sábado, 16 de fevereiro de 2013

reflexão ciclística 15/2

  Bêbado, voltando para casa de bicicleta, apenas eu, as estrelas, algum anjo da guarda desavisado e algum meteoro distante da terra, esperando a hora de descansar em pedaços sobre o tecido do planeta. No céu, sempre espreitando uma lua arrogante.Momento sereno e solene, a cidade espreitando em meio ao sono inquieto e aos delírios etílicos para esquecer o peso da vida, o lastro de desilusões com que se constrói o dia a dia. Agora, um mundo amarelado pelo sódio das lâmpadas, um pouco da energia do sol que roubamos para iluminar a treva que abominamos.
     Lá fora, ou dentro de uma coisa estranha que chamo de corpo, sobre duas rodas, o mistério da intuição agindo de acordo com as leis da mecânica;  inércia e quantidade de movimento agindo para que eu volte ao lar que não existe, esse lar onde habito ou desabito de acordo com as circunstâncias, o céu escuro e mentiroso, escondendo a luz do sol que existe além da minha vontade.O mundo é tão vasto, dizem ser minha casa , mas não consigo nem ao menos achar os cômodos.Assim é a vida na distância da natureza, de uma aparente natureza , carregando a minha desnaturalidade desnutrida de ansiedades ou afetos, a nulidade do espaço indefinido na rota  balizada da bicicleta, rondando um espelhar de lua , aqui ou ali, escapando da força da luz de artifício, como artifício é toda essa construção de desassossegos com que nos comunicamos.
     Gastei o verbo e um resto de lucidez preservada ao álcool, numa animada conversa com uma produtora teatral.Estéticas e teorias para lá e para cá, carrego agora esses escombros de exercícios lógicos que tentaram explicar o inexplicável. Sobraram os delírios no interior da cabeça, tanta coisa misturada, eu ainda tentando me esforçar em pensar apenas na bicicleta.Posso cair a qualquer momento, chance maior de ocorrer do que ser atingido por uma onda de choque de um meteoro explodindo.Não fomos criados para andar de bicicleta, quando muito sobre duas pernas nos esforçando no exercício cotidiano de anti-natureza que é o seguir humano.
    Chegar em casa e esquecer toda aquela discussão.Afinal, foi para matar tempo mesmo, a anestesia de sempre do álcool criando a ilusão de genialidade que logo se desfará pela consciência, essa sempre ladra desse projeto de sonho que se faz em algo que chamo de eu.
    E , num outro eu bípede, pedalando e escapando da ocasionalidade homicida das máquinas humanas adejantes pela noite, vou encontrar na ebriedade do sono, quem sabe, a ebriedade perdida num momento de conversa, num vento batendo no rosto em meio ao pedalar, o silêncio obscuro de uma aparência fenecida de metrópole.Amanhã, será um dia parecido como este.Mas voltarei de ônibus.O problema é que lá também se filosofa....Mas, desde que eu veja uma lua no céu....

domingo, 3 de fevereiro de 2013

sobre a incomunicabilidade


O que mais ouço por aí é coisa do tipo "ah, como as pessoas são loucas!"; o que , obviamente, no fundo quer dizer "nossa, como sou louco". Já ouvi um comentário sensível do tipo" tem algum dia em que você não tenha medo de se olhar no espelho?".Da minha parte, se ele,espelho, não rachar  de raiva já é muito. O chamado Princípio de realidade, termo cunhado por Freud, se transformou em Princípio de Irrealidade, alcançado por meio da tecnologia.E tudo vai parecendo, para mim , tão real quanto os desenhos que faço; esses, não são a realidade, são apenas um aspecto dela, no fundo não passando de linhas e formas, matéria mesmo que se restringe ao papel e ao material nele depositado.Afinal, o que é o real? E o princípio de irrealidade se afirma sobre o de realidade, reafirmando a incomunicabilidade entre os seres.Os quais, talvez, nunca se comuniquem mesmo, a não ser por hiatos... Palavras, signos , símbolos, um gigantesco esqueleto montado por teorias para explicar o inexplicável.Aí, surgem as trancas.
     Nem ando gostando de fazer auto-retrato desenhado, prefiro desenhar outras pessoas, de preferência retratando-as em boa situação espiritual.De barra, já basta o mundo aí fora! Às vezes fico pensando se aquele número grande de autos-retratos não fizeram o Van Gogh ter mais surtos de loucura, apesar de que a pintura resolve alguns problemas psicológicos de quem a faz.
     Sinceramente, ando vendo as pessoas andando em bolhas, mais ou menos como vemos quando se lava roupa.Uma vez ou outra vemos uma bolha maior, um casal ou mais pessoas, que repentinamente se faz em outras bolhas.Acho que a bolha é a melhor imagem que se tem do narcisismo de nossa era, o qual , inclusive, é fundamental para o correto funcionamento do sistema, economicamente falando. Não deixa de ser um problema o fato do homem, segundo Aristóteles, ser um ser social, sendo algo de monstruoso ou desumano se não agir dessa forma.
     Gostaria, confesso, de ser um pouco mais mecânico na minha forma de agir, um pouco mais blindado sem que houvesse a necessidade de isolamento social.No fundo, grande bobagem essa de amizades virtuais, já que amizade é algo concreto e muito raro.Quanto ao amor, além da irrealidade semi-psicótica causada pelos hormônios, talvez só se realize mesmo no plano ilusório ou não passe, como me disse um inteligente e conhecido psicanalista num e-mail, de um grande devaneio.
   Então, vou continuar nos meus devaneios, ou em torno da possibilidade deles.A vida é curta mesmo, talvez não passe de um sonho, bom ou mau de acordo com as circunstâncias.
    A loucura da vida apenas não passa da vida sem seu verniz de civilização, coisa que permite que o andar da carruagem não pare.De mentira em mentira vamos tocando essas relações frágeis e inseguras; a incomunicabilidade profunda ainda  é muito real, enquanto que a real comunicabilidade é tão virtual quanto tudo o que de mais moderna tecnologia há. A arte vai continuar a ser o tapa-buraco, novos narcóticos surgirão para amenizar a dor mas não resolverão tudo.Perderemos grandes possibilidades, outras, talvez não.Não importa, já que o fim é o mesmo.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

reflexões curtas de janeiro


 No meu caso, vejo algumas mulheres como vejo a bíblia: algo estranho e fascinante, no fundo um tanto apócrifo, cheio de discursos delirantes ou ilógicos e neuroses travestidas em imagens simbólicas; algo  que posso até respeitar, mas não necessariamente levar a sério ou tentar entender. Minha pretensão não chega a tanto. E todo homem jura de pé junto que leva sua mulher a sério, algo que , forçado, se transforma num caso sério. Bem, talvez goste disso - não da bíblia ,óbvio,  livro escrito por homens histéricos e delirantes, onde a mulher é quase sempre um demônio e cuja leitura prolongada e obrigada por certa doutrinação religiosa sempre me causou tédio- , aprecie uma certa ilogicidade que nos livra das falsas certezas da razão. Razões para isso não nos faltam.Toda personalidade alheia é um livro escrito em língua estrangeira cuja gramática desconhecemos.E vamos tateando em meio a foras e equívocos. Claro, vão falar que isso é discurso sexista, que não se presta  à atualidade .Para mim, confesso, é esta atualidade que não presta mesmo. E sou já uma figura “ historicizável¨ ,que já se presta a um bom tratamento anti-mofo.
      Ainda que seja, para mim, mais fácil encarar uma mulher como algo sagrado do que algum texto escrito com a pretensão de ser uma  verdade universal, salvo se for alta literatura.Universal mesmo é a beleza feminina.Em todo caso, no mundo da racionalização constante, não faltam fórmulas explicativas para o inexplicável.E sacralizações para coisas de difícil sagração.Mas coisas sagradas, imposições sagradas , isso não falta por aí. Há tempos já executei a sagração de minha primavera de encantos.E eles continuam, em meio às poucas coisas que, para mim e para mais ninguém, realmente são sagradas.Tirando o Cântico dos Cânticos e uma ou outra passagem poética, definitivamente e por razões explicáveis, acho a Bíblia um livro chato.Mas, definitivamente, nem todas as mulheres são chatas.Aleluia!

   Para quem acha que a vida é rosa, só posso dizer que ando com problemas com a minha paleta.Tendo mais para os cinzas coloridos, mas cinzas, apesar de tudo.Nem branco, nem preto, que nem ao menos são cores.Essa vida são mais é dores.

SOBRE O SENTIMENTO DE POSSE
Por vezes fico pensando nas expressões convencionais que usamos, sejam novas ou antigas.Por exemplo: possuir uma mulher.Claro que isto estava ligado à propriedade privada ou à posse de um bem.Hoje está meio em desuso.Quando moleque , ainda se usava mas, com o tempo e a nova situação da mulher na estrutura econômica, ficou meio estranha.Sim, existe o simbolismo por trás disso tudo, coisa que vai além do consciente e penetra os desejos inconscientes.Posse física ou mental?Mas, logicamente, a expressão carece de sentido, só o teria em caso de escravidão, ainda que os detentores de qualquer forma de poder possam encará-la com naturalidade.Sinceramente, nunca senti essa coisa de posse, sempre me senti é possuído, uma espécie de halo demoníaco envolvendo a situação.Bem, fluidos demoníacos salutares.Os problemas são sempre os  efeitos do amor, não o amor em si.Mas, particularmente, acho mesmo que a única vez em que sentia algo parecido com posse era quando observava a pessoa dormindo.Aí, toda a imagem e fragilidade de um ser dormindo, algo sentido por mim e por mais ninguém, sempre foi um momento que parecia transitar entre a vida e a morte.Quem sabe, a morte seja mesmo um sono., com ou sem sonhos, algo bom ou neutro.Fabricantes de colchões e travesseiros faturam muito com isso.E ver o ser amado dormindo, aquilo que antecede a esse sono, pelo menos algo parecido com isso, um torpor estranho que nos espanta pelo sentimento e pela fragilidade do outro que é a nossa.Um daqueles sentimentos pré-morte que sentimos em vida, mas onde a morte se aproxima com mansidão e não com comoção.

Síndrome do Pânico(receita)
Fala-se tanto em síndrome do pânico .Não a síndrome, mas o pânico vos ofereço: cerrem os olhos na cama, um vasto escuro se abrindo como um abismo no interior, escuta-se o coração batendo. Mais do que suficiente. Céus, ele funciona, independente de minha vontade, assim como tanta coisa também o faz, independentemente, nessa minha desfuncional vida que ainda funciona! Tanta coisa e nossa vontade pouco conta. Fosse esperto o coração, pensasse um pouco mais, talvez parasse de bater. Mas coração não pensa, vai de acordo com o grande coração silencioso do universo. E se o ar que entra e o que sai se invertessem, essa máquina ainda funcionaria? Não basta isso para um panicozinho? É sair e pensar no resto do dia.Pernas e pânico pra que te quero.Ou basta pensar na cidade em que se vive.Bota pânico nisso! Quem sabe, um novo aplicativo em programas de computador : o pânicus versão 2013, versão atualizada. Mas vou voltar para meu coraçãozinho batendo de noite.


En excès de délicatesse, j'ai perdu ma vie.
Par excès de zèle, le courage perdu
par excès de rêve, je me suis échappé réalité
par excès d'amour a finalement quitté la fatalité

O sonho marginal se lamenta, choroso, em algum canto no coração do medíocre.
Às vezes fico imaginando se, caso houvesse uma regressão na nossa capacidade de comunicação, algum tipo de retrocesso linguístico, não seria mais conveniente uma comunicação na base da gestualidade, dada a quantidade de besteiras que se fala sem que tais sejam apercebidas pelo  crivo crítico ou do bom senso. Talvez devesse ser obrigatória a alfabetização na linguagem dos surdo-mudos para nos comunicarmos melhor, quem sabe apenas nos comunicarmos.No fundo, vivemos dizendo bom dia a cavalo; muitos dentre nós relinchando sem saber, imaginando emitir pérolas de sabedoria.Há muitos momentos em que o silêncio vale mais que ouro, vale platina.Talvez haja uma sabedoria embutida nos animais(menos nos cães que ladram muito, esses tagarelas do mundo animal!).Para mim, os seres mais sábios são as árvores.Passamos ao largo delas,árvores, imaginando mirá-las quando em verdade são elas que nos miram, provavelmente dizendo em seu silêncio vegetal o quanto somos patéticos em nossos ruídos sem sentido.

     Podem falar mal ou contestar à vontade Freud e o complexo de édipo, mas o que se vê mais por aí é marmanjo barbado querendo ser mimado.Mas, não sei não,  esse negócio de ser mimado acaba resultando em micado.

Citação ou declaração de princípios não falta e não verei morrer de fome meu apetite de curiosidade sobre isso.Ouço frequentemente conversas que  poderiam me levar a crer estar falando com alguém disposto a singrar mares violentos. Mas a maioria quer, no fundo, uma laguna calma.Nos dois casos a gente pode se afogar.Caímos nas tempestades sem querer; ainda que haja tanta gente "tempestuosa" que nos leva não à bonança , mas sim ao deserto; esse tão mortal quanto uma tempestade. E tudo quanto é teoria por aí não me satisfaz , é  boia furada.Pensando bem, talvez esteja tudo afundando mesmo... Melhor treinar para usar submarino.
Sempre gostei dos livros que li de Aldous Huxley. Sempre senti um certo pessimismo dele com relação ao futuro da humanidade.Huxley desprezava, de forma nem um pouco branda, a cultura de massa que surgia no início do século vinte.Achava que os elementos motivadores dessa cultura acabariam por nos levar a um niilismo insosso.Morreu no início da década de 60, sem ver, por exemplo, os movimentos de contestação cultural que atingiram os países ricos, lá pelo fim dessa década.Acredito que hoje, ainda mais ácido, não mudaria muito de opinião.O que escreveu continua ainda muito atual.Há pouco li alguns ensaios seus, escritos na década de trinta, e eles são até mais incisivos na tématica do que os romances.Foi um grande intelectual e humanista(parece que a nova onda agora é atacar o humanismo por meio de irracionalismos esdrúxulos).Era aristocrata, de sangue e espírito.Essa última  condição prescinde de qualquer origem de sangue ou classe; depende apenas do próprio homem.

Interessante como as grandes visões se dão em situações limites: homens peregrinando por desertos, imersos na solidão de montanhas inacessíveis ou em florestas(as que ainda restam não destruídas por nós) com misteriosos ruídos noturnos; ou no isolamento sombrio dos grandes desertos disfarçados que são as cidades..Excelente material para a criação de beleza, mas pouco confiável em termos de solução de problemas coletivos humanos.Grandes visões surgem num hospício, por exemplo.Podem surgir outras, como a daquele homem de horrível bigodinho, numa certa cervejaria em Munique, década de vinte do século passado.Ainda bem que não tento impor minhas visões ou delírios como verdade para os outros.Mas há muito texto, chamado de sagrado, que trabalha certas visões - sabe-se lá em que situação forjadas - como verdades. Pode ser político ou religioso.Ai,ai,ai..Preferível a visão poética: tenta resolver a vida através do imaginário.As visões bastam-se a si próprias, são como névoa de fumo.Evidente que uma névoa pode intoxicar.Desconfiança sempre será estratégia de sobrevivência e a maior parte dos visionários acaba por cair na real(na chatice, por consequência).O visionário mais consequente é o que deslancha pela inconsequência da loucura, de variante grau, da excentricidade não muito afetada.Pode até ser que essa vida não passe de algum sonho de uma visão, feita à imagem e semelhança desse sonho estranho que é a humanidade.

   Ouço muito se falar sobre a imaturidade e  a infantilização da cultura moderna.Quase que virou moda, o assunto é um festim para os discursos psicológicos e, especialmente, para os que se dizem levar-se a sério. Como nem a mim mesmo  levo tão a sério...Conheço muita gente que se diz madura mas que tem uma forma muito desumana de lidar com qualquer semelhante, do parente ao cachorro.Diria que, nesse caso, o amadurecimento levou ao empedramento.Tem muito fruto que parece maduro, em muito fruteira por aí, mas no fundo é de cera.
 Quem sabe eu seja mesmo um imaturo, que já caiu de maduro.

  A criança vê a mãe toda vez como se a visse pela primeira vez.Alguns casados – lógico, nos casamentos soçobrados - vêm o parceiro, vez após vez, como se o quisessem ver pela última vez. Assim cresce a árvore da vida, sempre com folhas mortas aos pés do tronco.

   O especialistas(?!) em amor se fartam em tecer considerações - livros, revistas e artigos em profusão - de ordem psicológica, sociológica, antropológica e até astrológica, sobre a situação do amor na contemporaneidade, já que na defunta modernidade nada se concluiu ou se resolveu. Será que a ciência descobrirá o gen de eros, fazendo o mapeamento genético infalível que nos indicará o caminho das nuvens e felicidade amorosa a partir dos (des)relacionamentos atuais. Sei não! Leio tudo isso com atenção, medito e , no final, descarto tudo.Ouço uma música ou leio um poema que perco menos meu tempo.Não quero saber de terapia ou DR(discussão de relacionamento ou desrespeito recursivo?), nada da sabedoria moderna me indica que isso seja mais palpável que um bóson de Higgs, tamanha a falta de controle que a gente tem sobre sentimentos, tanto quanto ocorre com a mecânica quântica. Sonho de integração, unidade na diversidade; mas isto já vai contra a lógica, o que se dirá do mundo? Seria melhor não sentir nada, quem sabe mesmo estar morto, uma forma um tanto radical demais de não se sentir. Ou não pensar nada para, quem sabe, continuar a sentir.

Imagine-se um rosto bonito, que você ache bonito ou interessante, e você saiba desenhar ou queira desenhar esse rosto.Mesmo que você não tenha muita técnica de desenho, caso se empenhe em fazer vários desenhos do mesmo rosto, notará que cada desenho novo dá a impressão de que é o primeiro que você está fazendo.Podemos chamar isso de um olhar encantatório sobre o mundo, um olhar de criança.A criança quando revê a mãe parece que a está vendo pela primeira vez, dez minutos de ausência parecendo uma eternidade, um espanto!No caso do desenho, cada um é  e não é a pessoa, é uma nova pessoa.Caso a pessoa seja conhecida, amplia-se o mistério, o interesse e a sensação de que já se perdeu a essência da mesma enquanto se desenha.Sem contar que, quando desenhamos ou falamos de alguém, já colocamos algo do nosso interior no próprio ato. Agíssemos assim com tudo e todos, e o tédio seria desconhecido com relação aos que estão ao nosso redor ou que estimamos. Precisaríamos ter uma espécie de olhar de criança para tudo. Mas o encantamento perdido da infância é a primeira morte de nossa vida, ainda que possa ser remendada com arte ou sonho.

     Como todo aquele que reza sem fé, eu me delicio ao olhar o horóscopo quase todo dia, imaginando,  naquele zombar do sonho sobre a razão, que os indiferentes astros se importam comigo.

    Todos somos regidos por algum som do passado.
    O som que surge de minha infância, o mais evocativo de dor e solidão, é o do apito de um afiador de facas que passava, dia sim, dia não, na rua em que morava. Ainda existem afiadores de faca, ambulantes por aí? Tardes quentes e distantes na turva memória, nessas longas horas em que só na infância se vive, tudo se comprazia no agudo apito a chamar fregueses. Foi o primeiro som de lamento do mundo de que me recordo. Nem o mais afiado ouvido recriaria do silêncio as notas daquele afiador.

 10 de janeiro de 2013
No dia de hoje, em 49 a.c., César cruzava o Rubicão.Bem, para ele foi um momento decisivo mas, pelo que estou vendo, não tenho nenhum Rubicão a cruzar, nenhum Pompeu a derrotar.Vou imaginar alguma grande decisão a ser tomada no dia de hoje!Qual será o congelado que vou preparar para o almoço?Grande dilema!Ninguém se preocupa com os grandes dilemas dos pequenos, mas muito com os pequenos dos grandes. Imaginem Cesar na época do Big-brother...Mas César se dizia inspirado por deuses, na certeza de que sua incerteza seria resolvida.Ah, as certezas dos grandes!Grande mesmo, para mim, só minha incerteza. Ainda que andar de bike em algumas ruas dessa cidade, envolva o risco de uma batalha contra Pompeu.Para ir à Pompéia - não a cidade romana, mas o bairro paulistano - já é um sufoco.Ter que ir para lá, sem nenhuma Cleópatra agendada. Que tédio!Tarefa para César...

     O grande problema da ortodoxia é a intransigência. O ortodoxo( seja de ordem moral, política, religiosa e até sexual) parece que não se satisfaz apenas em ter a sua crença; parece que seu grande prazer é ter que atacar alguém que descrê ou contesta sua crença.Daí que a ortodoxia é o vestibular para o fanatismo.

     Será que a vida privada é privada de existência quando se priva da vida em família?
     “Laços de família” pode não passar de um eufemismo para quem desconhece o significado  da palavra grilhão.

 A paixão, nesse mundo moderno, só acaba sendo aceita se for socialmente eficiente.O que, para o coração, é altamente deficiente.A eficiência em algo sempre implica em deficiência em outra coisa.Houvesse sempre uma contraposição justa e poderíamos chamar esse mundo de lógico.Mas isso, definitivamente, ele não é.

   Nunca me julguei com vocação para matemático, ainda que tenha feito engenharia e física. Também nunca me julguei com qualquer vocação especial para artes, mesmo tendo abraçado essas atividades há muito tempo.Ou  seja, nunca me descobri qualquer vocação especial, ainda que tenha me esforçado em tudo o que fiz com seriedade.
     Minha grande vocação foi mesmo me envolver com mulheres “tortas”, as quais sempre me causaram fascínio e, depois de algum tempo, acabavam por querer me colocar nos eixos ou me entortar de vez. Contudo, elas próprias  fora dos eixos, não enxergavam
a própria vocação para não entrar nos eixos e de conviver, um pouco à maneira “torta”, com os tortos da vida.Com o perdão do trocadilho, uma terrível tortura!


Sei que muita gente pode me matar.Assim como sei que muita gente chata pode querer puxar conversa comigo.Mas só posso contar com uma relativa proteção do estado no primeiro caso.