, algo sem sentido a meu ver. Já se escreveu muito mais e melhor do que eu poderia fazer sobre isso.
Sentido, bem, isso minha vida, assim como a de todas as outras pessoas, não tem.O sentido é sempre o senso do presente. A vida se vive, por sensações, passadas ou presentes, imediatas ou retardadas.Às vezes essas sensações se transformam em abstrações, pensamentos.Uma forma alternativa de encarar o monstrengo da vida real. Enquanto um troço qualquer não me dá nem me mata.
Não vou tentar desentortar o tronco em que me firmei no solo da realidade.Isso seria surreal, no caso.Não me considero arisco nesta cidade de gente arisca, onde ninguém confia em ninguém.Eu não confio, apenas desconfio; mas tenho lá minhas esperanças, temperamento anacronicamente romântico que sou, algo incompatível com minha idade.Que fazer! Pelo menos espero não levar um tiro à toa.
Que fazer? Botar uma música na vitrola e esperar.Vitrola? Coisa do arco da velha, sem dúvida.
Apenas sair pela multidão anônima da rua, captando uma conversa aqui ou ali, uma expressão de olhar perdida ou espantada, num espírito de flanneur tipicamente baudelairiano em que me condicionei ao viver em metrópole, bicho de cidade grande que sou. Claro, olhar bonitas mulheres e tipos exóticos, incluindo aí as feiuras particulares.Além dos descalabros naturais de mendigos, viciados, etc.
A cidade se faz de cacos de asfalto, de cacos de gente.As pessoas são a cidade, o resto é formalidade de enquadramento e cenário.Agora, parece que até se tornou mais fácil se captar palavras, pensamentos, tudo meio quebrado, pelo falatório aflito nos celulares, pela angustiante perscrutação digital nos faces. Ah, as pessoas sempre aflitas, as mulheres sempre aflitas, até os cachorros sem dono aflitos ....E eu tentando bancar o zen nesse caos de carros e ônibus; vou acabar virando patê no asfalto, ainda mais se continuar teimando na bicicleta.
Para onde vai essa fumaça de meu cachimbo que se perde em meio aos ares agitados das avenidas?Iria para junto das nuvens? Dá para ir junto?
A cidade, templo de solidão onde faço minha oração, presto as condolências constantes ao morto não esclarecido e fenecido pelo acaso que o circundou.
De resto, toda a a fúria do ruído, do álcool, da música alta e ruidosa ou do sexo anódino, tudo isso apenas monta o esqueleto das coisas.O qual nos assombra durante o sono.Enfim, é a sobrevivência nisso aqui.Dá para levar se não se levar tudo a sério.Ainda que a vida seja um caso sério.
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