sábado, 14 de julho de 2012


Modi falsificado!

          Ainda não tive quadro falsificado, não cheguei a tanto.Mas já tive quadro roubado: era minha primeira exposição , na USP  e em centro acadêmico, mais de  trinta anos atrás; dois quadros(toscos, confesso!) foram subtraídos, talvez em função do Residencial da Universidade(CRUSP) ter sido na época invadido, com apartamentos em estado precário,muitos buracos...
       A exposição ,que ora se encerra na capital, com obras, fotos e documentos de Modigliani, em plenas searas do Masp e com muito alarde, tem agora a acusação de ter uma das telas do pintor, por lá apresentadas,  sob suspeita de falsificação, tendo participação nisso, segundo acusadores, o próprio curador principal da exposição , Christian Parisot, autor de muitos estudos sobre o pintor italiano, inclusive de uma biografia  que li e gostei.Um colecionador apontou o quadro como falso, após uma exposição no Museu Pushkin, de Moscou.A Sotheby’s,  mais prestigiosa casa de leilões do mundo, não abalizou a obra para venda.Marc Restellini, diretor da Pinacothèque de Paris,  afirma que o Parisot é um bucaneiro das artes.Pronto,está armado o barraco!Ou barracão, já que exposição foi realizada com alta promoção, captação de verba pública e co-curadoria brasileira.Agora vem a suspeita.Muito especialista brigando, nenhum artista falando: o ideal seria que houve um contemporâneo do artista para dar um palpite, mas  ele já estaria um tanto provecto demais para isso...Por sinal, esse tipo de celeuma é  muito comum quando se envolve arte moderna de mestres do século vinte, já que ela,arte moderna, quantitativamente acaba sendo a mais cheia de falsificações.Nesse mundo das artes, tem muito crítico que briga com outro crítico, muito curador em guerra contra outras curadorias, muito dono da verdade, como sacerdotes de uma religião, testamenteiros verdadeiros de uma fé estética.E muito dinheiro envolvido.Qualquer grande exposição, atualmente, envolve muita grana e muita possibilidade de um lucro pouco fácil de ser visualizado.No passado, na gloriosa  Paris dos artistas pobres, muitas vezes eram improvisadas em café e botecos.Mas isso não tem importância:afinal, a arte é um grande templo, os artistas suas dividades; seus discípulos e adoradores seus fiéis e, muitas vezes, seus críticos ,os epígonos ,de certa maneira.E como em toda religião, muito picareta.Que fazer?

     No passado, os grandes mestres adestravam seus discípulos com tamanha habilidade, para a continuidade e acabamento de suas obras que, com o passar do tempo,  obras  dos   discípulos acabavam por ser tidas como dos próprios mestres.Hoje em dia, com os novos testes químicos ou de ressonância, aliados aos pareceres de especialistas e historiadores, torna-se mais fácil a dissipação de dúvidas.De bom alvitre, costuma-se não se colocar em exposição  obras em dúvida ou mergulhadas em suspeitas, quando muito colocando-se que as mesmas são “atribuídas” ao artista.As questões políticas ou econômicas, de poder ou jogo de poder, de vaidades e influência, tudo isso contribui para uma barafunda quando surgem acusações de falsificação.Provavelmente, há muita falsificação de grande artista por aí.No passado, o copismo era uma atividade comum, não ilegal; são comuns os casos de copistas que acabaram por se tornar artistas autônomos, até mesmo grandes.Contudo, com o surgir do modernismo e da afirmação estilística individual, conjuntamente com o novo papel econômico do que passou a ser chamado de mercado de arte – coisas sem dúvida ligadas aos processos de alienação e “reificação” do capitalismo moderno –  o “negócio” arte  passou a envolver muita grana e a falsificação passou a ser uma atividade, marginal e considerada criminosa, também rentável.Muito!Daí o surgimento das comissões com nomes dos artistas,de preferência com os gajos criadores mortos,  destinadas à verificação  de autenticidade das suas obras.O próprio Picasso, por exemplo, tinha certeza de que havia muitas falsificações suas no mercado; divertia-se com isso, principalmente quando lhe apresentavam uma obra para que ele a confirmasse como sua e ele, marotamente, dizia estar em dúvida sobre o quadro, o que devia produzir um terrível frio na espinha do proprietário da  mesma.
    Um famoso falsificador, já morto e que inclusive participou de um filme de Orson Welles(Verdades e Mentiras, no título brasileiro), dizia ter falsificado muitos Modis, dizendo-se um continuador da obra do italiano que, segundo ele,  pintou pouco porque viveu pouco e bebia muito.Isso até que seria aceitáve, se ele, falsificador, não tivesse  recebido uma grana preta pelas “continuidades”,  que lhe propiciava, inclusive, vida de fausto que nunca foi experimentado pelo próprio Modigliani em vida, muito ao contrário.Com isso estamos dentro do campo movediço do  que se chama  ética.Mas são coisas de dinheiro, coisas dos absurdos da vida, pouco tendo a ver com  a arte mesmo, essa  sim a afirmação da vontade e da imaginação do homem frente ao caos do universo que o envolve.O resto é grana, futrica, luta por poder, partilha de herdeiros, mesquinharias que pouco têm a ver com a arte em si.
     Sinceramente, se alguém me falsificar no futuro(o que acho pouco provável por ter certeza de minhas limitações reais), igualando no plano técnico e concreto , as mesmas preocupações estéticas , sensoriais e emocionais que desenvolvi ao longo da vida, mantendo o tal do estilo(de maneira não tosca ou vulgarizada!), ficarei honrado.Mas, por favor e de preferência, não falsifiquem a assinatura que, por sinal, é muito fácil de ser feita.Como sou um farsante de mim mesmo....Claro, tem colega meu que me enforcaria por falar isso!
     Na arte oriental era comum gerações de artistas que repetiam o estilo, a feitura, motivação e filosofia de mestre originais,mantendo os parâmetros técnico-estilísticos, naquela maravilhosa  e poética paisagística chinesa ou japonesa.Mas eles se diziam discípulos, tinham orgulho disso, era sua função social  e artística na estrutura social.Não assinavam as obras,  mas todos sabiam que era obra do discípulo tal de tal artista.Maravilha!
    O Modi que vi no Masp, não sei se falsificado ou não, retocado ou não, é assinado e mostrado como original.Confesso que gostei dele, ainda que na exposição o meu preferido seja , curiosamente, um Modi que faz parte do acervo do Masp.Se é falsificação, quem a fez, pelo menos, gostava muito do mestre(que , por sinal, nunca em vida vez pose de mestre): não dá para falsificar bem um moderno sem captar a emoção do original!Modigliani era muito dotado no desenho, na linha e na técnica do alla-prima.Era eclético na técnica de pincelada, no traço e nos empastes.Um espírito clássico, elegante, melancólico e intenso ao mesmo tempo.Já tentei, várias vezes, repetir suas texturas adamascadas em nus e nunca consegui.Que  pretensão minha!!Talvez eu devesse beber mais ao ponto de cair na sarjeta .A  linha  de Modi é maravilhosa: copiar um desenho dele é emocionante, fazer um original no mesmo estilo, dificílimo, praticamente impossível.Porque nunca haverá dois Modis!A linha é melódica, fluida e delicada, além de viril!
       Bem, quem o falsificar, que pelo menos respeite tudo isso na feitura da obra.Se vai ganhar dinheiro, se outros vão ganhar, isso não mexe em nada, não interfere no valor e no legado da não vasta mas segura e intensa obra do italiano.Esse reside em seus restos silenciosos, junto aos também silenciosos restos de sua jovem e amada esposa e segundo filho.Mas os sonhos de beleza e amor, que custaram tanto materialmente, tão dolorosos e gratificantes, tudo aquilo que fez a carne de sua vida, o espírito de seu legado, isso continua vivo, em estrondo e também em silêncio.   O resto é mesquinharia de grana e prestígio, vaidade, sabe-se lá o que mais. Que as comissões decidam e que Modi se refestele  com tudo isso no céu, se ele houver.Não haveria lugar melhor para ele que passou pelo inferno aqui da terra.

quinta-feira, 12 de julho de 2012


   Caramba!   Como erram os comentaristas....Tanto os esportivos como os políticos!!!!


Deus me salve e guarde que, às vezes, fico ouvindo alguns comentaristas políticos e eles não me parecem ser lá muito diferentes dos esportivos.Estes, por sinal - ainda que não aceitem ser tratados assim - formam uma espécie de submundo do jornalismo, vistos que são pelos colegas como algo "inferiores", salvo algumas exceções.Aliás, causa-me certo espanto que algumas mentes diferenciadas e interessantes gastem tanto neurônio dando explicações pseudo-lógicas, num jogo que fascina por ser  cheio de coisas absurdas e imprevistas.Não é à toa que Camus gostava dele...Embora não tenha perdido muito tempo, no tempo curto de sua vida, escrevendo sobre ele.Ainda bem, senão o grande escritor francês me daria bode como o que sinto ao ouvir tanta pasmaceira sobre futebol e política.Ah, e o tal CARISMAAAA!Aliás, todo mundo fala nisso mas ninguém sabe dizer bem o que é.Raciocínio místico metafísico.Religioso , talvez?Todos vivemos por meio de mitologias., como bem descobriu Barthes.Estou de saco cheio de tanta profecia.Aqui na terrinha. parece que todo mundo sofre  de síndrome de Antônio Conselheiro.
     Agora a maioria dos sábios comentaristas deve estar com cara de "tacho", porque não vi um falando que o Palmeiras poderia ser campeão dessa copa do brasil.Um pouco de lógica(ora, vejam só!), aplicada à análise dos times e da conjuntura desse medíocre futebol que se pratica por aqui, indicava que qualquer um dos semi-finalistas poderia ser campeão.Acho que vou virar comentarista esportivo.O problema é que futebol não é uma coisa séria, apenas um jogo, sério mesmo para quem ganha dinheiro com ele.Infelizmente,  saber ganhar grana não está entre meus parcos dotes intelectuais.Mas política não, mexe com todo mundo, com a vida de cada um de nós.Mas perderemos sempre mais tempo discutindo os meandros filosóficos e estéticos(?) dos substitutivos de instintos guerreiros que são os esportes, em geral do que olhando nossos umbigos sujos.E teremos que aguentar políticos em cargos sérios falando como o mais indigente dos técnicos de futebol, ainda que haja agora os técnicos "sofistas", no estilo do Tite  ou Osvaldo de Oliveira, falando muito para dizer pouco, a antítese da síntese, com o perdão do trocadilho.Quanto aos sofistas da política, parece que o preponderante mesmo é o tecnicismo ou o apocalipsismo.    Aliás, será que alguém se tocou, em meio às barulheiras de comemorações alvinegras e alvi-verdes, que o BNDES liberou empréstimo de 400 milhas para o fundo gerenciado pela construtora que  está tocando o estádio do timão.Claro que para projetos culturais, pedagógicos e de saúde-assistencial, é mais difícil  tirar grana do órgão, não é mesmo?Essas coisas passam batidas e ficamos como uma bando de hienas nos refestelando com os "vai-corínthians!" e "pooooorco!" da vida.Tudo bem, meus amigões, vamos continuar pagando os impostos...Já imaginaram se houvesse jogo e final todo dia?

sábado, 7 de julho de 2012


     ARTE,SUCESSO,ILUSÃO....
Já faz tempo que dou aula de artes.Lembro-me com clareza de me defrontar, quase que diariamente, com alunos com pretensões nem um pouco pequenas.Por sinal, torna-se interessante esse cotidiano de contato frequente com tanta ambição, muito comum em artes plásticas.De certa forma tem a ver com a cultura educativa nessa área, como já de certa feita observou o  famoso crítico de arte Herbert Read.Curiosamente,  tal contexto de ambição  e sucesso fácil  é algo incompatível com a realidade econômica e o processo de circulação de mercadoria e capital dentro do que se chama de “sistema de artes”, um jogo com cartas marcadas e dependente de coisas que vão além do simples talento ou esforço individual.Muito do sucesso do capitalismo moderno depende de que a maioria não saiba realmente como ele funciona, incluindo aí todos os estratos sociais e culturais, artistas incluídos.Às vezes , em sala de aula, parece  que ninguém por ali está preocupado em se aperfeiçoar apenas em função do próprio aperfeiçoamento; sempre há um mirar distante, visando a glória e, por que não, a fortuna.Vivemos num mundo de exaltação da celebridade, ainda que essa dure poucos minutos.É difícil para um professor, no caso, instilar valores de ceticismo e realidade sem quebrar esse castelo de sonho, forjado em ambição de glória, fortuna ou sucesso.No fundo, nada disso tem a ver com a arte.Porque, em realidade, toda glória acaba sendo vã, o sucesso não traz necessariamente a felicidade e a tal da imortalidade, aparentemente, não pode ser fruída além de nossa dimensão de mortalidade.Como dizia a Tarsila, o importante é fazer as coisas com amor e dedicação, com o máximo de aplicação  e concentração de energias; o resto, sucesso e reconhecimento incluídos, não passa de acaso.Sempre como cartas enviadas sem expectativa de resposta.É tudo mais ou menos como felicidade amorosa – se é que ela realmente existe, ainda que eu não possa servir de referência – que não se expande ao infinito, reside em momentos de felicidade pelos influxos de vida que se manifestam na vida.O mesmo se dá na arte.
   Daí que é difícil  falar àquele jovenzinho ou jovenzinha que o mais importante, pelo menos em arte, é se esforçar, estudar, aperfeiçoar-se no sentido de crescer enquanto humano individual.Muito mais importante do que a glória ou sucesso, porque esses  serão sempre transitoriedades como a vida de qualquer um.Sempre o acaso envolve tudo, na corda bamba entre a vida e a morte, não se podendo ter certeza quanto a nada, inclusive sobre o resultado de nossos esforços.
     Podemos dizer que, se não nos trouxer felicidade, isso pelo menos nos fará um pouco menos infelizes.Por isso, queira-se ou não, talvez as dores dos grandes e dos pequenos artistas sejam as mesmas.E tanto um quanto outro, como me disse um querido e valoroso artista já morto, merecem respeito por isso: por fazerem o que gostam.Rodin também frisava esse papel do artista na sociedade.Afinal, todo esforço humano , animado pelo amor e norteado pela sabedoria e razão humanas, merece respeito.

terça-feira, 3 de julho de 2012

pensamentos de junho 2012


O amor é mesmo como um criminoso sem face e nós os policiais em constante encalce dessa figura ; dela dispomos  de algumas poucas digitais, insuficientes para uma boa identificação.Às vezes, meio que por acaso, topamos com ele em alguma esquina e conseguimos prendê-lo.Mas com o tempo relaxamos a segurança e, quando menos se espera, ele escapule das grades e, em alguns casos, até leva junto as chaves da cadeia.

Não é incomum que cometamos erros de avaliação, ainda mais quando fatores emotivos intercedem tolhendo os frios tentáculos da razão.Podemos, por exemplo, por puro comodismo ou acomodação, por não se querer correr risco, não romper certos laços do passado, esperando, quem sabe , que o tempo resolva a questão.O que pode ocorrer de fato, com o tempo simplesmente cortando os laços à revelia de nossa vontade, enquanto ficamos a ver navios por não termos arriscado a partir de  algo que vinha de nosso interior.Que fazer!Fossem as coisas ajustadas e talvez o mundo fosse até mais monótono mas com menos coisas  imprevisíveis.Amor, trabalho, destino, tudo está misturado num baralho de cartas cujos naipes foram escritos em língua alienígena, de outro mundo.Onde, talvez, todas as coisas enfim se resolvessem e nem ao menos haveria coisas como laços.Somos como uma vidente cigana ensandecida que, a cada momento, faz uma previsão que só faz as coisas mais imprevisíveis.

     Viver em civilização é conviver com a repressão.Principalmente de impulsos primitivos que não podemos explicar.Não há solução ideal para isso.A violência e crime não se explicam apenas pelas mazelas sociais e econômicas, ainda que elas tenham um papel de suma importância nisso tudo.Fosse apenas isso e muita coisa seria explicável de forma mais fácil.Por mim, já teria explodido muita coisa,  matado muita gente, sabe-se lá que coisas piores ainda.Tenho que enjaular os demônios  e usar o pouco de razão que me sobra para não fazer isso se quiser viver sem que o organismo social me marginalize.Domar o “lobo da estepe” que sobrevive dentro de cada um não é fácil , mas nem todas as formas de marginalidade são agressivas, ainda que o crime  possa ser uma forma marginal de esforço humano.Tudo é um pouco de jogo e “teatro”.Não compartilhar da maior parte do conjunto de valores e regras morais que regem a sociedade já é uma forma de marginalidade; a qual, por sinal, pode implicar em muita infelicidade econômica e afetiva.É um preço que se cobra, tanto quanto o tributo que Caronte exige para se atravessar o rio rumo à terra dos que não voltam.Sobreviver, em meio disso tudo, mantendo a integridade de caráter é algo de que podemos nos orgulhar.É uma escolha, porque tudo na vida é escolha banhada pelo céu do acaso.Sem que sintamos culpa ou coloquemos a culpa em divindades ou seres superiores, sem que sejamos covardes no geral porque, em algum momento, sempre cometemos alguma covardia.Afinal, até os deuses davam suas escorregadinhas...

A imaginação humana é algo sem limites.Tão poderosa é que precisa mesmo de certa dosagem: fosse todo muito muito imaginoso e a humanidade seria mesmo um caos.Imaginamos algo como buracos negros, sem termos um mínimo de dados empíricos, pura teoria especulativa, e depois acabamos por encontrá-los no universo.Como alguém imaginando uma relação sexual, sem nunca ter tido uma, sem ter a menor idéia da existência  ou não de uma coisa como sexualidade.Nossa imaginação é assim mesmo: como um potencial instintivo.

Respeitar a tradição não significa ser tradicionalista.Inclusive porque tudo se constrói a partir de uma ancestralidade.A bazófia, por exemplo, dos artistas futuristas que defendiam, no início do século passado,  a queima de museus, funcionava como forma de propaganda e impacto, nada mais a não ser uma consistência de projeção iconoclasta de momento.Em verdade, todos os grandes construíram a partir de tradições e conhecimentos transmitidos.O novo pelo novo não existe, porque todo novo tem alguma coisa de "velho" em si.O futuro não existe, é uma abstração com possibilidades múltiplas de realização, a partir de projeções vindas do presente e,consequentemente, do passado.O que existe é o presente, um esqueleto em movimento pelas vísceras do passado que, como todo tecido vivo também já é um pouco morto.Mas como é impossível se voltar no tempo(talvez, por enquanto...), como deixar de projetar o futuro sem a articulação passado-presente?Tudo o que fazemos hoje, em parte, já foi intencionado antes, desde o ancestral que resolveu pegar um pedaço de osso como instrumento(como arma, também!).Compramos muita coisa, matéria pura ou idéia, como sendo nova, mas não sendo nada mais que invólucro refeito de antiga "bala juquinha" com pose de novo sabor.É só pensar no que, por exemplo, o que fazem homens e mulheres  hoje já era feito, aparentemente de forma parecida, da mesma maneira nos tempos se Sansão e Dalila(Ai, meus cabelos!).Bach morreu há séculos mas parece, em termos de humanidade, que foi ontem.Conversar com um egípcio da época dos faraós seria o mesmo que levar um papo com algum evangélico, hoje em dia?Sabe lá...Mas isso não quer dizer, acredito eu, que a natureza humana seja imutável, como muito conservador fica apregoando por aí-aquele tipo rançoso  que acha que o mundo é uma roda girando em torno do próprio eixo, sem fim e sem sentido(bom, isso não tem mesmo!). Bobagem, porque a ciência nos indica que tudo vai mais de acordo com movimentos espiralados, até as galáxias- , gente que se aproveita de nossa tendência natural de lamuriar pelos cantos, vítimas que somos de nosso egocentrismo, o qual, por sinal, tem lá sua função para nossa auto-sobrevivência individual.Mesmo que a vida seja uma grande porcaria( uma possibilidade em si razoável), nada me garante que haja coisa melhor à disposição deste ou do outro lado do muro.Nem ao menos consigo enxergar esse muro, a não ser o do cemitério.Tentar esquecer, ignorar ou ocultar nosso passado é sempre uma forma sutil de matar nossa alma.Sempre seremos uma projeção, certa ou não, do que fomos, como uma sombra projetada infinitamente a partir da luz de um sol que nunca se põe na linha do horizonte.

 O grande poeta da pedra no meio do caminho, num iluminado poema ,dizia que  talvez o ódio fosse o que de melhor houvesse nele, autor.Este pensamento sempre me marcou fundo por haver, nesse tipo de ódio fruto da ânsia de amor, num mundo de profundo desamor, injustiça e absurdo,  uma necessidade de  afirmação da dignidade e da revolta humana.Grandes poetas são assim mesmo, nos ferem profundamente com a verdade.E vou seguindo, despreocupadamente sem culpa e , ao mesmo tempo, desesperado, acalentando esse meu ódio contra os espetáculos absurdos de políticos mentirosos e cretinos desafiando nossa inteligência, poderosos hipócritas e sanguinários, intelectuais desonestos com tudo e com todos,  contra a indiferença aviltante que nos animaliza, contra toda essa idiotia de rebanho cultivada para uma vida estúpida de muito consumo e pouco espírito, à espera de um Godot que certamente não chegará em drágeas, à espera do fim da História e do tempo. Menos mal que ainda haja coisas boas nessa vida.Como na canção, a gente vai levando...

As palavras são coisa mais séria do que imaginamos; têm poder mágico, capacidade de mobilizar num outro coisas que nunca imaginaríamos.Mesmo a imagem impactante ganha mais força pelas palavras; a música, por não poder ser descrita perfeitamente por palavras, pode até criar angústia ou desespero por não poder ser expressa por esses símbolos.O problema está em ligar as palavras com a realidade verdadeira, se é que essa existe, mais ou menos como o que ocorre com equações matemáticas em física e o fenômeno observado.Podemos até concluir que, assim como a matemática, as palavras nunca esgotarão ou encerrarão toda a verdade.Daí o mistério e a maravilha da poesia, única hora em que a palavra tem a mesma força expressiva que o som.Mas quando será realmente que as palavras são mesmo o que sentimos?