segunda-feira, 30 de setembro de 2013

pensamentos do falecido setembro

    Ah, a velhice, a velhice...Como se fala nela!Deveríamos falar, quem sabe, mais na morte, para que a contraposição dela, a vida, se mostrasse mais como é, não idealizada, porque a idealização é sempre a prova de que a vida só não nos basta. Pavor da velhice ou das dores da velhice? Tudo existe para que em algum momento seja extinto.O sonho de eternidade é uma abstração humana, a criação de um sujeito imaginário que rompe os padrões da existência.Dentro de nós, o potencial da criação e da extinção.O sonho de que a ciência nos poupe das dores da degradação física; porque das morais e psicológicas, parece que o negócio vai demorar um pouco mais...
     Que me desculpem os marxistas, mas a história não se desenvolve em função da luta de classes, entre burguesia e proletariado; que me perdoem os freudianos, tampouco creio que a mesma gire em torno da luta entre eros e tanatos.Acho que as coisas decorrem mesmo em termos da luta entre gerencialistas e utopistas.Os primeiros adestram-se na arte de administrar as coisas, mudando-as aos poucos para que tudo fique como está, quando muito  um pouco melhor.Os segundos esmeram-se na luta para que, pelo menos na imaginação e vontade, tudo deixe de ser como está.Um embate, diria eu, entre catabolismo e anabolismo, para nos valermos de jargão biológico.Acho que tenho mais a ver com os segundos, caso contrário teria seguido a carreira de engenharia, cujos estudos larguei no terceiro ano.E talvez acredite mesmo que a utopia só se resolve na imaginação, já que esse mundo não nos dá muito pedal para irmos além da modorrice nossa de cada dia.Daí que a liberdade real está em fugir dos grilhões que, cotidianamente e pela servidão voluntária, são polidos pelas convenções e pelo senso comum.Mas nem com isso estaremos garantindo nossa felicidade.

A forma mais impactante de anarquia se dá através dos costumes e hábitos sociais.Porque através do comportamento cultural que foge às regras dominantes, assumido de forma consciente, não somos vítimas dos instintos destrutivos descontrolados, os quais são facilmente absorvidos ou   reprimidos pelos sistemas econômicos vigentes.Por isso, não adianta: como método político, o anarquismo sempre será um fracasso.Contudo, a arte, sem anarquia, alguma que seja, não produz nada de novo.O verdadeiro território, o habitat cultural perfeito para o anarquismo é o espírito e a imaginação.Senão o anarquismo cai na vala comum do materialismo vulgar, tão cultivado por essa civilização hipócrita.Deixemos estas coisas para os cultuadores da matéria vil e das coisas sem espírito.

A mocidade é como um grande porre, uma febre que atinge a racionalidade estrita.O problema é que nunca se leva em conta a possível ressaca, daí tanta bílis e cara azeda em muita gente mais velha.Mas querer tomar muito porre quando o fígado já foi para o espaço, aí já é falta de senso.Bom senso?Não sei bem se é o caso, nem se as pessoas ditas razoáveis algum dia se deliciaram com os prazeres etílicos da juventude, simbolicamente falando.Daí surgem a inveja e o ressentimento.Sim, porque muita gente passa pela vida de maneira tal que a morte física não passa de uma formalidade jurídico-médica.Vida não se mede por quantidade e sim por intensidade.Daí poder ser gloriosa curta ou longa.E não podemos esquecer que muita coisa boa é como névoa, que assusta por encobrir, entusiasma ao descobrir, mas se desfaz com facilidade.E muitas pessoas são como a névoa, inapreensíveis.

O maior luxo a que nos podemos dar, quando ficamos mais velhos, é falar um pouco mais claramente sobre o que se está pensando.Menos coisas a se perder.Um pouco mais de franqueza e desprendimento, no frigir dos ovos.Algo perigoso e socialmente passível de marginalização.Cansado de ser hipócrita comigo mesmo.Doloroso.Por outro lado, acho que, nas conversas que entabulo por aí, minha visão crítica sobre a obsolescência do casamento convencional como instituição, inclusive do ponto de vista psicológico, está restringindo bastante minha vida afetiva, ah,ah,ah.Mas que fazer, se as pessoas tendem sempre a manter um pé- ou alguns outros membros do corpo- sempre no passado.

O narcisismo é como um espelho que carregamos dentro do bolso, para nos lembrarmos que temos uma imagem.Por outro lado, o senso crítico são os óculos que carregamos  e que, desatualizados,  podem deformar essa imagem, aparecendo então  a imaginação forjando uma imagem de acordo com nossa vontade ou circunstância.Somos sempre um conjunto de circunstâncias em atuação.Podemos sacar do bolso esse espelho, a qualquer momento, mirando-nos nele enquanto falamos ou nos expomos.O que ocorreria se, ao contrário, voltássemos a face espelhada para nossos interlocutores? Veriam eles que imagem nossa espelhada?E se o espelho estiver envelhecido, com manchas, sombras e espectros mal refletidos?A luz segue as leis da ótica, mas a luz das sensações humanas seguem leis ainda desconhecidas.Em um mundo, evidentemente, cheio de espelhos partidos.
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Quem vive sem loucura não imagina o quão louco já está.A maior parte da loucura está escondida pela ignorância dela por parte dos que nunca se julgariam loucos.Maior loucura é não aceitar a própria.O seu reconhecimento revela consciência; consciência de que somos dominados por coisas inconscientes.


Podemos pensar sempre com moderação, pela moderação.Mas precisamos moderar a moderação, por assim dizer, já que ela pode funcionar não apenas para conter o ímpeto de ambição dos gananciosos como também para nos condicionar à mediocridade.Moderação demais dá uma boa rima com tédio. Está aí uma virtude sobre a qual sempre levanto dúvidas.Como sempre, também, as levanto sobre os homens "virtuosos". Por isso gosto de ponderar sobre o moderar.Ainda que esteja totalmente equivocado.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A demonização da internet

     Para mim, quem julga que as pessoas se comunicam pior hoje do que no passado, em função da tecnologia, está precisando rever seus conceitos sobre natureza humana.Longe de mim, óbvio, escarafunchar este assunto delicado, entrar nos meandros sócio-psicológicos desta seara para lá de nova e pouco estudada.Deixo o trabalho para os especialistas de plantão, neste mundo de especialistas e discursos "competentes".Como sou, eu mesmo, incompetente para me julgar, como julgar os outros? Claro, tecnologia, internet, gente o tempo todo acionando i-pods e celulares, tudo isto está espalhado por aí.Para mim, temperamento pré-histórico criado pela visão analógica das coisas, vítima de um empirismo especulativo um tanto ultrapassado e corrompido por neuroses de nostalgia, o comportamento bestializado de todo mundo, o tempo inteiro, de entrar na rede, de estar ligado o tempo inteiro, isto me causa estranheza.Mas não me causa espanto.Talvez nem mesmo sentisse isso se, numa máquina do tempo, alguém me levasse para ver alguns jogos e passatempos no Coliseu.Não diziam: em Roma , aja como um romano?
    Eu mesmo participo de redes, não padeço de ¨ internetfobia ¨, acho isto muito útil, ainda que sempre insuficiente. Tudo na vida é insuficiente e frustrante, porque não?Mas, como sou do tipo ritualístico para quase tudo(quem não é?Alguns mais que outros), tenho hora para usar iternet, como tenho hora para comer , ler, desenhar, escrever ou pintar.Infelizmente, com tempo vago para sexo não utilizado; não que seja tempo desperdiçado, por ser usado para meditação, no caso.Prerrogativa de amadurecimento.Ou de  decaimento?Sei lá...
    Hoje temos esta tecnologia , a qual, no decorrer do tempo, será considerada tão obsoleta quanto sinal de fumaça.O qual ainda funciona, principalmente em brigas de casal, bastando olhar por cima das cabeças para perceber.Biologicamente somos como nossos ancestrais primitivos, usando um pouco mais de sinapses, mas tanta falta de bom senso médio quanto eles.
    A moda agora, em certas mentalidades intelectualizadas, é descer o cacete na tecnologia de comunicação usada atualmente, falando que isso afasta as pessoas.Bem, quando a coisa mais rápida que eu tinha, quando mais jovem, era telefone de ligação ruim ou telegrama, também não me comunicava bem com todo mundo.Exceto, quem sabe, durante os movimentos políticos, os quais envolviam certo clima de festa ou ritual envolvido.Não acho que o mundo era mais "fraternal" por causa disso.As relações eram tão mentirosas quanto as de hoje, os narcisismos e egoísmos os mesmos, o amor tão problemático quanto sempre o foi para todo mundo.Caso contrário, toda a poesia e arte de séculos passados nada nos diria, não é mesmo?Na era da tração à roda e da vela de chama, as pessoas sentiam as mesmas coisas que nós.Não é fascinante?Por isso acho que a melhor forma de comunicação humana, emocionalmente falando, é a arte; ainda que a mais intensa seja o sexo; mas este se desfaz como névoa em meio aos instintos satisfeitos bafejando a precariedade da condição humana.Tudo acaba, tudo passa, o tempo não perdoa.Nem tem que perdoar já que ele mesmo foi desmoralizado depois de Einstein.
       Por trás de tudo sempre tem interesse de poder, político ou econômico.O romantismo vulgar e comercializado nada tem de romântico; o verdadeiro romantismo é masoquista.O emocionalismo fácil vira fácil mercadoria.O sistema manipula bem nossos instintos e frustrações.O meio é mensagem, já antecipava MacLuhan.Que, por sinal, tinha um certo sentimento pessimista com relação a possibilidades idiotizantes da cultura de massa.E daí? A humanidade, em sua maior parte, sempre foi idiota, todo mundo querendo fazer parte de algum rebanho da moda(tanto faz que seja num deserto , no passado, ou num estádio moderno), a maioria das pessoas chatas, mentes criativas e generosas sempre uma exceção.Agora, apenas a idiotia é mais evidente, mais rápida de chegar ao nosso conhecimento.E a culpa não é da tecnologia, a qual apenas nos serve e pode nos auxiliar, facilitando a vida e impedindo que a gente morra por causa de bobagens ou gripes.Nem por isso seremos mais felizes, como acredito que os egípcios antigos não eram mais felizes  do que nós ao gastarem toda a energia e tempo do mundo para fazer uma inutilidade(por sina, bonita!) gigantesca como uma pirâmide.Quem diz que felicidade faz parte do projeto da natureza para com o ser humano.Se é que a natureza se importa com esse ser humano...
     Que a internet é uma ilusão em termos de relacionamento humano, não tenho dúvida disso.Como todas as relações humanas, ontem, hoje e sempre são ilusórias, já que a parte mais profunda das pessoas raramente aparece, exceto, em média, nos aspectos negativos.Que fazer, faz parte do que somos...
    Como não me iludo com mais nada ou ninguém, não vou ficar iludido com internet, a qual me ajuda muito culturalmente, principalmente em termos de informação inútil.Mas, afinal, o que é útil?Acabo virando um especialista em generalidades, um sonho acalentado desde os tempos em que ganhei minha primeira enciclopédia Barsa, a qual tenho até hoje e folheio com carinho.
    No fundo, qualquer forma de comunicação é melhor do que nenhuma.As formas antigas podem conviver com as novas, não vejo problema nisso.Estou até pensando em brincar com minha máquina de escrever antiga.Isso vale para tudo, desde arte até sexo; porque não?O que não funciona mais são os cânones em desuso ou paradigmas sem sentido.De resto, o mundo é uma grande anarquia ensandecida ,organizada tecnologicamente de acordo com interesses comerciais.Aparentemente, as utopias revolucionárias foram para o vinagre.
     E no meio desse vendaval de circunstâncias vamos levando a vida, de preferência sem anjos ou demônios, mais de acordo com nossa consciência e vontade.Internet não é demônio, nem uma maravilha angelical que nos indicará as portas do paraíso.Esse nós já o perdemos a partir do momento em que nascemos.Culpa do Adão.Ou seria da Eva?Não, não vou me arriscar em polêmicas com feministas(as mais antigas, claro!), já não tenho idade para essas pendengas.
    O essencial em qualquer meio, seja sinal de fumaça ou de satélite, é o que há de profundidade humana, emotiva, embutido dentro do uso desse meio.Coisa que sempre foi pouco usada, em pedra lascada, pergaminho ou carta.Mais comum em bons livros, boa arte e boas relações humanas.Contra a banalidade da vida comum(a vida não é banal e sim trágica!), qualquer coisa serve.E a tecnologia está aí para nos servir.Mas nós sabemos nos servir de nós mesmo?Esta é a questão.Por favor, agora toquem aquela obra de Charles Ives...

terça-feira, 10 de setembro de 2013

to be or not to be ...a dog

Ah, a velha questão dos instintos!São como os elétrons e outras partículas que não vemos mas sentimos seus efeitos.Caso contrário, nem haveria luz ou estas palavras escritas aqui.Mas ainda hoje não sabemos lidar muito bem com eles, nem sabemos se, algum dia, saberemos.Depois da segunda guerra e de Freud, como ignorar que o grosso das pessoas é como a grande massa do iceberg que não vemos sob a superfície do mar? Vejo os animais tranquilos em sua existência natural e, naturalmente, me vejo tranquilo ao vê-los, intranquilo ao me ver.Estranho, não?Mas não posso ter o desprendimento de um cão.Será?Todavia, com frequência me flagro agindo de forma canina, apenas sem abanar a cauda  apenas porque não a tenho, não mostrando os dentes afiados,  porém usando adjetivos  tão cortantes quanto.
     Ser ou não ser um cão, soltar o cão residente dentro daquilo que dentro de nós não enxergamos.A tecnologia compreende, assimila, transforma e utiliza os instintos.Todos nós somos condicionados a aceitar a casinha que nos dão, a nos satisfazer com o osso adequado para que o possamos roer sem fazer muito barulho ou sujeira.Senão é pau!E não podemos passear no parque e cheirar postes ou traseiros de outros cães ou cadelas.Oh, mundo cruel!Então, para compensar vamos às compras, escrevemos, viajamos, pintamos e bordamos, bebemos e o diabo a quatro, incluindo nisso nossas obrigações hormonais.
     Numa conversa com amigos num bar, em dado momento falo que, no fundo, no fundo mesmo, como seres biológicos nascemos para duas coisas: sobreviver e procriar.Eles me olharam de forma meio estranho, não concordando, um dizendo que com isso eu estava reduzindo a vida humana à condição de um cachorro.Mais tarde, refleti e conclui que tem muito cachorro que leva vida mais humana que muita gente.Poderia acrescentar que aquele meu pensamento poderia ser acrescido de que somos mais perigosos que a maioria dos animais, incluídos os cachorros.A natureza não está aí para nos servir, ela existe independente de nós.O universo sem o homem seria ainda universo?Sim e não, pois não haveria o homem para refletir sobre o universo, ainda que ele existisse sem o homem, podendo mesmo existir sem mesmo ser universo, sendo nada, a partir do que tudo se fez.Isto, tanto faz se foi criado por Deus ou Big-bang, dá na mesma.Esses meus amigos que não concordaram comigo são pessoas educadas, inteligente e racionais. Talvez por isso conversávamos sobre aquilo, assunto que, imagino, pouco interessaria aos cães, já que pouco envolvia coisas de olfato.Mas não poria uma unha minha no fogo arriscada sobre essa mesma racionalidade deles, amigos de bar daquele momento, porque não sei o que se passa no fundo inconsciente deles. E um momento de bar é um instante insignificante de vida de uma pessoa, salvo se a mesma for dona do bar ou alcoólatra.Nem poria uma unha minha no fogo por minha racionalidade, em função das sombras dessa minha parte que é sobrevivência e procriação na forma de instinto puro,, ainda que essa parte seja razoavelmente controlada, adestrada, domesticada e.... imprevisível.E eu razoavelmente infeliz por causa disso tudo.Mas não adianta; talvez eu acredite mais na existência do inconsciente do que esses meus amigos.Mas esqueci de lhes sugerir uma estadia em ilha isolada, ao estilo Robinson Crusoé; ou uma passagem paradisíaca nas hostes de uma guarnição de exército, para se ver o quanto de bicho está escondido(será?!) dentro da gente. Para verem que tudo é sobrevivência e procriação. Talvez os cachorros concordassem com nós.Claro, há a vontade humana; e entre essa e aquela sobrevivência e procriação, a poesia.O homem é um violador da lei da entropia.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

variações sobre tema(estudos de um rosto)





À desejada anônima

Como estou irritado ou desanimado, um tanto preenchido por um oco de ser um avesso de um outro ser que sou, procuro ao redor alguma coisa.Tivesse eu alguma motivação externa e me dirigiria como tábula rasa de salvação.Mas só nos salvamos quando nos encontramos.
    Certamente, tudo que não for sentimento é morte e, quando não estamos amando alguma coisa ou alguém, só podemos esperar pelo entorno da morte a nos envolver.
    Poderia sonhar com a felicidade, palavras caindo suavemente sobre meu colo como pétalas de flores numa tarde de primavera, poderia imaginar-te bela e livre, nua ou vestida, em terra ou flutuando no espaço, meus pensamentos a ti voltados, minhas mãos ansiosas por te tocar.Mas como em verdade não existes, quedo-me no silêncio da frustração, a imagem de todos os desejos e ânsias por ti velados e debruados em desesperança.Não existes, eu te querendo como uma projeção de futuro, além do cotidiano de margens escuras que me cercam, a velha senhoria da morada eterna me acenando um refúgio de paz.Tu não és nem uma , nem muitas,  nem todas, tu não passas da praia deserta que jamais alcançarei, naufragado que serei na busca incessante de teus olhos, teu sorriso, a  languidez de tua carne estendida do nascente ao poente de minha epiderme vertida em sangue,Redentora da minha alma esvaída em si mesma, na trânsfuga hesitação entre o silêncio e a sombra em que nos construímos, por instantes, quem sabe anos, milênios, te sonhei como algo além das desinências dos anjos, víscera demoníaca que me envolveu em calor de sonho.Sonhei-te como algo a me arrancar do que sou, para em mim mesmo retornar ao todo em que sou e me roubo de mim mesmo, narcisismo aceso de tolice masculina, a esperança solícita que a vaidade pruriginosa do dia a dia desconstrói em meio à razão.
   Mas te escapas por entre minhas mãos, escaparás sempre em teu destino de minha não seres porque o que foi jamais será aquele poderia ter sido apesar de não ter-te tido, a me fazer explodir em mim mesmo.E, ainda que tombe a sombra e, não em ruído mas em silêncio se faça essa aurora inexistente, para sempre, na eterna lembrança de uma frustração, serás o látego inapreensível a me lembrar, até o último silêncio, da verdade escondida que eras e perdi sem mesmo a ter.
    Assina, então, anonimamente teu nome, _____________, tanto faz que te conheça ou não.A simples satisfação de um triunfo, o triunfo de por mero acaso e  tempo roubar um homem ao seu próprio torpor.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Inspiração ou transpiração?

Não acredito muito em inspiração, mas sim em momentos inspirados.A criação, qualquer que seja, exige muita transpiração.Perde-se grande parcela de vida para se criar este corretor da insuficiência da própria vida que é a arte.Todo grande criador dispende energia enorme no que faz, se sua obra resulta em algo significativo.Apenas pode gastá-la de forma maior ou menor, de acordo com o intervalo de tempo em que produz a obra.E, claro, quantidade não resulta automaticamente em qualidade.O processo de feitura da obra não deixa de ser algo estranho, meio louco, por vezes anti-social.Todo artista é meio anti-social; mesmo os do passado mais antigo, mais artesãos na sua forma de viver, já que viviam comunitariamente de maneira diferente do resto da população.E este assunto nos remete à relação entre o que chamamos de "loucura" e a criação.Normalmente, usa-se muito a figura de Van Gogh, sua loucura(até hoje não muito bem decifrada, nem sei se a será) e sua extraordinária obra.Mas loucura, loucos e estranhezas, essas coisas não nos faltam na história da arte.
   O holandês foi da primeira geração de pintores que começou a usar tinta em tubos, caríssimas na época.Isso dispensava a necessidade de um auxiliar para a feitura de tintas, coisa imprescindível no passado.Mas , como novidade tecnológica que era, isso apresentava alguns problemas de qualidade, no que resultou que muitas de suas pinturas perderam força de "saturação" com o tempo, principalmente os vermelhos.O uso de tubo, por outro lado, propiciava novas possibilidades técnicas de aplicação da tinta na tela.Mas toda técnica exige aprendizado e método do artista, seja ele maluco ou não.O artista é um grande laborador, alguém que pode usar laboratórios experimentais de técnicas ou materiais, mesmo que sejam imaginários.
     Interessante este assunto.Mas não é necessário fazer-se uma grande e complexa pesquisa para se concluir que Van Gogh era metódico e aplicado no que fazia.Qualquer pessoa que se dedica ao desenho ou a pintura vê isso , na maneira como o conjunto de sua obra é elaborado.Exemplo: poderíamos perder um tempão discutindo a relação entre os exaustivos desenhos que ele fazia com técnica de caneta de bambu e a aplicação disso numa técnica que ele desenvolveu de pincelada , misturando um pouco do que usou de sua fase meio pontilhista.Todo artista que produz algo de valor sempre é metódico e aplicado; apenas cada um desenvolve seu próprio método, por vezes um tanto louco ou "anárquico", com lógica própria, baseando-se em outros, de acordo com suas características psicológicas e subjetivas, de acordo com os problemas técnicos que surgem. Numa carta, Van Gogh diz: " não deixar passar um dia sem fazer uma linha...".E é claro que ele era maníaco; ninguém produz nada de valor se não for maníaco por isso.Picasso dizia achar que todas as pessoas tinham a mesma quantidade de energia; só que no caso dele, toda ela era direcionada à pintura.Dizia de si mesmo que era um maníaco: por pintura.Van Gogh não era um gênio por ser "louco", mas apesar de ser "louco", ainda que loucura seja algo subjetivo em termos de análise.Antes de mais nada , antes de ser "louco" ou "explosivo", era uma pessoa de extraordinária sensibilidade e dotado de  um profundo amor pela pintura, um estudioso da pintura, um rato de museu, um amante das tradições e dos mestres.Dizia, usando  uma frase de Millet, um pintor cuja obra ele idolatrava, que "temos que ter a paciência de um boi".Muita, muita "transpiração", concentrada num curto espaço de mais ou menos dez anos de produção intensa.Como dizia Pessoa:"Deus quer, o homem sonha, nasce a obra".Gente maluca que se dedica às artes, tenho-as conhecido aos montes ao longo da vida; mas com real talento e disciplina, poucos, confesso. O mito romântico do artista possuído por forças estranha que o fazem criar é algo proveniente do século dezenove, mas ainda muito forte, hoje em dia, no imaginário popular.A maior parte do que se faz se perde, vira poeira no tempo , como dizia Drummond(aliás, achava ele próprio que sua obra não duraria, vejam só).Mas, o próprio Picasso dizia que o importante não é a obra, mas sim o homem que está por trás dela.Por outro lado, os artistas mais modernos se preocupavam menos com a conservação futura da obra, agiam mais no "atacado" que no "varejo"; daí que vão dar muito trabalho aos restauradores no futuro.E grande parte dessa gigantesca produção moderna, pelo menos em suas obras originais, será perdida definitivamente.Afinal, tudo se perde, nada é eterno.Como um grande organismo, o universo pulsa e transpira coisas que se vêem ou não, mas são frutos de inspirações silenciosas que nunca serão decifradas.

domingo, 1 de setembro de 2013

As pessoas são transparentes

     Confesso que, ultimamente, ando me esforçando para ver as pessoas como transparentes, como uma espécie de entidade indefinível que não pode me ferir, nem mesmo me tocar.Seria parecido com uma situação em que o meu eu se desfaz por meio de uma vontade imaginária que, ainda que não me coloque no centro do mundo,  faz-me infenso aos efeitos psicológicos causados pelas interferências interpessoais do dia a dia.Que fazer se vejo as pessoas como algo transparente? E porque eu também não seria visto como algo transparente por elas.Sábio era o poeta que li e dizia ser a dependência dos outros  uma servidão, a necessidade do outro a mais degradante situação de escravismo.Somos humanos por esta servidão, desumanos por não aceitá-la.Pode ser, quem sabe uma paradoxo na existência.
   Em verdade, penso lá eu com meus botões, talvez as pessoas sejam mesmo transparentes, como o ar, que não tocamos mas sempre nos envolve, sempre dele respirando a continuidade de nossa existência.Sim, as pessoas são transparentes; não porque vemos a essência delas, mas porque vemos através delas: coisas , paisagens, eventos, situações ridículas, traições e torpezas, mentiras e confissões,  tudo revelado pela ausência aparente do material. No final, todos os efeitos que vemos, todos os resultados aparentes produzidos por nossos sentidos podem nos iludir: a mesma transparência do ar aos nossos olhos, não evita ela que vejamos o azul do céu, a névoa, os efeitos da poluição pela dispersão da luz através da “transparência” de micropartículas que não vemos.Assim como há a refração da luz, assim também há a refração dos sentimentos pela ação dos outros; um desvio de trajetória de sentimentos pela mudança de “meio”. Um teatro absurdo de sombras, assim é a vida, um espetáculo criado por transparências projetadas pela essência interior dos outros que não poderíamos nunca ver, apenas pressentir.
     O ar que nos cinge e não o vemos, o ar que tem gases e matéria sutil e que não vemos, o ar que existe, podemos até fingir que não, mas não o tocamos, escapa-se-nos por entre as mãos, mais fluido que qualquer líquido desejoso que circula na transparência corpórea que também somos.Quero ver a concretude das pessoas mas apenas vejo sua transparência. Existem elas mesmo, ou não passam de espectros meio translúcidos que insisto em tocar mas não  os toco em essência?Como o ar , sempre nos escapando, uma constante ausência oca de silêncio, como os estranhos ruídos que surgem na fricção da transparência aérea do vento com as folhas.As pessoas existem, o ar existe, o mundo existe e resiste, em meio à confusão de meus sentidos e seu constante dom de iludir.
    Por trás dos mecanismos estranhos das leis físicas, na transparência do ar, a mesma epígrafe da transparência humana , a mesma que nos conduz à incomunicabilidade com todas as coisas e seres, apesar de nossa ânsia de sermos mais do que somos, a aparência de um contato pela capacidade humana de abstrair , a distração constante de tudo que habita no nosso interior e sempre fingimos não ouvir.
     O silêncio é uma grande transparência de vazio, as pessoas são como sussurros que teimamos em captar em meio ao ruído furioso do cosmo, sons sem substância onde, talvez, os gemidos de dor ou prazer sejam as coisas mais expressivas.No leito, no hospital ou na cova, a realidade última de tudo?Sei que a vida é insuficiente, o que fazer?Então vou amenizar os efeitos ruins, fingir que as pessoas são transparentes.

    Sim, as pessoas são transparentes; posso andar no meio delas como se não existissem, fingir ser um fantasma e ninguém me notará, amigo invisível de mim mesmo. Por sinal, quem me nota,  realmente, além da transparência que sou? E, mesmo que o acaso me roubasse dessa vida de transparências baças, ainda assim continuaria , de forma transparente, a criar uma ilusão de que passeei  numa vida de coisas concretas, de pessoas concretas, fatos, emoções concretas, aos olhos que nos enganam ou nos entorpecem a alma de beleza, enquanto na transparência da vontade se projeta o sonho do futuro, sempre de transparente incerteza.Na transparência do vácuo que envolve todos os planetas.A partir de hoje, as pessoas serão transparentes.Assim fez-se a luz, na imagem de mim mesmo que se transformou em Deus.Transparentemente,  algo ausente, como sempre.