domingo, 26 de maio de 2013

Homem bonzinho é chato?

É , parece que homem bonzinho é chato mesmo.Seria uma inadequação da espécie humana à situação de bondade? Velha questão dostoievskiana de personagem real, além da literatura, no mundo de crime e castigo em que nos espelhamos.Sentimos com facilidade a maldade que podemos exercer, mais facilmente do que o amor que podemos criar.Anabolismo e catabolismo, assim é a vida.
     Já faz tempo que acredito que, inspirado pelo amor e norteado pelo  conhecimento, torna-se possível a qualquer cristão ou pagão combater as forças de anarquia e ódio que existem dentro de nós.Isso porque não faço parte dos otimistas que consideram o homem naturalmente bom, cabendo à sociedade  culpa por sua deformação.Muito menos daria crédito à concepção do pecado original; estou fora dos raciocínios mecanicistas que situam tudo entre o bem e o mal.Acho que tudo se complementa, uma parte  interpenetra a outra, assim como vida e morte fazem parte da mesma moeda da existência.Um ser humano, naturalmente, tem coisas boas e más.Evidente que há uma minoria(fato comprovado estatisticamente) onde o descontrole da agressividade produz iminente perigo constante.Situação de guerra ou cobiça libera os demônios que jazem silenciosos dentro de nós.E todo mundo sempre está um pouco em guerra com a civilização, da qual todo mundo depende para a sobrevivência no planeta.Viver é sempre um dilema, individual ou coletivamente.Idealismos só funcionam em modelos abstratos.Daí que o bonzinho seja uma abstração forçada?
     Nosso mundo nos coordena por meio da culpa, tenhamos feito a contravenção ou simplesmente a imaginemos sendo feita . O estado se incumbe de efetivá-la em medidas punitivas, além dos limites de nossa consciência, quando a nossa inconsciência nos faz pisar na bola ao pisarmos os pés de outros.Embora haja pessoas que pisam os pés de outras sem querer, contudo, machucá-los.
     A bondade seria uma afirmação das forças do amor.Por outro lado, confesso, não consigo ver qualquer gesto afetivo sem alguma forma de agressividade dentro, em qualquer área da vida.Claro que há as dosagens, de acordo com a situação envolvida.Há também a situação mãe- filho, mas aí o enfoque é outro,a realidade é outra; talvez mais apreciável pela psicanálise..No dia a dia, na interação social as coisas são outras.
     O bonzinho parece ser uma projeção onírica do que gostaríamos de ser e não podemos ser.Evitar de se fazer o mal, por incrível que possa parecer, isso  já considero uma atitude virtuosa.Somos naturalmente egoístas por nossa natureza e, para se viver em grupo ou dupla, tem que se abrir mão da tendência de se olhar apenas o próprio umbigo.
     Com dois ou mais remadores, o barco só navega com ação em conjunto, senão temos que jogar um ou outro na água. Eis um problema para o futuro da humanidade.Por outro lado, egoisticamente, poderiam me perguntar: mas que diabos tenho a ver com a humanidade? Diria: tudo e nada, ao mesmo tempo.


     O problema é que, tomando meu caso como exemplo, certa intoxicação cristã pode criar pontos positivos e negativos, socialmente falando.As pessoas adoram falar dos idealistas e puros, de sua bondade e determinação,  da abdicação das coisas mesquinhas ou reles, de como seria bom que todo  mundo se comportasse dessa maneira e outras coisas mais; contudo, na primeira oportunidade não hesitariam  todos em jogá-los, esses  pobres idealistas e puros, aos tubarões ou à primeira fogueira de plantão.Triste verdade que me assombrará até o fim de meus dias, uma das grandes frustrações "idealizadas" que forjei para mim mesmo. Isso porque toda pureza encerra o germe da corrupção, assim como todo amor pode represar, dentro de si, muito ódio escondido.Daí a importância de nossa razão para mediar as coisas.Senão sairíamos por aí matando todo mundo por qualquer bobagem, atropelaríamos qualquer pedestre que nos atrapalhasse, estupraríamos a primeira mulher que nos incitasse algo de desejo sexual.  Sempre estamos andando na  beira do abismo e fazemos de conta que não; andar no fio da navalha sempre é difícil, assim como "a vida e seu duro ofício", nas palavras de um poeta.O primeiro pecado original foi a descoberta da razão, não do sexo; esse já existia antes e, como outros instintos básicos, pode descambar para violência ou morte, sem pestanejar.A razão põe um pouco de ordem nessa briga entre amor e ódio dentro do coração humano.O judaísmo e, posteriomente, o cristianismo vieram contando outras histórias para justificar a existência do olho que tudo vê.
     Sempre imaginei que poderia prender as mulheres pela bondade e sempre me ferrei. Esqueci do conceito confuso, dúbio e impreciso de segurança ou do natural egoísmo, essa condição humana sem prerrogativa de gênero.Mas, hoje em dia, ninguém está mais seguro de nada.Também se ferra quem imagina que pode prendê-las, por muito tempo, com sexo. Bobagem!Talvez seja melhor o termo segurar durante um tempo, o tempo que elas quiserem.No fundo, ninguém tem a fórmula de como prender uma mulher. Salvo o caso do tarado que aprisionou ,nos porões de sua casa, três mulheres, incomunicáveis do mundo, servindo-se delas como escravas sexuais.Mas eu diria que, nesse caso, a situação é um pouco forçada demais...
     Pelo menos,  essa questão prisional saiu fora do calabouço de meus problemas; certamente, não vejo mais como alguma mulher me prender de forma convencional, a não ser por astúcia jurídico-procriativa.  Cada um tem que aprender a cultivar um jardim para si, como dizia Voltaire. Sem contar que o tempo ficou mais curto, muita coisa na minha cabeça, muita ilusão gorou por "decurso de prazo".Posso até ficar prisioneiro de abstrações criadas em torno de coisas ligadas ao feminino, mas nada que justifique um tributo ao tédio para ter essas coisas. A carne engana  a alma  somente enquanto a mãe natureza quiser dispor de nossa vida para seus desígnios e interesses, dela natureza.Agora entendo o significado do "legado de nossa miséria" ao semelhante, nas palavras do personagem machadiano. Já sabia, mas fingia não saber.
     Nossa aparente bondade pode ser uma falácia, uma fraude.As intenções verdadeiras podem ser outras, como as que subjazem no aparente desinteresse da corte amorosa. Ou, simplesmente, a vaidade de querer aparentar superioridade moral e espiritual.Hum!
    Nenhum problema: sonhos, abstrações, simbolismos e forma  fazem parte de nossa vida, seja no trabalho, no amor, na arte, enfim, nas coisas da vida em geral.
Onde realmente posso ser bom,  onde a bondade pode ser algo além de um simples dom, um instrumento de nossa vontade?
      Não sei.Apenas vou tentar ser menos chato(menos bom ou bonzinho?) ou insuficientemente mal.Para o bem de meu semelhante ou da paciência de outras.Sem saber o porquê, ainda acho viável a humanidade. Seria isso uma bondade ou um egoísmo?

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