quinta-feira, 2 de maio de 2013

Ciclista, o novo demônio?

Parece que a natureza humana inclui uma dose sempre misteriosa de egoísmo espacial, territorial.
    De uns tempos para cá tenho visto muitos motoristas e mesmo pedestres profundamente irritados com o comportamento de ciclistas.Fato é que os ciclistas, em seu comportamento médio, acabam por reproduzir certas formas e procedimentos do resto da população.Tanto motoristas quanto pedestres não costumam agir com critérios de segurança.O mesmo ocorre com ciclistas.
     Ando de bicicleta há mais de duas décadas, muito antes da moda atual.Atropelado , eu o  fui duas vezes, por imprudência de motoristas em conversões erradas, resultando, numa das ocasiões, numa fissura óssea.Tive sorte, os deuses velaram por mim.Escapei muitas vezes de barbeiragens de outros, sempre andei nas pontas dos dedos, ou melhor, nas pontas do guidão.Hoje há muito mais gente de bicicleta, muitas incrementadas,caras  e mais leves; eu , sempre usando bicicletas básicas, cansei e ainda canso de ver  outras bicicletas passando em alta velocidade pela minha.Vejo muitos ciclistas cometendo barbeiragens e imprudências, não mais do que observo absurdos no trânsito cometidas pelos motoristas.Mas as pessoas têm que se acostumar com a presença maior de bicicletas.
    Não ando em avenidas, procuro sempre as vicinais.A cidade não é planejada para ter bicicletas circulando, poucas ciclovias disponíveis.Claro, todos sabem da proibição de andar com elas em calçadas; contudo, há momentos e locais onde não há alternativa.Uma calçada vazia permite o trânsito delas, uma com muitos pedestres inviabiliza tal coisa.Tudo questão de bom senso, de adaptação de velocidade compatível, mesmo que ela se caracterize por algo próximo à velocidade de pedestre.A lógica do ciclismo é diferente da lógica do automóvel, mais próxima da dinâmica do pedestre.
     A acusação de que ciclistas ignoram as leis é verdadeira.O problema é que certa conduta, induzida pela velocidade neurótica da cidade, acaba por complicar as coisas.A cidade é um organismo doente.
     Fato é que para muitos motoristas, a presença da bicicleta na via apresenta-se como um entrave, um estorvo, uma chateação, os instintos primitivos de agressividade humana forçando a ideia de passar por cima."Ah, esses ciclistas atrapalhando o trânsito!" .Óbvio que nem todos agem ou pensam assim.
Uma conhecida exclamou: "deus nos livre de todo mundo ou muita gente passar a andar de bicicleta porque isso seria um inferno!" Pergunto a ela em que diabo de cidade ela vive?Ah, sim, esqueci que os ciclistas não respeitam certas normas, mas nada me faz acreditar que a cidade seria pior se houvesse uma diminuição de carros e um aumento de  bicicletas circulando.Assim como acredito que os problemas de trânsito não se resolvem dessa maneira, e sim com  a melhoria do lamentável transporte coletivo.Não cabe mais carro na cidade, o limite está na borda.Estruturalmente muita coisa está na borda do limite, a cidade é um caos urbanístico.Mas os danos e problemas causados por ciclistas são muito menores do que os produzidos por motoristas neuróticos e irresponsáveis.Pelo menos não tenho notícias de ciclistas matando pedestres, coisa comum feita por outro veículos, até carroças.
     Se o ciclista desobedece certas normas e leis, ele tem que fazer isso com certo bom senso.Desde que não se prejudique um outro ou outros, não vejo problemas.Não tem sentido andar a pé empurrando a bicicleta numa calçada vazia de madrugada.Assim como não tem sentido andar na Paulista, seja pela via ou pela calçada, nas horas de movimento.Questão de bom senso.Como não tem sentido andar de forma esportiva em situações inadequadas.
     A convivência nessa cidade, dia a dia, torna-se mais insuportável.Eu me lembro de que quando comecei a andar de bike , lá pelos anos oitenta, era menos respeitado por carros do que hoje em dia.Por sinal, faixa ninguém respeitava, nem para bike, pedestre, velho, carrinho de bebê.Hoje melhorou, às custas das mortes de ciclistas.Pergunto sobre quantos pedestres são mortos, diariamente, vítimas de atropelamento.As coisas são assim no Brasil: espera-se a tragédia para a medida de precaução.Problema cultural e jurídico.
     Andar de bicicleta é perigoso por aqui, andar como pedestre, idem.A máquina urbana selvagem dessa metrópole não poupa ninguém.Nem vou falar de outras formas de violência.
     Mas elevar o ciclista ao status de novo demônio do trânsito me parece uma insanidade, a demonstrar que o tecido social urbano dessa cidade está apodrecido, o nível de hostilidade entre seus habitantes beirando o ridículo.Tudo uma questão de bom senso e razão.Duas coisas vistas como abstrações metafísicas no mundo citadino dessa metrópole que cresceu demais sem planejamentos, as coisas se acomodando de acordo com os problemas que surgem, tudo meio na base do "nas coxas", do improviso.Demoníaco mesmo só o trânsito geral.Questão de falta de bom senso.Mas chega de novas demonizações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário