domingo, 23 de novembro de 2014

Reflexão sobre Arte e reflexão do mundo

 Numa discussão sobre a produção de arte , em geral, surge a velha questão sobre se  tal produção reflete realmente o que ocorre socialmente no mundo, suas tensões ou contradições.Chamo isso de crise moral-estética da pós modernidade.Por vezes, pessoas envolvidas com arte se questionam sobre essa questão.Não sem fundamento.Postura crítica é sempre boa em qualquer tipo de atividade humana, até mesmo no ato de escovar os dentes.
    Já gastei um bocado de neurônios pensando sobre o caso, gastei a vista em leituras, em sua maior parte, confesso, com visão pessimista sobre o assunto abordado.No fundo, acredito que a visão pessimista esteja predominando não apenas nesse assunto como em várias perspectivas sobre o futuro de tudo e de todos.Mas pessimismo é sempre tão perigoso quanto otimismo cego.
   Não vem ao caso retomar discussões sobre a antiga arte "engajada", sobre o escapismo subjetivista pequeno burguês ou outras coisas parecidas.No ritmo de funcionamento da relação capital-trabalho artístico, os correlatos são muitos, os determinantes vários e imprecisos.Existe mesmo imprecisão sobre o nosso presente, uma espécie de transição entre o passado e o futuro.A mutabilidade de comportamento social pelos incrementos tecnológicos influencia a forma de como vemos os mundo e as coisas em geral.Entre a percepção e a reação decorre um tempo, mais elástico ou não dependendo do ritmo histórico dos acontecimentos. Daí que tenha, inclusive, diminuído o tempo de passagem de uma geração à outra.Aparentemente nossa base instintiva continua a mesma, apenas sendo moldada de acordo com as circunstâncias materiais do presente.Quer dizer, o animal, cheio de atavismos e memória inconsciente de uma selvageria primeva, manipula tecnologias várias mas continua sendo um animal "sapiens", "homo", domesticado para a sobrevivência da espécie.Para isso, contorna-se tudo com a manipulação dos instintos e dos afetos de contexto social, de onde se depreendem as máscaras de convivência social com que nos vestimos para dialogar diariamente com nosso semelhante.Daí surge o estético, a arte como forma de nos colocar em contato com as dimensões perdidas da universalidade cósmica à qual pertencemos mas temos pouca noção de sua existência.Flutuamos em meio aos céus de imprecisão acima de nossas cabeças, banhados por luzes de estrelas que não mais existem, outras que existem, uma grande massa cinzenta de energia e pó cósmico de onde viemos e para onde retornaremos de uma forma ou outra.Ou seja, a vida, em si   um milagre e quase que uma violação do grande silêncio das estrelas, se faz, pela ação humana, por meio do espanto.A vida é um espanto, o prazer sempre um espasmo do corpo ou da alma, defina-se essa da forma que for mais conveniente, de acordo com os princípios descritivos do que vem a ser uma consciência.
   Em suma, não vejo muito sentido na discussão sobre se a arte atual reflete o que o mundo é ou não.Toda arte, qualquer que seja e como é feita, desde que forjada com intensidade e honestidade, sempre reflete o que o mundo é.Pode refletir melhor, de maneira mais profunda ou sutil, de acordo com a resolução de seus problemas formais, de maneira a estabelecer melhor o contato entre criador(es) e apreciadores(fruidores).Se é feita a partir do respeito a necessidade interiores, individuais ou coletivas,  já tem algum significado de ordem humana relevante.Mesmo que use recursos vários, modernos ou antigos, se for feita com intensidade e honestidade, não tem como deixar de refletir o que o mundo- ou uma parcela dele- é em sua totalidade, em sua particularidade ou especificidade histórica.
     Esse papel de guardião do inconsciente exige, claro, responsabilidade, consciência de valor social, mesmo que este aparente marginalidade ética ou econômica.Faz parte do jogo da vida.Esta sempre é uma forma de teatro invertido, como se vivêssemos a situação de, em frente ao espelho, não termos clareza sobre qual parte, a frente ou a parte traseira, é a realidade em que vivemos.No reino da imaginação pode-se mergulhar melhor no mundo de nossos sonhos esquecidos.E todo sonho esquecido é uma parte desconhecida de nós que continua viva e pulsando ,sabe-se lá em que regiões de nosso ser.
     Pautando-nos, seja pelo clássico ou  pelo moderno, atuamos sempre dentro dos velhos dilemas que atravessam a existência humana, dentro dos parâmetros de vida e morte e amor ou dor com que construímos a geografia de nossos afetos, passados e presentes.Depreende-se daí  a necessidade de arte na vida.Sem ela, a vida é puro inconsciente cego, sem um pingo de luz a iluminar a caverna  por onde transitamos, tateando no escuro do acaso.Andando em meio às sombras, à procura de nossa própria sombra que nos impulsiona.
    Sempre haverá boa ou má arte, bem ou mal feita.O céu de cada um é o céu de todos, uma alma são todas as almas do mundo.Dizia Otto Maria Carpeaux, em belas palavras, que o futuro da música de Beethoven e o futuro da humanidade estavam inextrincavelmente ligados, um não podendo existir sem o outro.Arte tem que ser feita.Mas se for feita com esforço profundo de alma já será muito, algo a ser respeitado.Todo esforço humano, mesmo o de um Sísifo inutilmente condenado a  uma ação sem sentido, merece respeito.Principalmente se o objetivo principal for o desinteresse.No fundo, surge por necessidades de  desinteresse, o lucro ou sucesso surgindo por puro acaso, à revelia da vontade individual.Aí se entra no reino da subversão, contra os valores de um mundo plasmado pela insensibilidade.Hoje, pelos ditames alienantes do poder do capital.No fundo, toda boa ou grande arte acaba por ser educativa ao sentimento.Se cumprir essa função social, já teve lá seu mérito.Porque o sentir ou o expressar do sentir é sempre algo perigoso em si mesmo.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Morrer por amor, matar por amor

Eis um assunto interessante: mais fácil aceitar-se morrer por amor que matar por amor.Amor e morte, sempre os grandes problemas, os indecifráveis enigmas.Li, há pouco, um artigo abordando o crime de Suzane Richtofen.A questão é: teria ela matado por amor, para manter seu amor?Ou seria apenas uma questão de grana?
     Interessante o tema.Bem, já dizia Platão que o Amor(Eros) entorpece a razão por meio dos sentidos.Vocação de enlouquecer.Indução à psicopatia?Ou seja, no fundo, tudo que se faz é por amor ou ausência do amor, o que desembocaria no ódio?Ah, o velho Freud(em sua fase mais velha) com o drama da luta de Eros contra Tanatos.,,,Os dois podem bem se combinar.A sugestão do artigo, para que não se tomem grandes decisões por causa do amor, me parece bem sensata.Claro, referindo-se ao amor primário, o sexual, não a seus desdobramentos sublimados ou transformados.Eu me lembro de querer fazer política ou algo meio confuso que na minha cabeça parecia revolução, por ter-me apaixonado por uma moça politizada.Não consegui nem a moça, nem a tal da revolução.Santa presunção! Por causa disso larguei o curso de engenharia.Nisso dei sorte: não queria realmente ser engenheiro.Depois, mais tarde, resolvi que queria ser artista, por estar apaixonado por uma moça onde enxergava altos dotes artísticos.Afinal, ela necessitaria de um companheiro que também fosse artista.Ela não virou artista, mas me abandonou.Dei sorte: a arte me encontrou.Moral da história: todo homem é o que as mulheres fazem dele, inconscientemente, por meio do que eles sentem por elas.Acho que começa com a mãe....Contudo, no caso da Richthofen, não seria mais fácil e romântico apenas fugir com o namorado?Fico imaginando como seriam os pais da moça e o relacionamento familiar com eles.Ou então, todo romantismo amoroso descamba mesmo para a patologia?Bem, romantismo autêntico tem que ser patológico.Varia o tipo de patologia, às vezes um tanto destrutiva demais.