segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Ilusões eu não as tive.Sonhos, ainda os tenho

A nova moda oportunista de momento é figura pública, intelectual, política ou que fez boa carreira dentro do sistema falar em “ilusões perdidas”. Tenho lá minhas profundas desconfianças com esse discurso, muito encarnado por gente de meia idade ou já adentrando o outono da vida, muito adequado para se criar imagem para os mais jovens ou para justificar comportamentos pragmáticos que levou essa mesma gente a levar a vida numa boa, em meio aos absurdos e injustiças históricas que não foram superados. Ou seja, materialmente não se ferraram, aparentemente apenas tiveram frustrações em suas almas ou corações.
     Abundam em periódicos  essas personalidades a justificar seu aparente fracasso existencial.Fracasso?Ora, só perdeu ilusões quem as teve. E muitas nem eram ilusões, eram apenas justificativas de posições.O problema maior consiste nos sonhos que foram corrompidos.Ilusão é uma visão distorcida da realidade, nosso mundo sensível adulterado pelo tecido das aparências.Já o sonho é sempre uma potencialização de se transformar essa realidade.Logo, a ilusão tem tempo definido de existência, o sonho pode ser mantido por quase toda a vida.O famoso “eu tenho um sonho” , por exemplo,de M.L.King , tanto tempo depois de seu assassinato ,ainda existe, resiste ao tempo e na possibilidade de ação e modificação, reanimado sempre nos corações daqueles que ainda mantêm viva essa declaração.Porque as bases que a engendraram ainda não foram superadas.E os homens ainda teimam em não se tratar como iguais.
    Agora, pessoas que na juventude tinham expectativas e posturas as quais, ao longo do tempo, foram transformadas em formas sutis(por vezes não tão sutis) de acumpliciamento com as normas de funcionamento que eram combatidas, seriam mais honestas se dissessem que seus sonhos ou ilusões estavam errados. Gente que falava mal do sistema e hoje diz que ele não estava tão errado assim. Gente que dizia combater esse sistema mas, ao longo do tempo e com o envelhecimento, cansou de empurrar a pedra ao topo da montanha.Afinal, pelo visto, tarefa de Sísifo não é para qualquer um. E vai tocando o sistema e sua vida dentro dele dentro do possível.Tolera-o de forma contumaz ou covarde, faz tanta concessão que chega ao ponto de não ser mais que uma engrenagem bem azeitada dentro do sistema. Muitos sendo uma engrenagem pouco desgastada e de sucesso dentro desse mesmo sistema.
     Ora bolas, ser contra o sistema é sempre assumir uma posição de marginalidade dentro dele.Isso pode se reverter em custos materiais ou espirituais. Mas como imaginar um marginal que viveu lambendo botas de poderosos, safados ou oportunistas?Desconfio disso, juro!
    Agora é fácil falar.Acusam-se os “pecadilhos” de juventude, a falta de maturidade, excesso de coração(?!), etc.Maturidade muitas vezes pode significar nada mais que  contentar-se com pouco.O lema “sejamos realistas, sonhemos o impossível” se transforma em “é impossível que não sejamos realistas”.
   Aí vejo jornalista, profissional de sucesso, triunfador econômico, professor, colega(na maioria ex-colegas), companheiros de ocasionais jornadas de luta por um mundo melhor, político ou carreirista que mamou nas tetas sombrias das engrenagens de mel e sangue, puxa-sacos de poderosos e astutos, vindo com o papo: “ah, minhas ilusões perdidas!”. Pergunto a eles se ainda mantêm sonhos de juventude.Se é que os tiveram, se é que acreditaram neles como uma fonte de vida na curta existência nossa, existência que só adquire significado se legamos algo ao mundo, a nossos semelhantes.
     Ao longo de minha vida, o que mais conheci foram farsantes de seus próprios eus, gente que falava uma coisa que, em verdade, não acreditava, usando apenas o discurso para se dar bem, se relacionar bem ou, no futuro, conseguir boa colocação social e econômica.Ou seja, farsas a serviço dos interesses egóicos comezinhos.Preferível então o medíocre que nunca ansiou nada mais que sua própria mediocridade.
   Por isso, ao que é mais jovem, quando alguém vier com esse lero-lero de “minhas ilusões perdidas”, responda que não lhe interessa cadáveres mas sim seres vivos.Pergunte: quais seus sonhos de juventude que se mantêm vivos.Ilusão é quebrada ou sofrida no momento. Tanto que podemos tê-la em qualquer fase de nossa vida.Não a vivemos a posteriori.Sua dissolução apenas nos faz ver o equívoco desse momento, de enxergar esse momento.
  Muito cara mais velho usa esse lero-lero apenas para justificar a nulidade de momento que ele é, sua hipocrisia,  sua eterna covardia de não ter sido radical em algo, de não ter ido a fundo no coração da vida pela suspensão da estabilidade.Uma derrota honesta pode ser mais honrosa que uma vitória suja.

   Não falo em minhas ilusões perdidas.Ilusões eu não as tive.Sonhos, eu tive muitos, muitos ainda vivos.Estarão ainda comigo, mesmo morto.Aquilo que podia ter sido tudo e  que não o foi é sempre um tudo que sempre é.Nossa última mortalha do adeus.

domingo, 2 de outubro de 2016

BREVE REFLEXÃO SOBRE A TAL DE "PAULISTANIDADE"

SOBRE O LEMA DESSA CIDADE, APENAS POSSO DIZER QUE TAMBÉM NÃO SOU CONDUZIDO.MAS NÃO QUERO CONDUZIR PORCARIA ALGUMA
Sabem, a gente vive em microcosmos sociais, com aquelas pessoas ou grupos que achamos legais, com interesses ou gostos similares.Ou seja, vivemos particularidades em situações particulares, daí tomando o particular pelo mais amplo e universal.Um equivoco já que o particular encerra algumas características do universal, não é o geral ou o universal. O cara legal e aparentemente simpático que a gente vê no fim de semana num bar e numa festa pode , no fundo, ter pouca coisa a ver com você.Aquilo é uma situação de particularidade.A cidade e a população são muito maiores, complexas entidades e sistemas sociais confusos, amorfos, pouco definidos cultural ou ideologicamente e, pessoas mais abertas ou liberais não imaginam ou conseguem enxergar o universo nebuloso e sombrio escondido num caos metropolitano de ignorância e subserviência a existências médias absurdas e medíocres.Acontecem acidentes históricos de aberturas mais civilizatórias ou liberais.Mas são acidentes. No todo, a cidade é conservadora, a população resignada com a carência ou a estupidez.Além da evidente feiura, lógico.Quem se ilude nunca ousou desfazer o " véu de Maia" com que somos cobertos cotidianamente.A publicidade e o novo pelo novo acabam por triunfar.
No fundo, o triunfo da mesma velharia.Essa cidade é uma velharia disfarçada de modernidade.Provincianismo disfarçado de cosmopolitismo "primeiro mundista".Numa terra de onde ainda não nos livramos da psicologia da escravidão, da anuência com o espírito de casa grande e senzala.
Nossa arquitetura, por exemplo, em média denota muito disso, do caráter metropolitano presunçoso, sem coerência ou elegância..E ainda sobram as baboseiras dos bandeirantes, aquela fala do brasão municipal " não sou conduzido, conduzo", aquela parvoíce da paulistanidade, o abominável bairrismo subjacente..Já tive muito dessa anemia mental encrustada na cabeça, faz tempo, muito tempo; até quando , ainda jovem, comecei a ler e a refletir, a escapar do senso comum, desacreditar dessas mitologias paulistanas, a trair minhas origens de classe.Trair pode ser um exercício de libertação.Quem não odeia São Paulo no fundo não ama São Paulo.Mas, em algum momento, tudo tem um limite.
A tecnologia produz essa cosmetificação da realidade.Um candidato cosmetificado e amorfo, apadrinhado por um igualmente amorfo e medíocre governador, é perfeito para a turba deseducada, para a manada que trabalha, leva uma vida de merda e vota.E nem ao menos sabe que é turba.A não ser quando se digladia voltando para casa pelo metrô sempre entupido.
Ah, usando o jargão do brasão municipal , também não sou conduzido.Mas não intento conduzir ninguém.Porque essa cidade não conduz porra nenhuma, a não ser a si própria para um lodaçal urbano. Quando baixa um ar novo e leve, procura sempre o fedor.Por isso São Paulo merece o fedor do Tietê, outrora um poético e lamacento rio cantado pelo grande Mário.
Sim, o fedor apenas se consubstancia.Ampliado pelo idiota eleito de pulôver, depois , posteriormente, rejeitado pela inevitável decepção popular que surgirá..Depois, cidade parcialmente reconstruída, depois destruída.Não é uma fênix sempre renascida.Não passa de um urubu que se tinge de cores mais alegres.No fundo, vive mesmo em torno da carniça.