quarta-feira, 8 de outubro de 2014

desalento em meio às eleições

Interessante o fato dessas eleições me fazerem lembrar de Sartre, em uma de suas últimas entrevistas, ao dizer que a humanidade englobava alguns aspectos sombrios, dentre eles o fato de que se faziam grandes revoluções , onde morriam tantas pessoas, para que se mudasse muito menos do que era sonhado. Sem contar as guerras inúteis; ou melhor, úteis para os que as promoviam em proveito próprio.
      Em política comum, usualmente ,se utiliza a mobilização emotiva, irracional, no sentido de se criar falsos sonhos, trabalhando sempre em cima de esperanças, acima das possibilidades reais.Esconde-se o que está por trás.Moralidade, honra, patriotismo, incorruptibilidade, tudo isso é usado como fachada, onde se usam fantoches, os candidatos, mensageiros ou sequazes dos poderosos que os agenciam.Daí que , dentro do que se chama de uma democracia moderna, haveria a necessidade de uma identificação maior entre eleitor e partido, a partir de programas partidários e coerência na utilização desses programas.Consciência cívica e histórica.Tais coisas inexistem por aqui, mesmo em camadas qualificadas como mais "esclarecidas".Mas o eleitor brasileiro, em média, é um analfabeto político, não sabe o básico de uma argumentação, despido de informação histórica do próprio país(na verdade, de história em geral), carrega uma "casa grande e senzala" dentro de seu coração(fechado e com chave jogada fora), não tem identificação alguma com programa partidário. Nossa burguesia nunca fez qualquer revolução, nossas classes médias, salvo alguns hiatos, são,em média, a média da média da mentalidade medíocre de classe média.Age-se ao sabor das emoções primárias, do juízo de valor e do preconceito, no estilo do público dos programas de televisão sensacionalista.Já houve um momento, na história desse país, em que sonhei que a educação política levaria a posturas mais conscientes das pessoas na forma de agir em sociedade, além do moralismo imediatista, das soluções de emergência. Foi um sonho que nasceu, frutificou e gerou esperanças em meu coração, após o fim da ditadura, a qual tanto odiei e combati em seus estertores sombrios.
     Talvez tenha sido idealismo de minha parte, eu que, no meu idealismo em algumas coisas, em tantas fui ridicularizado, inclusive nas searas políticas por onde andei e me desiludi.O ser humano sem qualquer traço de idealismo não passa de um cadáver moral. E o homem é um ser moral, já dizia o velho Aristóteles.Esse  cemitério moral se alastra em plagas nacionais.Ruínas mais vastas do que em toda a Grécia.Todavia, confesso, pode ser que  seja um defeito meu em, ao não me contentar com pouco, querer sempre muito mais do que a realidade pode oferecer  a mim e ao país. Quem sabe o negócio seja esse mesmo, a mudança sempre pequena, no ritmo do título de um livro clássico de política chamado de "Um passo à frente, dois atrás". Mas que fazer, clássica pergunta de outro livro clássico?Ao menos tenho os meus conceitos de justiça social, que sempre regerão minhas convicções políticas, e um profundo, enraisadamente profundo, desprezo pela maior parte do sistema de valores estabelecido pela ordem de poder.Recordo-me de entrevista do já provecto Drummond, meio desalentado com essa porcaria(sic) que as pessoas chamam de vida social e com a humanidade no geral, cético com relação ao valor da própria obra(incrível, não?), mas dizendo que , ao menos, não compactuou, na medida do possível, com o sistema de valores que lhe foi imposto.
     Tinha vinte e poucos  anos quando a li.Valeu, poeta!Espero seguir essas suas palavras até o fim de meus dias.Não quero ser cúmplice do cinismo e da hipocrisia.Nem ser tão burro, politicamente, como a maioria é.Porque o momento atual é de asnice incomensurável!

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Podologia aliada à cardiologia como solução

       Os podólogos cuidam da saúde dos pés, os cardiologistas da saúde do coração.E da alma, quem seria o especialista, o consolador?Fórmulas e sistemas não nos faltam para tentar explicar tais problemas.Quem sabe, uma junção entre podologia e cardiologia, uma união de técnicas para solucionar as dores da alma, alívio para os pés e aflições do coração, uma salmoura para os calcanhares gastos de nossas emoções conturbadas.
      Mesmo o mais cético dos seres não hesitaria, à luz de certo conhecimento adquirido por meio das pesquisas psicológicas,  em afirmar que a maior parte de nosso comportamento é determinado por fontes irracionais de nosso inconsciente.Ainda que boa parte das pessoas negue isso, acreditando no poder de sua racionalidade, do tal de "bom senso"(coisa rara!),esquecendo as bobagens ou loucuras que fazem na vida sem que consigam explicá-las. No cassino da vida, em que roleta arriscaríamos todas as nossas fichas nas emoções alheias, na previsão dessas emoções?Não há base estatística para isto.E a roleta sempre parece viciada.Quem foi a Las Vegas ou Monte-Carlo ou a qualquer lugar clandestino por aí,  sabe que se entra num cassino, a princípio, com o propósito de se perder.Ganhar é mero acaso, probabilisticamente determinado.
     Por outro lado, acentua-se no mundo moderno uma separação profunda entre o inconsciente e o consciente.Separação entre o "animal" humano e natureza.Todavia, essas potencialidades irracionais são manipuladas ao sabor dos interesses do poder ou do comércio, sem que a maioria se dê conta disso.Fruto de tal coisa, não seria descabido afirmar-se que nosso mundo social, no geral e historicamente, ou é neurótico ou simplesmente esquizofrênico.Talvez. Ou certamente?Quem sabe até mesmo o amor não passe de uma neurose prolongada.Seria mesmo a criança o pai do homem?Freud não explica, apenas nos conduz em meio às dúvidas.
    A vida é um troço louco e meio sem sentido, coisa constatada por tantas mentes filosóficas ou artísticas.Nos equilibramos na corda bamba das emoções e das frustrações, não sabendo bem o  que nos espera ao final dessa corda.Trapezistas de nossas incertezas.Haja bom humor para a empreitada.
     Assusta-me aquele que descrê da loucura do mundo ou de si mesmo. Melhor ser um louco sensato, se é que isso é possível.Pior cego aquele que não quer ver, mais louco o que não enxerga a própria loucura.Mas como enxergá-la, se somos educados e criados para ocultar de nossa consciência as sombras de nossa inconsciência?Vivemos ainda na pré-história de nosso próprio ser.Ao olharmos de perto o abismo que somos nós, mais do que tontos ou abismados(redundância!), ficamos desencontrados.Talvez quem se perde é o que se acha.O que se acha é um conjunto de possibilidades, mitigadas por ações do cotidiano, por agentes externos, sejam eles atitudes ou simplesmente agentes químicos.Endogenia de nosso próprio estranhamento.Contorna-se,  seja pelo trabalho(alienante ou não),seja pela arte,  pelo escapismo da satisfação instintiva( esta, sempre insuficiente), pela religião ou pelo medo, medo ao próprio medo.Medo de viver é natural porque a vida é mesmo amedrontadora.Acordar de manhã e estar vivo já é um espanto!
    Se tivéssemos tempo para reflexão sobre tais coisas, nem ao menos teríamos tempo para ficarmos deprimidos, a não ser pelas tragédias que nos pegam ou espreitam.Ser pessimista ou otimista depende de mecanismos de nossa vontade, são atitudes que tomamos, posturas que, consciente ou inconscientemente, moldam nosso caráter e formas de relacionamento.Se quiséssemos realmente conversar com as pessoas, iniciaríamos tudo a partir de perguntas sobre a infância daquele com que encetamos diálogo.Mas isso daria um trabalho dos diabos e cheiraria a psicanálise de boteco.E sabe-se que de sábio e louco, cada um tem um pouco.Ou nada, talvez.Nadificação da vida como forma de buscarmos a paz na condição de amebas.Ah, como devem ser felizes as amebas...
    Nada é mais áspero que as relações sociais.Só não percebemos isto pelos calos desenvolvidos em nossos corações.Nem todos são vítimas de patologias cardíacas, mas todos de calosidades cardíacas.Ainda não temos o remédio infalível para isto.De resto, a par da ciência e da tecnologia, a coisa mais desenvolvida, ao status de arte, pelo engenho mental humano é a hipocrisia.Esta o verdadeiro cimento da ordem social.Sim, calo no coração!Depois do sopro no coração, surge o calo no coração, esse centro simbólico da alma, a qual, sabemos, tem lá suas formas de contato conosco por meio de nossa mente.
     Ora, se os pés sustentam o corpo, o corpo sustenta a alma e o coração sustenta o próprio corpo, porque não haveria a possibilidade de relacionar todas essas funções?Os pés são tão estranhos como o coração, morfologicamente e plasticamente.Tanto o coração como os pés tendem a ser simplificados em suas representações imagéticas, criando-se símbolos plásticos reducionistas em função de suas complexidades visuais.Podo-cardiologia anímica?
    Por isso, acredito que uma união dialética entre a podologia e  cardiologia, com algumas pitadas sistematizadas de psicologia, quem sabe resolva problemas assim , antes mesmo da cura definitiva da asma ou do tédio sistemático da vida moderna.Quem sabe, a partir daí, o homem das cavernas que habita em nós se reencontre com o mistério do fogo que ele descobriu.Claro, por acaso...E saiba, finalmente, andar com os próprios pés.