segunda-feira, 6 de maio de 2013

Autognose sem gnose alguma


Em um poema, Manuel Bandeira dizia ansiar por ter, em seu último poema, a paixão dos suicidas que se matam sem nenhuma razão.Descontando as análises psiquiátricas que poderiam advir disso , meu deus !, que sede de transcendência !Coisa de poeta, coisa de humano.Onde encontraria eu um tipo de paixão como essa?
     Cheguei à conclusão de que muitas das paixões que me vitimam não são originárias de onde imagino. Tanto tempo passado, depois de ter lido tanta coisa de psicanálise, depois de ter sido psicanalisado durante cinco anos - em período da juventude, não aceitando ter alta e assumindo de vez as incuráveis neuroses com as quais teria que conviver até o fim de meus dias -, depois de ter que exorcizar muita coisa dessa psicanálise às custas de um sociologismo meio marxista ou de um culturalismo feroz que procurava uma precisão objetiva impossível, depois disso tudo passei a ler e reler coisas sobre o assunto, aspectos cuja imaturidade das primeiras leituras, a inexperiência com as várias facetas da convivência humana, em suma, a imaturidade intelectual e de vivência me impediam de discernir com maior clareza. Muita coisa a que abjurei, reintegrei em meu armário conceitual, ainda que cheio de mofo e teias, com critérios comparativos mais claros que deixaram evidentes as lacunas de pensamento que não me permitiram discernir melhor as soluções. Sentir passou a ser uma solução, sentir mais, mesmo  com o custo de sacrificar certos expedientes da razão que nos aliviam de certos sofrimentos. Soluções, quando as há, passaram a vigorar no plano utópico, já que para muito problema não há mesmo  solução; certos dilemas e contradições são impossíveis de resolução nessa vida.
     Pelo imaginário tentei recompor-me nessa vida. Não deixa de ser um viés idealista, mas isso não pode ser lamentado porque, em muitas situações, torna-se a única forma de levar a vida .Quem sabe a forma baudelairiana da bebida, da virtude ou da poesia como maneiras enfrentá-la. Se efetuarmos a comparação,  em certa medida Freud dizia o mesmo, lamentando  ele que
 em sua época  a ciência fosse tão limitada em entender os mecanismos bioquímico-mentais que se ligam ao prazer ou sofrimento. Mesmo engatinhando, hoje sabemos muito mais sobre o assunto, ainda que haja um universo de mistérios cercando o funcionamento da mente humana.
     Sempre tentei me entender usando conceitos e elementos analíticos tirados de outros campos, especialmente de psicologia, assunto que, depois de estética e história da arte, mais me interessou, após meu início de juventude apaixonado pelas ciências exatas, uma época em que acreditava nos poderes inefáveis do deus-razão.Com o tempo, mais e mais me via, ao contrário, prisioneiro do demônio des-razão.
     Não bastasse isso, me pergunto de que valeram tantas e tantas horas tentando refletir sobre os elementos psicológicos ou neuróticos envolvidos nos amores soçobrados. Desenvolvi uma mania de querer percorrer todos os interstícios de eventos emocionais passados das mulheres com que me relacionava. Claro, isso com relação às quais eu desenvolvera um sentimento profundo. Nunca tive qualquer explicação clara, sempre fiquei no meio do caminho. Sempre houve pistas, nunca caminhos precisos. Pelo menos, não havia aquela precisão em que depositava fé quando de minhas andanças pelas searas dos reinos matemáticos e científicos. As psicologias são mangues epistêmicos, algo que parece ter-se desviado da estética e tentado a ciência.
     Tenho lá meus momentos de fúria, assim como tenho os de reflexão ou choro.Como qualquer pessoa sou vítima de desejos e ansiedades. Estes podem se ampliar quando as expectativas são maiores. Todavia, não é mole controlá-las; tudo nos direciona para as expectativas, mormente as falsas .A máquina do mundo é cruel e as engrenagens com que funciona ou atua, ou seja, as pessoas, estão sempre se engastando, o ranger é constante e machuca os ouvidos, ou a alma, o que é muito pior. Luto constantemente contra um impulso de profundo desprezo pela humanidade. Mas o que seria eu sem ela; eu sou a humanidade, a humanidade sou eu. Mas não sou o centro do universo.Ai de mim!O velho grito grego ainda ressoa em nossas têmporas pós-modernas.
    Crer, crer em alguma coisa, principalmente no humano.Não há princípio divino nem dentro, nem fora de mim, apenas o universo silencioso e as pessoas.Sim, as pessoas ou,pelo menos, o que  aparentam ser pessoas. Não é fácil; todos os mecanismos da visão lógica me induzem a pensar que o ser humano é um projeto equivocado , dentro desse aparente projeto maior sem programação alguma que parece ser a vida, a não ser para os que acreditam em vontades superiores e inteligências(?) superiores nos regendo. Sorte dessas pessoas; gostaria mais de ser um pagão, longe nas neuroses cristãs que me foram incutidas. Mesmo assim, fosse eu um grego clássico da antiguidade, não seria o que sou, minha cabeça seria outra. Acreditaria eu nos deuses? Por aqui, só acredito nas deusas; essas, contudo , de carne e osso.

    Por outro lado, detesto me acomodar no pessimismo. Sei que muito dele é oriundo de dimensões estranhas e desconhecidos de meu inconsciente. Parte dele formado a partir da educação. Ou seria que outra parcela dele seria ausência de mulher? Vai saber... Mal consigo enxergar a ponta de iceberg que sou, o que se esconde abaixo da linha d’água me assusta, mas não tenho como evitar o mergulho .Preferível o afogamento para se ver, do que ficar torrando sob o céu, ressequido ao sol da inoperância da vida besta de sentimentos fúteis.
     Ainda que não tenhamos as explicações, ainda que, certamente, nunca as teremos, pelos menos podemos tentar nos aproximar de alguma verdade, nem que seja a nossa.Se isso ficar no espanto, no sentimento que plasma a tragicidade e o desconsolo, que seja!A vida é assim mesmo, não podemos alterar todo os mecanismos das fiandeiras do destino, mas podemos mexer com os cordões,  dar uma arrematada no traje feito de alguma forma. Ainda que não acredite no encontro de uma natureza superior que nos comande e nos coloque em contado com uma transcendência, ainda sou obrigado a brigar com tudo isso, dentro e fora de mim. Porque sonho em adiar o encontro com a dama da foice, ainda que possa sonhar que, em seus braços, encontre em sua face, numa outra dimensão de tempo e espaço, todas as amadas e mães que tive ou gostaria de ter .Nossa, mas que egoísmo! Humano, demasiadamente humano...

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