quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Vera Janacopoulos(a desconhecida)

Vera Janacopoulos

Vera Janacopoulos

Vera Janacopoulos, que nasceu em Petrópolis em 1892 e faleceu no Rio de Janeiro em 1955, foi uma das maiores musicistas brasileiras de todos os tempos. Sua carreira concentrou-se no período entre as duas guerras mundiais, durante o qual foi uma das cantoras de câmara de maior destaque no cenário internacional.
Seu repertório se notabilizava por uma grande amplitude histórica, estendendo-se de Machaut a Stravinsky e, por uma rara versatilidade, mestre consumada do “Lied”, era ao mesmo tempo uma intérprete notável, tanto do repertório francês e espanhol, quanto do russo. Poulenc diria que ela era uma intérprete “miraculosa” de Mussorgsky.
Os programas de seus concertos dos anos 20 eram extremamente inovadores, por colocar lado a lado do repertório tradicional, música do período pré-Clássico, música popular de diversas procedências, mas sobretudo por dar um lugar de destaque à música contemporânea. Amiga pessoal de compositores como Stravinsky, Prokofiev, Falla, Villa-Lobos, Milhaud e Poulenc, desempenhou um papel de primeiro plano na divulgação de sua música vocal, sendo responsável por diversas primeiras audições, tendo sido a dedicatária de várias obras.
Sobre a importância de sua atuação, Alejo Carpentier diria: ”Musicista admirável, ... Vera Janacopoulos representou para a música de Prokofiev, H. Villa-Lobos e Manuel de Falla ... o que representaram as cantoras Marya Freund para Schoëmberg e Jane Bathory para Erik Satie e Darius Milhaud.”
Dentre as características mais salientes de seu perfil musical, podem ser destacados:
- o fato de sua formação instrumental haver precedido a vocal, pois estudou, durante anos, violino com George Enesco, que seria o “pai espiritual” de músicos tão diversos como Dinu Lipatti e Yehudi Menuhin, a quem dizia dever seu fraseado e sua maneira de abordar uma obra musical;
- o hábito de “trabalhar” as obras que interpretava com os próprios compositores. Sua autoridade ao interpretar música francesa, provinha do fato de havê-la trabalhado pessoalmente com Fauré, Ravel, Poulenc e Milhaud; a espanhola com Falla e Nin; a russa com Straviinsky e Prokofiev; a brasileira com Villa-Lobos, etc...
- familiaridade com a orquestra, pois são numerosas em seu repertório e fortemente representadas em sua coleção de partituras que se encontra na Uni-Rio, as obras para voz solista com acompanhamento de orquestra, muitas das quais são transcrições encomendadas por ela própria aos compositores, das quais são exemplos o Tilibom de Stravinsky, La rose et le roussignol de Rimsky/Prokofiev, duas árias do Amor Brujo de Falla, Viola de Villa-Lobos e Phydilé de Reynaldo Hahn/Villa-Lobos.
Como cantora com orquestra, foi freqüentemente acompanhada por músicos do calibre de Stravinsky, Falla, Milhaud, Markevitch, Mengelberg, Monteux, Ansermet, Scherchen e Motropoulos.
Apesar de longo período de residência no exterior (a mudança definitiva para o Brasil só ocorreria no final dos anos 30, às vésperas da 2ª Guerra Mundial) e da primeira apresentação pública (1920) ter sido posterior a suas estréias européia e americana, Vera sempre acentuou sua identidade brasileira: a música brasileira foi parte integrante de seu repertório internacional, seja através de melodias populares, harmonizadas por Ernani Braga, seja através de obras de F. Braga, A Nepomuceno, H. Oswald, L. Fernândez, L. Gallet, F. Mignone e, sobretudo, Villa-Lobos, para cuja projeção desempenharia, juntamente com Rubinstein, um papel tão decisivo em Paris, nos anos 20.
Texto de Manoel Correa do Lago, extraído da Revista Brasiliana - no. 7 - janeiro de 2001
Existe um sem número de dedicatórias de compositores famosos, que conviveram com Vera Janacopoulos, demonstrando uma grande admiração pela artista.
”A Vera Janacopoulos, a maior artista que eu conheço e a melhor intérprete de minhas obras”. - Villa-Lobos
"A Madame Vera Janacopoulos-Staal, en souvenir d”une interprétation de mes mélodies Qui m”a causé le plus vif plaisis. Votre dévoué Gabriel Fauré".
"A Vera Janacopoulos, en souvenir de son admirable interprétation du 31/5/1921." - Maurice Ravel
"Souvenir reconnaissant du concert du 23 Novembre, 1924, au Concertgebouwe d”Amsterdam." - Wilhem Mengelberg
"A vous, chère Vera Janacopoulos, més souvenirs très très affectueux." - Igor Stravinsky
"O que poderia demonstrar a vera Janacopoulos minha extraordinária admiração por todos os seus dotes artísticos, senão dedicando estas “Historietas”. - H. Villa-Lobos
"Orquestrée pour Melle Vera Janacopoulos, en considération de sa belle voix et sa charmante interprétation, l"Autheur, NY 1919 " - Sergei Prokofiev a respeito de “La rose et le roussignol”
Citações recolhidas do site www.abmusica.org.br, que constam no no. 2 da revista Brasiliana.

sábado, 9 de novembro de 2013

Bacon e Eu

Francis Bacon foi um dos grandes artistas do século vinte.Mas, além disso, deixou muitas entrevistas dotadas de  uma sinceridade absoluta, demonstrando, ao mesmo tempo, uma refinada cultura não tão comum assim em pintores.Há pouco tempo li uma, onde o grande pintor, já velho, dizia que no estágio de vida dele, naquele momento, tinha perdido a maioria de seus amigos, por morte ou afastamento, sendo que, quando se fica mais velho-segundo suas palavras-, torna-se mais difícil adquirir novas amizades.Ainda mais quando se é uma pessoa difícil de temperamento, como ele se definia.
     Bacon era uma temperamento marginal, um torto na vida,  papel deliberadamente assumido por ele, em função das circunstâncias que cercaram sua existência.Sempre, sempre, como dizia Ortega y Gasset, o homem e suas circunstâncias.
   Dizia que tinha muitos conhecidos de bares, mas quase nenhum amigo.Até parece um pouco com minha vida.Chega um momento em que se cria certo fastio ou desencanto por tudo, algo muito natural.O véu de Maia das ilusões sociais desfeito pelas decepções ou descréditos.Inexorável situação do artista, tendo que se resignar com sua solidão, a arte sendo a única companheira.É meio triste mas pode ser, como dizia Pessoa, que a dependência dos outros seja uma forma de escravidão, por que não?Em todo caso, guardadas as devidas proporções de talento entre o que o grande Bacon foi e o que eu sou, senti-me solidarizado por ele e com ele, em sua declaração.Ainda que na vida dele a presença de tragédias seja bem maior do que na minha, frugalmente classe média, uma tensão constante entre o aburguesamento e a marginalidade.Esta última, quando não física, pelo menos espiritual, algo experimentado por mim desde muito cedo.Ser um torto sem vocação não é fácil.Tentei sempre achar alguma para mim e, não vendo nada de especial em mim, acabava frequentemente buscando os roteiros convencionais, incluindo nisso amores, profissão e casamento.Isto, a longo prazo não funcionaria mesmo.Sobra essa marginalidade "soft", o idealismo como forma de exercer os caprichos de eros, a distância de tudo e de todos.Pelo menos, temos que amar alguma coisa.Bacon dizia amar a matéria que via, que o momento de revelação estética dele se deu ao visitar um açougue.Para mim, pensando bem, foram três: a primeira visita a um prostíbulo(embora nunca mais tenha visitado um depois de minha juventude), uma sinfonia de Mahler e Paris.Mas acho que nisso Bacon teve mais sorte, uma revelação mais precisa.Claro que, pessoalmente, gostaria de ter todas as mulheres do mundo, nesse momento...para pintar ou desenhar.Paris está muito longe, mas a música e a pintura estão sempre aí para deleite de olhos, ouvidos e alma.A vida é mesmo curta, como dizia Bacon(que viveu além dos oitenta), uma só muito pouco quando a vontade é grande.
    Gostaria de ter a capacidade de imersão dele.Mas ele era gênio, eu não.Mas em comum, ambos víamos a vida com espanto e algum horror.Não conseguiria nunca criar o simbolismo de horror que ele conseguiu.Ele dizia que compensava a frequente insatisfação com a vida com seu trabalho.Uma salvação que gostaria também de alçar.
   Sim, parece ser a vida, pelo menos para os que não se enquadraram direito nos scripts postos por aí: solidão, poucos amigos, muitos conhecidos em bares, amores raros(os intensos e verdadeiros são), sorrisos hipócritas e convencionais, bons modos escondendo a turbulência da raiva, bons modos com mulheres(se você preserva seu lado aristocrático), uma pitada de cinismo e ceticismo em tudo que se vê, ouve ou fala.Mas, mesmo assim, a vida é sempre uma coisa urgente para nós. Há os que me acham presunçoso por isso.Dá para acreditar!
   O acaso, o homem e suas circunstâncias, os grandes sonhos sempre resistindo na imaginação.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

pensamentos postados em 4 de novembro

Confesso que sinto um profundo amor pela juventude.Não a minha, já perdida, esvaída por entre as mãos do destino, mas aquela que sempre se apresenta como a terra distante e virginal a ser povoada pela vontade humana.Fica-se mais velho e parece que apenas os defeitos aumentam, não as virtudes, as poucas que cultivamos; um festival de manias e intransigências, apenas acelerando a consciência da inexorável decadência física.Daí é um passo ao rancor universal, cósmico, contra tudo e todos, principalmente os mais jovens.Uma tremenda ausência de humor.Aquele rancor que se esconde de forma sutil nos conselhos, no pouco caso a respeito da precipitação por ordenação hormonal, aquele cultivar do universo cadavérico do passado.E o que é o passado senão um cadáver?Carrego essa múmia dentro de mim, mas não vou usar suas faixar para espantar os outros.Prefiro então a decrepitude de minha  nudez moral ou ética.Mas os mais velhos dirão que ninguém nunca tem ética, que isso é uma abstração e que os jovens nunca sabem disso e blá, blá,blá.Há os pecadilhos de juventude e os pecadilhos- por sinal, não poucos!- de velhice.Que lástima! A envelhecer assim, preferível a morte.Melhor morto enterrado que zumbi fingindo ser a fonte da vida.Em todo caso, um pouco de paciência com erros da inexperiência alheia é como caldo de galinha para doente, não tendo nenhuma contra-indicação.


Então seria mais fácil não amar?Por que então não sentir, no desapego que, aparentemente, nos livraria dos grilhões dos desejos?Não sei, parece tudo meio idealizado, em meio às máquinas desejantes e de desejos manipulados em que nos transformamos ou nos transformam,ainda que seja à nossa revelia.Em todo caso, tudo que se vive, ao se tentar reviver se transforma numa necrologia, o que acrescenta certa dor e melancolia na busca do sentimento perdido. Mais fácil então seria não viver, mas a chama da vida trava luta renhida contra a constante treva da morte.E dentro de nós piscam as duas coisas, nossa alma entre o céu e o abismo, sem contar a aflitiva memória que nos ilude sobre a passagem do tempo, colocando as coisas, eventos e afetos como se tivessem sempre ocorrido instantes atrás, como se as coisas não mudassem.
É, o negócio não é fácil, mais fácil seria a amorfia do pouco sentir, mas isso não dá mesmo.Ou dá, dependendo de como trabalhamos essas necrologias das coisas e desilusões que se forjam constantemente.A vida vem, estúpida- indelicada, a bruta, nem nos pede passagem-, nos atropela quando não esperamos.E se pensarmos nisso tudo, se ficarmos a pensar demais na vida, ela vem e passa e finda. Em verdade, finda com a gente e continua na dela.Talvez esse negócio de amor, qualquer que seja, não passe de um logro que a própria vida nos impõe para que a sirvamos em sua sanha de eternidade.Apenas nós é que não seremos eternos. Salvo contraditório da assanhada e petulante árvore da sabedoria tecnológica, todo dia replantada pela ciência.Mas viver eternamente, para quê?


A vida me parece absurdamente feroz e sem sentido, parecendo ter uma lógica própria que pouco tem a ver com o que chamamos de nossa lógica.Essa , lógica, juntamente com o que denominamos de razão humana, parece se desprender da própria matéria amorfa da existência, construída pelos sentidos e suas impressões, no sentido vão de controlar toda essa amorfia.Tudo e todas as coisas, inclusive pessoas, são construídas como abstrações por meio de nossas impressões.Ou seja, não sabemos de nada, perdidos na fúria incompreensível da realidade.Como um quadro impressionista, tão belo de longe e um monte de borrões ao nos aproximarmos dele.É , as pessoas são mesmo como quadros impressionistas.Mas nem todos os quadros são interessantes ou bem feitos.

     E surge aquele momento em que cai a consciência- quem sabe, o desalento- de que pouco lucramos em nos esforçar  por ser algo que não somos.O peso da máscara incomoda, o gasto com o verniz das convenções não compensa, as cores com que nos tingimos não produzem qualquer acorde que  nos agrade.Talvez, o momento em que nos dedicamos ao nosso maior luxo: o desprendimento.A vida é cinza, a cor nós a criamos pela imaginação.E nela, um pouco longe da ação, sustentamos uma verdade de imprecisão lógica à razão mas não ao coração.
     Já demandei muito esforço no ledo engano de me fingir herói  em aventuras inexistentes e criadas pela mente sonhadora. Não resgatarei mais donzelas quase perdidas- que se percam em seu destino, na própria liberdade do erro- nem colocarei fogo nos castelos infames criados pela infinidade de meus inimigos.Quem sabe a eles, inimigos, frondosas árvores onde os veja enforcados pela minha imaginação, à maneira do poeta romântico alemão que isso almejava ao lado de uma simples casa em bucólica paisagem.Inimigos invisíveis, inexistentes, nenhum maior do que o que se albergou no fundo de meu coração, entrincheirado em medo e covardia.Mas não vou dourar a pílula do falso conhecimento.Chega a hora em que se diz :chega!O mundo não vai se adornar de louros(ou loiras) para saudar minhas falsas vestes rasgadas; mas há um certo alívio em aliviar o crédito indevido com a hipocrisia.Esta cansa um bocado; suas engrenagens sempre engastam, como nossos nervos ou músculos fatigados pelo tempo.

     A vida existe antes da teoria, a sensação antes da ação.Nada impede ação conjunta com sensação.Mas a razão, contudo, às vezes nos inibe no contato com a própria vida.Nenhuma teoria pode ir além da vida, apenas serve para interpretá-la e convivermos com ela.Mas confesso que, depois de tanta teoria decalcada na alma e na mente, tive que me livrar de muita coisa aprendida, como alguém que se desnudasse para se sentir melhor nadando numa praia, em meio à escuridão constante de um céu de indefinições, o brilho estranho e calmo de lua nos dando a esperança de que podemos voltar às areias, mesmo sem roupas.Mas quem é que não teme o afogamento, esteja ou não vestido?
Não existe chicote analítico que dome a ferocidade da realidade.Quando muito o bicho se assusta, mas não foge, não perde as presas.A razão é como um domador de fala baixa e fina.Grita, esperneia, brande o instrumento de intimidação, mas a fera continua sempre livre e solta.No circo da vida, todos somos palhaços de maquiagem ruim e gestos para lá de conhecidos.Até que um dia ele pega fogo...
Outro dia revi um filme de Jacques Rivette, A bela Intrigante.Quatro horas de duração. Aconselho para quem tiver tempo, paciência e interesse.Um filme intrigante e refinado.Feito em 91.Uma profunda reflexão, plástico-cinematográfica, sobre o ver, o sujeito e o objeto, a partir do olhar de um pintor, alter-ego do próprio diretor.Ou sobre o voyeurismo do artista.Ou de qualquer um. Ver é sempre algo inquietante quando nos dispomos a questionar o que vemos, o que se oculta por trás das aparências mas também faz parte delas.Quando você pinta ou desenha, parte do erótico que motiva a observação vira ciência da criação.Toda criação tem uma ciência oculta de leis imprevisíveis, mas procedimentos exatos.O artista, qualquer que seja, é sempre um esgrimista.




variações sobre um tema 1











fotos no atelier