segunda-feira, 28 de julho de 2014

"querer é poder", superstição do homem moderno

"O lema "querer é poder" é a superstição do homem moderno.Para sustentar essa crença, no entanto, o homem contemporâneo paga o preço de uma incrível falta de introspecção" (C.G.Jung)

  O preço realmente é alto: o distanciamento entre o nosso consciente e o inconsciente.Embora haja muitas vozes que afirmam descrer do inconsciente.O que, para mim, é prova de uma inconsciente loucura.Desde as descobertas de Freud, somos obrigados a aceitar os deuses e demônios em nossos interiores.Querendo ou não, somos vítimas de forças que agem à revelia de nossa vontade, seja pela manipulação social e econômica, por meio dos aparelhos de poder, seja por meio de forças interiores de nossa mente que desconhecemos.A ideia de que, apenas pela força de vontade do pensamento, podemos vencer qualquer coisa quando, em verdade, nossa consciência de vontade abre passagens e descreve orientações em meio ao caos e às improbabilidades da vida, não passa de uma visão mística disfarçada; disfarçada, inclusive, por recursos aparentemente retirados à racionalidade, através da ideologia pós-moderna(mas antiga) da auto-ajuda simplificada.Mas nada nessa vida é simples e tudo é cheio de incerteza.Vivemos presos a um conjunto infinito de sensações e percepções da realidade que nos dão pistas do que é verdadeiramente essa realidade.No tocante às pessoas, nos relacionamos por meio de "emanações" dessas pessoas, máscaras(personas, termo junguiano) que revelam apenas a superfície; anos de convivência e, subitamente, percebemos que o amigo, conhecido, amante ou colega não passa de um estranho.Talvez estranho para ele mesmo.A falta de introspecção é sedimentada pela superficialidade das relações pessoais.Inclusive as sexuais que, em sua maioria e embora sendo ainda a forma mais próxima de nossa natureza primitiva, acabam por ser banalizadas ou  transformadas em  convencionalidades, perdem a possibilidade de ampliação de nossa consciência sensitiva.
     O amor e a morte continuam a ser mistérios; logo, continuam sendo fonte constante de vagas apreensões.Na falta de amor, o impulso de morte parece tomar conta de tudo, tanto do individual quanto do coletivo.Infelizmente, não consigo participar da ideia-generosa, por sinal!- de amar a todos , indiscriminadamente, por achar que nem todos são merecedores do meu amor.Que fazer, não consigo tal coisa.Mas, por vezes, conseguimos entrar num estágio de sentimento oceânico de fraternidade, o que nos faz inibir as potencialidades destrutivas- e essas são muitas, muitas!- contra os outros.Quem já não teve vontade de explodir o mundo?
    Porém, causa-me dor no coração ver tanta força de vontade num esforço desfazer-se pela simples impossibilidade do objetivo do esforço se realizar.Todos somos como o Sísifo de Camus, empurrando a pedra que voltará a rolar montanha abaixo.Indefinidamente, até o silêncio total; no caso de Sísifo , por toda a eternidade.Assim é, assim foi.Talvez até tenha ocorrido o mesmo comigo; quem não tem, em algum momento, o questionamento se jogou ou não a vida fora?"Vida, minha vida, o que dela fiz eu?"
    Como no poema de Pessoa, o esforço é grande, a alma vasta e o homem pequeno demais para tudo isso.Poucas expectativas frustram menos.Mas risco de menos e falta de esperança também frustram.Vantagem de envelhecer e enxergar, em retrospecto, o que luziu e o que sempre ficou mergulhado na sombra.Entre a luz de nossa embaçada consciência e a escuridão das sombras inconscientes reclusas ao que em nossa alma profunda é difícil de se alcançar, resta sempre o esforço que, grande ou pequeno, sempre redunda em mistério.Afinal, por que vivemos e teimamos em viver.Porque buscamos o amor, apesar dele ser difícil de se realizar em vários campos de atividade humana, além da afetiva e sexual?Talvez porque a falta de amor seja uma espécie de doença.Mais fácil morrer, mais fácil não querer amar nada na vida.Inspirados pelo amor, guiados pela sabedoria, assim dizia Bertrand Russell, a fórmula do homem virtuoso.Mas não há como tentar isso sem encarar as luzes e sombras da alma humana.Um risco além de nossa vontade, além de todos os misticismos e xamanismos.Algo trágico mas nobre, ao mesmo tempo.Não adianta simplesmente querer para poder.É preciso desenvolver o poder de se querer.E saber que o universo é mais vasto que nosso umbigo, algo, realmente, bastante aflitivo.Deixemos as fórmulas prontas para os que querem manipular.Os que querem, em verdade, apenas o poder pelo poder.Para quê, isso não sei, nem ao menos me interessa saber.Penso, logo existo?Quero, logo sofro.Mas que fazer: todos nós somos uns teimosos, cada um à sua maneira.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Olhar além do próprio umbigo

“A humanidade transformou-se em uma grande família, tanto que não podemos garantir a nossa própria prosperidade se não garantirmos a prosperidade de todos. Se você quer ser feliz, precisa resignar-se a ver os outros também felizes.” (Bertrand Russell)
Confesso que viver conscientemente é viver atormentado.Não deixa isso de ser uma condição de nobreza para qualquer ser humano.E o mundo nos atormenta, o inferno são os outros, como dizia Sartre.Mas o mundo está aí, ele responsável por nós, nós por ele, pelo menos na teoria.Ainda que a palavra fraternidade seja quase que um palavrão, mesmo que saibamos ser impossível amar a todos, pelo simples fato de que nem todos são dignos de amor(daí se vê que eu não sou um cristão), isso não implica no fato de que temos de ignorar o mundo, o planeta, a vida global.Comunicação global, sem sentimento global, isso não tem sentido.No fundo é desumano, se definirmos em termos de humanismo.Se as famílias tradicionais se desfazem, se os modelos econômicos para isso contribuem, isso não implica que, no fundo, o mundo não seja uma grande família.Uma família que deveria haver sem chefe ou dono, sem o grilhão da repressão às custas do fardo da sobrevivência.Racionalizada, sem excessivo poder , qualquer que fosse, centralizado.Concentração de poder ou riqueza me parece violar as leis físicas da entropia.Mas isto é outra discussão, de outro foro, estágio.Minha preocupação maior tem a ver com a sobrevivência dessa humanidade.Eu que, frequentemente, vivo querendo que o mundo se exploda.E que todos se fodam.Para depois, consciência batucando na porta, me sentir culpado pelo egoísmo.Nessas horas, saudável é para o mundo esse complexo de culpa.Muita gente ingressou em religião cristã ou credo socialista por causa disso.Sim, mas o mundo, como dizia Russell, realmente é uma grande família.
Ou seja, não podemos viver como nossos ancestrais, como seres pertencentes a hordas primordiais(termo cunhado por Darwin), prisioneiros de ficções manipuladoras como nacionalismos, fundamentalismos de toda monta(religiosos ou políticos), leis inexoráveis(a única coisa inexorável, aparentemente, é a morte), preconceitos étnicos ou raciais.Séculos e séculos sangrentos, revoluções, guerras, altas mortandades e não aprendemos.O mundo como uma frágil redoma e parece que achamos que o vidro é inquebrável.Vivemos sempre para adiar a morte, a nossa, a da humanidade, de suas idéias e conquistas.Mais fácil jogar tudo no lixo e usar a desrazão, não é mesmo?Somos infelizes porque não aceitamos a felicidade dos outros, somos ambiciosos por termos inveja do que os outros têm, quando, em verdade, todos temos uma coisa em comum: todos vamos morrer.
Esquecemos que nunca seremos ou poderemos nos considerar seres livres enquanto houver alguém sendo oprimido em algum lugar do mundo.Este mundo é um grande organismo, multi-celular, onde as pessoas, os povos, nações e grupos são as várias espécies de células.Não custa pouco a um tecido celular se degradar.Nossa luta é pela vida, pois morrer é mais fácil.Encarar a morte é que é difícil,Contra as forças naturais de degradação, apenas o cultivar do amor , contra o impulso do ódio, pode fazer com que se continue a existência.E para isso, a razão tem que funcionar como o elemento principal,Senão o caos toma conta.A luta contra o caos: essa é a jornada humana nessa era de titãs ainda não debelada.Não a luta entre o bem e o mal; isso diz pouco, ninguém sabe bem estabelecer o bem que é mau, o mau que é bem.Mas sim a luta entre as forças construtivas do amor contra as destrutivas do ódio.E cultores do ódio, ah, isso não falta no mercado.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Face do amor(poema)

FACE DO AMOR
Da estranha flor incriada
lustro vegetal da alma posta ao relento
sobra dessa fonte de carne
o desejo de estrelas fenecentes
ao reino do macho e fêmea
Epígrafes de carne,
breve suspensão de matéria evanescente,
os que se tocam e se estranham
vago vaticínio do eterno desconhecer.Quem se conhece?
Não roubam luz de estrelas,
 apenas
luzem em sua escuridão de mistério
no interminável templo do desejo,
enquanto esperam,

a aurora sempre é um poente a se refazer,

que na ilusão do instante surja um éter
fragrância de eternidade inalcançável.

E no sonho do amor , a sobra do amor ao amor
na carne abjeta e florida, o húmus de sangue
banhando a epiderme ferida, a dor, a distância
a matéria desfeita pelo gozo,
 a secreção universal dos astros à terra escorrendo.
Para no silêncio do silêncio que se foi

a dimensão não achada porém imaginada.