terça-feira, 1 de novembro de 2011

Do jeito que  vejo tantos livros escritos a respeito de “Contra Marx”, “Contra Freud” e “Contra Einstein”, só me resta acreditar que os três devem ter acertado na maior parte do que falaram.Porque se errados estivessem, um só livro seria suficiente para resolver a questão.

 Quando lhe  foi oferecida a presidência honorária do recém criado estado de Israel, Einstein recusou, dizendo que “a política é para o presente, a equação para a eternidade”.No caso, em certas circunstâncias do que vemos por aí, talvez fosse correto dizer que “a política é para dar presentes, a equação para a fraternidade...dos apinaguados”.Esta é a autêntica teoria da relatividade da política institucional.

O Nobel de Física foi para cientistas que pesquisaram o que hoje se chama de Energia Escura, uma forma de energia pesquisada a partir de manchas detectadas em varreduras cosmológicas.Não se sabe bem a natureza desse tipo de energia.Poderíamos, quem sabe, atentar para o fato de que nós, humanos, temos também algum tipo de energia escura em nosso interior, assim como também temos a elétrica, a magnética, etc.E sabe-se lá que tipo de natureza ela esconde.Talvez, melhor seja nem saber...

Por sinal, vivemos em era de alta utilização tecnológica e alto analfabetismo estrutural da utilização tecnológica.Mas, como se dizia antigamente, não é necessário conhecer o que um câmbio é para  se poder mudar de marcha.

sábado, 15 de outubro de 2011

algumas figuras femininas, moças bonitas, do presente e do passado




Novos pensamentos outubrinos

Do jeito que  vejo tantos livros escritos a respeito de “Contra Marx”, “Contra Freud” e “Contra Einstein”, só me resta acreditar que os três devem ter acertado na maior parte do que falaram.Porque se errados estivessem, um só livro seria suficiente para resolver a questão.

 Quando lhe  foi oferecida a presidência honorária do recém criado estado de Israel, Einstein recusou, dizendo que “a política é para o presente, a equação para a eternidade”.No caso, em certas circunstâncias do que vemos por aí, talvez fosse correto dizer que “a política é para dar presentes, a equação para a fraternidade...dos apinaguados”.Esta é a autêntica teoria da relatividade da política institucional.

O Nobel de Física foi para cientistas que pesquisaram o que hoje se chama de Energia Escura, uma forma de energia pesquisada a partir de manchas detectadas em varreduras cosmológicas.Não se sabe bem a natureza desse tipo de energia.Poderíamos, quem sabe, atentar para o fato de que nós, humanos, temos também algum tipo de energia escura em nosso interior, assim como também temos a elétrica, a magnética, etc.E sabe-se lá que tipo de natureza ela esconde.Talvez, melhor seja nem saber...

Por sinal, vivemos em era de alta utilização tecnológica e alto analfabetismo estrutural da utilização tecnológica.Mas, como se dizia antigamente, não é necessário conhecer o que um câmbio é para  se poder mudar de marcha.

Aprendi com a pintura - essa arte do silêncio- que a loquacidade deve ser medida.Normal:quem fala muito não escapa de falar besteira.Verborragia profunda só a de gênios, e esses são raros.É só puxar pela memória sobre o que falamos em conversas para descobrir absurdos inenarráveis proferidos por nós mesmos.Como um quadro, a fala também é uma estrutura, onde qualquer parte tem interferência no todo.Daí o milagre da escrita, da palavra medida.Embora a desmedida revele muito mais do que se espera.Ou se pode tolerar...

Não consigo mais dormir em paz, desde que fiquei sabendo da comprovação de que as galáxias estão se afastando numa velocidade muito maior do que se imaginava nos anos cinquenta...Claro: grande mentira!Mas quando quero me desprender da realidade, desde que uma gripe não infernize minha vida, nada melhor do que pegar meus antigos livros de física quântica da faculdade.Principalmente porque esqueci quase tudo daquela matemática toda...

Outro dia ouvi de uma artista plástica, em entrevista no rádio, que o importante hoje, durante a fruição de um passeio em um evento como a bienal, não é a referência de que a coisa é bela ou feia, mas sim interessante ou não.O fim das estéticas clássicas.A estética pós-moderna é quase a-estética.Então, porque as pessoas se intimidam com a arte que é feita e frequentemente dizem: não entendo do assunto.O a-estético pressupõe a exclusão do discurso, já que este torna-se desnessário para esclarecer o evento que, no caso, remete-nos às regiões nubladas do sentimento.Contudo, o que mais se ouve é o discurso sobre a arte.Mas a arte chega pelo entendimento ou pelo sentimento?Estranho, não?O discurso sobre o que é observado sendo mais importante que o próprio objeto de observação.Mais ou menos como o se falar sobre sexo ser mais importante do que o próprio fazer.Ou, quem sabe, seja isso mesmo o mais importante no caso?A lenda parece ser sempre mais interessante que o fato.É que no fundo, tanto um discurso sobre o estético como sobre o sexo pouco revelam do mistério que os dois são.
Não sei como ninguém ainda teve a sacada de criar um organismo do tipo IEAAA:instituto de estudos avançados de auto-ajuda.Em geral as pessoas têm pouco estofo ou paciência para leituras filosóficas, principalmente dos filósofos ligados à discussão sobre ética ou comportamento.Nada melhor que desenvolver programas de ajuda coletivizados, com subsídio estatal, para auxiliar as massas desesperadas-amortizadas pela maluquice da roda do mundo, não é mesmo?Sem dízimo para o pastor, cartão de crédito salvo e consciência iludida.Fácil!Nunca, na história desse país, veríamos tanta felicidade espalhada!Embrião para um futuro ministério da felicidade...

quinta-feira, 6 de outubro de 2011


pensamentos setembrinos

So bre os conflitos na Inglaterra
Por que será que sou obrigado a ouvir baboseiras e vituperações contra os “baderneiros” europeus que queriam i-pads e outras maravilhas do consumo.O que queriam: que clamassem por revolução social?As pessoas sempre se movimentam a partir de desejos, sejam eles manipulados ou não.O menos consumista dos seres já está com seus mecanismos de desejos adestrados...ou poluídos.Afinal, o mundo é feito dessa coisa mesmo, desse tecido de necessidade e desejo que molda a interioridade do ser.O que parece banal e sem sentido pode já ter se transformado numa necessidade, por vezes criada pela dinâmica econômica de sobrevivência, pelas ideologias, pelo pensar do cotidiano, pela azucrinação de um filho que vive reclamando.Às vezes briga-se por pão, quando o assunto é fome; por saúde, quando doença e peste campeiam; ou por uma idiotia qualquer de consumo, quando se inculcou na cabeça de todo mundo que ela é importante para o status social.Será que alguém acredita que as massas insurretas em revoluções como a francesa ou a russa queriam transformar o mundo radicalmente?Acreditar em tal fato é superestimar a consciência coletiva espontânea das massas.Mas às vezes, brigar por ser fazer ouvir faz com que o protestante passe a acreditar em construir suas próprias idéias.E isso sempre é um avanço.Bem, para quem acredita em que a Humanidade pode avançar...

Não é preciso ser versado em teoria da relatividade para ver que o tempo é relativo mesmo.Tudo o que é vivenciado pontualmente é um tempo independente do tempo global, cronológico, que engloba tudo e decorre independente de nossa existência.Vivemos hoje na era do tempo imaginário, virtualizado, porque os mecanismos de comunicação  funcionam de acordo com relógios “abstratos”.Mas tem gente que teima em agir de acordo com relógio de sol.

     As pessoas são como as obras de arte: o que  vemos não é a “essência” e  sim a “aparência”, uma estruturação representativa de tensões e acasos fenomênicos, forjada por ritmos inapreensíveis, representados por símbolos ou ícones, regida por leis ainda a serem descobertas.Se é que serão descobertas.É sempre tão misterioso o que nos agrada quanto o que nos repulsa.

Dilema de artista: e se eu balancear bem as coisas  que faço sem sentir uma emoção profunda funcionando como motor  animador da criação?Ou seja, posso, usando o recurso técnico e a experiência, fazer algo equilibrado sem ser criativo, como posso fazer amor sem realmente amar.Acho isso bem inquietante.Não seria uma forma de desonestidade?

Há arte “bem feita”, equilibrada, bem confeccionada que pouco nos emociona.Assim como há arte “porca”, desleixada, que nos emociona, ainda que esse “desleixo” encerre em sem interior a busca de “equilíbrios”, os quais são a busca de comunicação emotiva.
É possível experimentar equilíbrio sem intensidade emocional, mas não é possível sentir intensidade emocional  sem equilíbrio.Se isso funciona para a arte, pode funcionar para a vida?Sei lá...As coisas surgem a partir de emoções brutas e não polidas que, organizadas por princípios e procedimentos sócio-culturais, acabam virando linguagem e ações; por sinal,  as mais imprevisíveis possíveis, porque não controlamos quase nada na vida.Ou pensamos controlar porque acreditamos em mitos e fadas, mesmo sem saber.

Nem sempre um artista de obra interessante tem personalidade interessante.Há muita gente interessante sem talento para mais nada que não seja ser interessante para os demais.O que, cá entre nós, já é algo de interesse para o resto do mundo.Porque o narcisismo, aliado à personalidade rasa, é a coisa mais desinteressante do mundo!

 Li, certa vez, um ensaio de Pound que falava sobre o "artista sério", no caso mais focado na poesia.Fiquei magnetizado com o quase sentido de missão colocado nessa reflexão.Lembrava de uma professora de matéria da Faculdade de artes(plástica) que falava que arte é coisa séria!Ainda acredito nela e, quem sabe por nunca por fé no próprio taco, acabei levando uma atividade artística "marginal" por muito, muito tempo.Não por romantismo mas por achar que só o que é bom merece ser mostrado.Seria ingenuidade, presunção?Sei lá...Mas o esforço foi grande, talvez sem os resultados compatíveis.Mas me ajudou a não entrar no jogo cruel desse mundo "velocífero".

 Ou seja: arte significativa só se for por necessidade interior, como bem dizia Kandinsky no "Sobre o espiritual na arte"(mesmo relevando-se o fato de sua personalidade extremamente mística e metafísica).Quem sabe com isso, possa-se cria um próprio "tempo", intangível, inatingível como um "tempo atemporal" que vi descrito num ensaio de Borges.
Para ser sincero, a ciência não me põe medo porque a verdade pode ser
dolorida mas é sempre uma luz, perto das trevas de medo instiladas
pelas diversas religiões(principalmente as ocidentais, derivadas do
judaísmo, como o cristianismo ou o islamismo).Acredito, como Platão,
Freud, Russell e outros sábios homens que iluminaram um pouco o medo
da vida e da existência doutrinado pelas imposições religiosas
externas ao meu ego e à minha vontade, no poder da razão para
contornar esse caudal de instintos irracionais que plasmam o  que nós
somos, para evitar desde as mais simples bobagens que fazemos no
cotidiano até as guerras.O ideal é que sejamos um templo para nós
mesmos, sem "intermediários" espirituais, com nossa própria mitologia
criada pelas nossas necessidades interiores; em, suma, quem sabe : que
sejamos um deus para nós mesmos.O conhecimento não destrói, por si
mesmo, mas sim sua utilização para fins egoísticos é que o faz.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

pensamento solto do dia

Em verdade a arte é feita para algo além do que somos e mais do que podemos.Daí que todo subjetivismo psicologizante pode cair num egocentrismo inócuo.Para se ser um artista "honesto" é necessário que se anule a personalidade, de forma a que uma nova personalidade se expresse , personalidade essa que deve encampar a generalidade e a universalidade.O resto não passa de masturbação egocêntrico-intelectual, narcisismo apócrifo e inerte.A arte só eleva quando visa se transcender.

O misterioso adamascado dos nus de Modigliani

vicissitudes políticas de um artista

ntas quebras, anti-convencional assumir certas convenções.Isto é meio paradoxal, como em geral são paradoxos as grandes consequências das convenções.Mas a vida social acaba sendo sempre um tecido de convenções e conveniências.Ou seja: paradoxal em essência.


VICISSITUDES POLÍTICAS NA VIDA DE UM ARTISTA
      Vi um documentário francês sobre o compositor russo Serguei Prokofiev, um dos grandes compositores do século vinte e um de seus maiores virtuoses do piano.Saiu ainda jovem e  promissor da Rússia, perigrinando por Estados Unidos e França em busca de reconhecimento, glória e, eventualmente, fortuna.Mal recebido no primeiro e muito bem no segundo, acabou por retornar à pátria russa,depois de muito tempo fora do país,  sabe-se lá se por não conseguir se ambientar no estrangeiro ou por saudade de amigos e do povo; em suma, não conseguiu se auto-extraditar em pró da carreira.Prokofiev era genial, talentoso e temperamental, difícil de fazer amizades ou política, coisa que ajuda na convivência nos eventuais covis que se formam no meio artístico.Voltou para a pátria em busca de reconhecimento, com esperança de ser saudado por seu sucesso e fama alcançados no exterior.Sempre se auto-afirmou como apolítico, julgando que o artista deve estar por fora dessas coisas materiais que nada têm a ver com o estético.Ledo engano!Embora justo, esse pensamento às vezes, ou melhor, frequentemente, causa danos por vezes imenso aos artista; não no que tange à criatividade, mas sim à sobrevivência.O mundo não é feito por artistas, nem para artistas e seus mundos construídos em sonhos, idealismos e óticas pessoais.Uma certa tendência anti-social os coloca contra os valores dominantes e, dependendo das circunstâncias, represálias de ordem social podem fazer com que eles comam o pão que o diabo amassou e cuspiu.A funcionalidade social impõe obrigações que podem violar as tendências e vontades profundas da alma.Sociedade, estado, preconceitos e perseguição tendem a barrar aquilo que ameaça os valores dos sistemas estabelecidos, variando o grau de tolerabilidade.E a tão essencial liberdade de criação pode até mesmo levar à prisão, quando não ao exílio ou loucura.O ser-homem-estético é distinto do ser-homem-político, embora possa haver influências múltiplas.Mas é o segundo que convive em sociedade, se alimenta e interage com o ciclo produtivo da riqueza e da materialidade do mundo e das coisas.Daí poder ser tratado como excentricidade ou perigo.No estado ideal de Platão o artista seria exilado, no fascista ou comunista-estalinista ,eliminado , a menos que colaborasse com a ideologia dominante do estado.De forma que o artista tem que ser “esperto” para perceber se o mar não está para peixe e de que forma ele pode nadar de acordo com a corrente.Caso contrário, pode entrar numa fria e, no caso de muitos russo, num frio siberiano de gulag , na época sombria do estalinismo.Hitler acabou, por exemplo, por produzir o maior êxodo de artistas criativos de que se tem notícia na História da Alemanha.Moscou era um dos grandes centros de vanguarda artística do mundo, durante os primeiros anos da revolução socialista, e tudo isso foi desmontado pelo “realismo socialista” imposto pelo novo czar bigodudo de discurso pseudo-marxista e seu bando de lacaios obscurantistas.Na vida é sempre assim, uma constante luta entre as forças da vida e as forças da morte.
    Prokofiev devia ser muito emotivo, pessoal e sem travas na língua.Mas teve que travar sua música e sua experimentação ao voltar à Russia soviética, em pleno reino do realismo socialista, da obrigação dos artistas fazerem coisas construtivas para o povo e de acordo com uma linguagem do povo(no fundo, linguagem dos burocratas que estavam no poder).Poderia ter ficado na França e, depois, emigrado de novo para os Estados Unidos com a guerra.Lá, em função do novo momento artístico por lá vivido, quem sabe fizesse sucesso e alcançasse reconhecimento.Mas, que fazer(por sinal, título de obra famosa de Lênin): as opções que tomamos são sempre cobertas de incertezas e imprecisões.O indivíduo é sempre tragado pela História, seja ele comum ou genial, como no caso de Prokofiev.Que, por sinal, em virtude de seu enorme talento, ainda conseguiu criar coisas de valor inestimável e excelente música, apesar da censura e perseguição do regime; coisa que só os grandes artistas conseguem fazer.Muitos outros desapareceram ou se mediocrizaram em função do medo e da conveniência.Prokofiev teve muitos afagos e rusgas com o sistema soviético.Imagino os tempos sombrios de pré-guerra, segunda guerra, guerra fria depois do fim dessa ...Parou de fazer seus diários por questões de segurança.Calou nas palavras mas não nos sons.
    Prokofiev teve, inclusive, a própria mulher – que , por sinal, era por ele quase que idolatrada; um pouco menos, é lógico, do que seu enorme ego – por ligações políticas suspeitas(tudo era suspeito naquela época sombria de guerra fria, pós segunda guerra!).Foi mandada a um gulag e Prokofiev  nunca mais a reencontrou, já que quando ele morreu, aos 62 anos e de derrame, ela ainda estava presa.Foi solta três anos após a morte do marido, três anos após a morte de Stalin que, curiosamente, morreu no mesmo dia  em que o grande compositor russo partiu desse mundo para as esferas musicais do desconhecido.Ironias da História.
     Após a morte do czar socialista, com a denúncia dos crimes estalinistas, com uma certa liberalização do regime(muito, muito relativa!) e com o fracasso estético absoluto do realismo socialista, Prokofiev foi colocado em seu lugar de direito na ordem correta de valores, dentro da história musical russa.No ocidente era mais valorizado do que na própria União Soviética, onde muitos artistas bajuladores e de talento infinitamente menor, gozavam de fama e regalias do regime burocrático.Admiro muito esses artistas criadores e inovadores que conseguiram resistir e criar durante anos negros de censura, de guerra, de fome, a demonstrarem o quão indomável é o espírito humano.
    Todavia, não podemos esquecer da ingenuidade de Prokofiev por meio de seu voluntário apoliticismo.Não conseguiu perceber para onde voltava e o que pagaria por isso.Levou para o túmulo as mazelas de seu sofrimento de artista censurado, embora tivesse acumulado sucessos na Rússia soviética.Mas o importante é que deixou música.Essa sobrevive a regimes e ditadores.
     Mário de Andrade dizia, em carta a outro Andrade, Carlos Drumond ,  que não adiantava mesmo, que o artista tem mais é que criar sua torre de marfim e dela não pode arredar pé, com risco de vê-la invadida, ocupada, devastada, saindo de vez quando dela, ora para jogar uma bomba aqui, outra lá, fazer um terrorismo esporádico,  vociferar contra um outro ali, mas nunca deixando-a vazia, desocupada, aquele pedaço de universo onde podia se safar do caos do resto.O velho problema da contradição entre o  caos sangrento e a  alma pura.
     Mas quantos e quantos feneceram ao relento sob os escombros de suas torres destruídas?Qual torre não está sujeita a um ataque?
     Mas que a ingenuidade pode prejudicar um artista, ah, isso pode sim.Principalmente quando ele imagina que seu apoliticismo servirá como salvaguarda contra as hostilidades de um mundo que não funciona de acordo com leis estéticas.Não precisa ser engajado, embora tenha que ter um outro engajamento: com a realidade.Isso é duro, é verdade.Mas é a vida como tal: sempre menos do que se quer, sempre mais do que se pode ter.

sábado, 20 de agosto de 2011

Alguns pensamentos soltos

    PENSAMENTOS SOLTOS
      De fato é mais fácil abrir mão de um sonho que soçobrar na tentativa de realizá-lo.Preferível então os sonhos impossíveis, cuja não realização não produz tanta frustração.Mas mais fácil então seria nos ligarmos a situações ou pessoas que nos impedem a realização dos sonhos, de forma a aliviar o peso da culpa.É preciso coragem para saber fracassar.O mundo é montado para as imagens dos vitoriosos e não dos derrotados.

Tragédia grega seria mesmo o caso de se conquistar e levar Vênus para a cama e, no dia seguinte, acordar com o Hipogrifo ao lado.O que demonstraria que não só a vida imita a arte como o mesmo ocorre com a mitologia.

Às vezes  precisamos de fingir um prazer para justificar uma obrigação  que, no fundo, existe para negar esse mesmo prazer.Para isso não é difícil a construção de um discurso que justifique uma ação que existe para praticar o que a nossa própria vontade não quer.


arte e forma...
Todas as formas de conhecimento acabam por ser conhecimento da forma.Toda forma é expressão de conhecimento, e todo conhecimento é forma de enredar a vida na existência do ser.Aquilo que se chama sublimidade da arte nada mais é que o sublime do sentimento em trânsito.Toda verdade artística é mais que verdade e menos que realidade,já que a verdade sempre oscila entre o silêncio da impotência e o ruído da esperança.Toda verdade de beleza é sempre uma esperança de reintegração com algo que se perdeu para sempre.A nostalgia sempre será uma verdade na arte.O artista é um feiticeiro sempre carente de novos poderes e de fé constantemente relutante.Toda arte é mais do que é e menos do que pode ser.A arte é a vida em transe.


      Como atualmente ninguém tem vocação para Joana D’Arc, pouca gente se consumiria em fogo pela realização de desejos como aquela o fez pela fé.Contudo, certas situações de loucura podem mesmo produzir estragos dignos de gato colocado em forno de micro-ondas.Nessas horas os limites entre normalidade e criminalidade podem ser muito tênues.

     Por não ter mais função sócio-econômica(exceto para lavagem de dinheiro nas grandes esferas), a pintura convencional condena quem a pratica ao risco do ostracismo, do anonimato semi-esquizofrênico do infeliz cheio de obras em casa que pouco ou quase nada rende, exceto a afirmação da individualidade do praticante.Gosto de pensar nisso e dar risada de mim mesmo.Afinal, pensando bem, é a sociedade que existe para o homem e não o contrário.Bem, pelo menos deveria...
    Como tudo , hoje em dia, é baseado na imagem, é um problema o excesso de imagem forçada por parte do artista que tem ojerija de flertar com a obscuridade ou anonimato.Daí, com licença do exagero descritivo, a grande quantidade de palhaçadas e excentricidades para valorizar aquilo que, por si só, não passa de uma tremenda palhaçada.E a carapuça está por aí, a ser livremente usada por quem quiser.
     A excessiva preocupação com a ordem é a morfina injetada pela ordem social na ordenação mental dos que rejeitam o excesso de ordem que ordena a infelicidade.Mas o excesso de ordem pode ser apenas uma variação de uma loucura bem ordenada.E de desordem em desordem vamos ordenando a vida.

    O estado de  desejo é como  o viver numa outra dimensão de tempo.O tempo(não cronológico) só pára mesmo quando o desejo se instala.Aí  não há outra opção: o abismo ou o céu.Talvez por isso nos droguemos, para evitar que os desejos sucumbam ao peso do cotidiano(quero saber que demônio inventou o cartão de crédito).Mas há desejos e desejos, como há amores e amores; quem sabe a dose de verdade que há em cada desejo ou amor?Mas quem sabe realmente o que é verdade?Ou mesmo  amor,  morte e esse monte de incerteza no céu?
Uma das características da modernidade foi a constante quebra de convenções, até chegarmos a um ponto em que se torna, em vista de tantas quebras, anti-convencional assumir certas convenções.Isto é meio paradoxal, como em geral são paradoxos as grandes consequências das convenções.Mas a vida social acaba sendo sempre um tecido de convenções e conveniências.Ou seja: paradoxal em essência.

terça-feira, 5 de julho de 2011

últimos pensamentos/ 5 de julho de 2011

Toda forma de amor é um exercício de liberdade, assim como toda busca de liberdade é um exercício de construção amorosa.Tudo o que se expande busca o infinito, o não limitante ou limitado, a liberdade como conjunção amorosa.


      A vida faz soar instrumentos nas salas de nosso corpo.E a morte uma grande canção de adeus aos ouvidos inaudíveis de nossa alma.E, quando percebemos os primeiros acordes, mergulhamos num silêncio expectante de sala vazia.Em silêncio e não em ruído todas as coisas acabam.


Sobre futebol: 
   O lado de beleza(usando-se impropriamente o termo)futebolístico, plástico e dinâmico, tem um efeito duplo na dimensão estética de um temperamento: se esse último for desenvolvido, aquela tem seus atributos exagerados ao extremo; caso contrário,  supre-se uma carência de sensibilidade por respostas exageradas.O raciocínio futebolístico é sempre hiperbólico.

Heróis de barro, heróis de mídia.Ainda necessitam-se de heróis, daí nossa pobreza e indigência na vida.Quando precisamos de heróis é porque nossa vida está plena de vazio; como na infância, quando precisamos preencher nosso imaginário com mitos e sonhos.Deveríamos ser heróis(por que não deuses, também?) para nós mesmos , antes de buscá-los em meios externos à nossa natureza íntima.
Prefiro um herói imaginário que nunca existiu  a um  existente  cujo heroísmo consistiu apenas em imaginação imposta de falso heroísmo.O heroísmo verdadeiro é despojado e não remunerado(salvo profissionais de salvamento, como bombeiros,etc).Daí essa bobajadas comuns que ouvimos pela imprensa afora, criando heróis descartáveis do esporte para consumo das massas que, heroicamente, continuam a levar sua vida vazia.

OUTROS PENSAMENTOS:

   Newton talvez tenha se valido da observação do cotidiano social quando imaginou pela primeira vez o conceito de inércia.

     A vantagem de se ser anti-social é a capacidade de socializar o seu senso crítico.Paradoxalmente, quanto mais se afasta da sociedade, o misantropo consciente,  mais dela se aproxima por tê-la como objeto de valor interessante.

     A contemplação da beleza é sempre desinteressada.Mas o excessivo desinteresse pode degradar a própria beleza.Para tudo sempre há um implicativo paradoxal.

    Cada dia mais me convenço que a contemplação profunda e emocionante de uma beleza feminina deve implicar em se abrir mão de qualquer desejo de posse.De certa forma, o ascetismo alimenta a sensibilidade contemplativa.E o que se contempla , o próprio contemplar em si,  é consciente, enquanto o desejo de posse é sempre fruto do inconsciente.
    Tudo que envolve intencionalidade implica em risco.Daí que a própria observação consciente, ato de pura intencionalidade,  é sempre um risco de integridade da própria fonte da intencionalidade.

Um moralista francês, La Rochefoucauld, escreveu de certa feita, com acento ferino, que a velhice era o inferno das mulheres belas.Diria que hoje o inferno das belas é o cirurgião plástico e suas promessas de eterna beleza e juventude.E o Mefistófoles, encarregado do aliciamento,  são as publicações femininas e seus pseudo-padrões de beleza.Uma forma sutil de encarceramento moral e psicológico.E sem direito a sursis...Realidade: não mais parirás teu filho com dor(desde que fora do sistema público de saúde!) mas continuarás sofrendo.

Reducionismo muito simplista este o  de dizer que o homem morre pela boca.Na verdade pode morrer por qualquer lugar e por qualquer coisa, inclusive por tédio.Como também por regiões mais meridionais de sua anatomia ...ou caráter.

Como em um tricô, certos relacionamentos produzem pontos defeituosos com os quais nos acostumamos com o tempo, chegando até à indiferença quanto a eles, pontos.Para consertar teríamos que refazer tudo.Muito trabalho, pouca certeza.Melhor ficar com a peça defeituosa?Na vida real todas as malhas são defeituosas.

Filhos ou conveniências apenas retardam a natural degradação do amor.O amor também vive  de carne, mas a carne do amor é feita de tempo.E o tempo não é eterno, tudo devora ou degrada.Tudo é um pouco como sal de frutas: início gostoso, efervescente, barulho e bolhas; sobra apenas um gosto azedo no final.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

O mito de fedra, uma maluquice feminina?

Se a vida imita a arte, o que diríamos então da mitologia?
Quem já não topou com uma Fedra na vida?Poderíamos transcrever o mito como sendo “como você pode se estrumbicar na vida por causa de mulher” ou “mesmo quando você está na sua, sempre aparece uma zinha no meio do caminho para atazanar seu destino”.
    Um conhecido meu diz que os helenos enfatizavam o amor homossexual por horror às tranqueiras do relacionamento entre homem e mulher.Seriam eles mais sábios que nós?Contudo, eles mantinham as mulheres em rédeas curtas, elas valiam menos que um cão de Ulisses(aquele sortudo que tinha inclusive uma mulher de fidelidade canina).Realmente não era mole ser fêmea na Grécia, exceto se fosse mitologia como deusa ou amazona, ou hetaira, pitonisa ou mulher de Péricles(dizem que ela era boa nos negócios do marido).
    No fundo, acho que a tal de Fedra não aceitava aquele tipo de rejeição e usou do artifício da calúnia, quase que imaginando    o pobrezinho do Hipólito  se ferrar.A versão teatral de D’Annunzio vai mais por essa via.A de Racine é mais idealizada.Gostei muito de um filme de Jules Dassin sobre o tema, com Melina Mercuri(que nunca ouviu nada parecido com a axé-music)  e Anthony Perkins(um ar entre sinistro e trágico, Norman Bates em clima grego).
     O mito vai mais pelo heróico trágico do destino inexorável.Mas seria mesmo?Essa Fedra realmente era uma mulher à beira de um ataque de nervos!Muitas Fedras transitaram por filmes de Almodóvar.
     Até que ponto vai a resposta a uma rejeição por parte de uma mulher? Senão , vejamos:

Pintura de Fedra por Alexandre Cabanel
Na mitologia, Fedra é a filha de Minos (rei de Creta) e Pasífae (filha de Helio, mãe do Minotauro), irmã de Ariadne, Deucalião e Catreu.
Deucalião, rei de Creta, como sucessor do irmão mais velho Catreu, decide que ela se casará com Teseu (rei de Atenas), que, segundo algumas versões, já era casado com uma amazona (Antíopa, Hipólita), a quem aparentemente tinha raptado. No dia da boda entre Teseu e Fedra, irrompeu uma guerra com as Amazonas, e estas foram derrotadas.
Antíopa e Teseu teriam tido um filho, Hipólito. O jovem era formoso e casto e Fedra apaixonou-se perdidamente por ele. Hipólito, devido á sua castidade e ao respeito pelo pai, rechaça Fedra.
Fedra começa então a preocupar-se de que Teseu venha a ter conhecimento do seu amor secreto e acredita que Hipólito é capaz de contar-lhe tudo num ato de fidelidade e honestidade. Para evitar que isso acontecesse, Fedra levanta uma calúnia contra Hipólito, fazendo parecer que ele é que a ultrajara e se mata por enforcamento. Teseu acha a mulher e vê que na sua mão existe uma placa onde fala sobre o ultraje.
Teseu, levado pela ira, manda desterrar o filho e pede a Poseidon a sua morte. Hipólito morre arrastado pelos seus cavalos. O trágico grego Eurípides encarregou-se de mostrar duas versões desta tragédia, da qual se conserva uma, que é a fonte mais conhecida do mito.
Imagino que a outra versão de Eurípedes fosse bem diferente mas, evidentemente, sem final feliz porque ainda não havia cinema nem novela entre os helenos da antiguidade.
  Hipólito seria um bom prato para psicanalistas, gastaria muita grana em consultório e só se resolveria, quem sabe, num monastério ou algum emprego para nerds.
Será que a vingança vem a cavalo?Mas muitos diriam que Fedra não intentava vingança.Eu, hein, é que não caio nessa...Mulher rejeitada, creio eu, poderia, caso tivesse poder,  destruir o mundo!Claro: Medéia era muito mais decidida...
Mas a questão central mesmo está no problema do incesto, essa proibição convencional civilizatória da nossa cultura, amparada pela lei estabelecida.Ainda que não houvesse relações de sangue entre Fedra e Hipólito.E embora para os gregos as questões incestuosas fossem problemáticas por questões de dinastia, no cotidiano, entre a plebe, elas não eram muito interditas, mais ou menos como nos recantos mais atrasados de nossa terrinha.Não consigo imaginar uma Fedra no reino do matriarcado.No reino dos deuses vingava aquela “putaria” toda que conhecemos, o famoso desregramento dionisíaco que fazia até rolar um sexo animal(zoofilia na forma de transformação em bichos.Vide exemplo de Zeus virando cisne para comer Leda.Mas alguém já viu o tamanho do membro de um cisne?)
Outro conhecido meu dá todos os dias, diz-me ele, louvações à proibição do incesto, porque só de imaginar-se sexualmente com a mãe tinha engulhos por  ser ela  a criatura mais chata(sic) do mundo.Bem,  ele que seja bem vindo ao clube...Todos se queixando da mãe e, no fundo, procurando por uma.E na velhice por uma enfermeira.Ai, ai,ai,ai!
   Ele que espere para casar para ver o que é chatice: transar com uma mãe imaginária para salvar os problemas edipianos não é mole, não.Mas o caso aqui não tem a ver com Édipo e sim com Electra, digo, Fedra.Ou do desejo independente da cultura e seus valores.Ou da rejeição, da necessidade de salvar a honra(?!), do “mané” que não aproveitou, do cara que não quis ser Lancelot, do orgulhoso rei que repudia o filho por mulher(sendo que para o grego o roubo de mulher equivalia a um roubo de propriedade, quase que uma espoliação de valores morais e espirituais).
 Mas, afinal, Fedra se apaixonou por Hipólito , pela castidade dele ou pela vingança  por Teseu não ter produzido o  tesão necessário?Teseu, entendido de Minotauros e não de vacas, agiu da forma mais convencional possível; não levou na esportiva e não enxergou a vantagem de ter-se livrado daquela maluca!
     A civilização grega findou sem responder a questão e empurrou o problema para os divãs da nossa, já devidamente complicada pelo judaísmo e  cristianismo.Mas livrai-nos das Fedras do mundo, amém!

quinta-feira, 16 de junho de 2011








     As pessoas são naturalmente desconfiadas frente a atitudes despojadas.Não é do nosso cotidiano conviver com a espontaneidade, exceto quando somos ativados por algum artificialismo químico.A máscara que carregamos é mutável de acordo com as circunstâncias ou conveniências de nossa sobrevivência.Com isso a desconfiança surge como mecanismo de resistência aos agentes externos atuando sobre nossos egos.O que chamamos de relações sociais é um emaranhado de interações de consciências.Essas, por sua vez, são condicionadas por impulsos represados pelos mecanismos  de controle social e civilizatório.É como se vivêssemos em uma peça sem direção e com roteiro indefinido, regido por um texto cheio de aleatoriedade.Viver não é apenas pensar para existir, desejar para se sentir presa da vontade, também  para existir.Viver é duvidar para existir, existir para duvidar.
     Sinceramente, fico em dúvida sobre tudo, não tanto pela minha capacidade de elaboração mental, mas sim pela grande capacidade de ilusão proporcionada pelos sentidos , iluminados pela surda luz dos hormônios animais.No fundo somos um amontoado de emoções mal conformadas, apenas amestradas.Toda emoção domesticada é emoção castrada.Por isso sempre me senti incomodado com a presença de animais domésticos, já que algo  de deformado ou deformante age na natureza íntima desses seres dependentes dos caprichos e mazelas do tão volátil temperamento humano.Tenho muita pena da dependência criada pelos animais.Nisso, o ar de desdém aristocrático dos gatos me fascina.Contudo, quem já não contemplou o horror da humilhação na cara de um animal ...ou de um ser humano?







     As pessoas na verdade não morrem; ausentam-se indefinidamente dessa vida d’aquém morte.


O ministério da saúde adverte: qualquer cidadão de meia idade pode ser acometido de síncope de ninfalepsia, a qual pode ser solucionada, sem problemas colaterais( exceto orgulho ferido), com terapia intensiva à base de pílulas de senso do ridículo.


A maior burrice consiste em acreditar além da conta nos limites da inteligência e na falta deles na própria burrice.Não querendo ser pessimista, mais difícil alcançar um manco correndo que escapar de cometer uma burrice.Parece que inteligência é escapar da burrice.Esta é o “grande espectro que ronda a humanidade”.


Se fôssemos mais rígidos em nossos critérios de julgamento e apreciação, considerando os valores éticos e princípios como elementos de constituição básica do raciocínio de âmbito social, poderíamos considerar que toda arte ruim é imoral; embora nem toda imoralidade se transforme em arte ruim.

        Se nem ao menos somos senhores de nosso destino, não arbitramos sobre a hora da morte ou do amor, nem escapamos dos gênios do acaso, como podemos ter certeza do que ocorrerá com o que produzimos?Mesmo o que vem ao mundo, ninguém sabe se será página virada e esquecida, talvez nem ao menos visto.Melhor ser visto do que previamente esquecido.No fim toda criação individual é fruto de um processo coletivo que deságua no individual para depois retornar ao coletivo.Afinal, não vivemos em sociedade e arte não é feita para a humanidade?Pouco nos importa se Homero era um ou muitos, mas que tenhamos a Ilíada e a Odisséia.De resto, tudo vã vaidade.

Não criamos do nada, embora para o nada voltemos.



        Não nos iludamos: por trás de cada “cavalheiro” pode se esconder um bárbaro, pronto para arregaçar as mangas e assentar o tacape na cabeça de alguém ou, mais civilizadamente, dar uma canetada que pode prejudicar a inúmeros.Entre o discurso oficioso de aparências e a ação prática efetiva pode haver uma distância abissal.Por isso, o “fair-play” é o anti-inflamatório da barbárie.

     Como dizia o Henry Miller, o diabo não precisa lá trabalhar muito; basta-lhe indicar os atalhos ou trilhos  que  levam  à beira do abismo.O resto se desenrola pela inércia usual de nossa natureza.


     Ora, viver esteticamente parece não ter muito valor se isso não se  reverter em outra forma de valor, capaz de adquirir coisas de valor discutivel; tão discutível  e relativizável  quanto se afirmar que beltrano ou fulano são pessoas de valor  por gerarem mais valor.Mas afinal, qual o valor de discutir isso?


   Ser exagerado é não ter limites ou não ter noção dos limites?Afinal, os limites entre o que se chama de bom senso e o ridículo são frágeis como uma bolha de sabão.E em muitas ocasiões temos que usar fraque e agir como chimpanzé.Nossos laços de parentesco com o primitivo ainda nã oram desfeitos.


     Outro dia li um  articulista dizendo que mulheres não gostam de demonstração de fraqueza.Afirmava: chore duas vezes na frente dela numa semana e sua namorada  o deserta.Um pouco  simplista para  meu gosto.Em todo caso não hesitaria: entre a namorada e o choro fico com o segundo, que é meu e ninguém pode tirar.Ao contrário da namorada que nunca é totalmente minha.


Sei que a circuncisão é praticada por islâmicos e judeus.Mas fico em dúvida se a prática não seria uma extorsão de Deus pela garantia da fé, ou se não seria uma forma primitiva de suborno em troca da garantia de serviços prestados pela providência divina.Tudo de somenos importância. Problema maior é o cortar outra coisa: a auto-determinação sem prestação de contas ao reino dos homens.Porque no de Deus, fica tudo no crédito.



Interessante que se critique tanto o narcisismo nas redes sociais.Ora, se todo fenômeno cultural compõe parte da superestrutura da sociedade, não vejo como um recurso de comunicação de nova tecnologia não espelhe a cultura dominante: individualista, apegada ao material e às aparências, pouco chegada ao raciocínio  de fundo e, essencialmente, narcísica.

Vejo muito se falar em Nietzsche  por aí, nos cadernos culturais, nas rodas intelectuais ou descoladas.Muito citado, pouco exercitado; diria mesmo que impossível de ser exercitado.Vivesse hoje e estaria, provavelmente, escrevendo, em algum hospício, livro de auto-ajuda para loucos, por achar o mundo de “fora”  demasiado desumano e desencontrado.


    Pode ser impressão minha, mas sinto  certa  misoginia consentida, assimilada pelo público, em boa parte dessas novelas de televisão, tamanha a quantidade de personagens “negativos” femininos.Seria pelo fato de que o grosso do públicos desses programas é feminino e são utilizadas as projeções fantasiosas de “competição” entre as mulheres?Trabalho para interpretação psicológica.Sei lá...


Pode até ser chato dizer,  mas minha vida particular não tem a mínima importância; como também sem importância  é a vida particular de todo mundo.Importante mesmo é o que é legado à civilização.E mesmo esta navega na própria sem importância  de poder desaparecer algum dia com o fim do mundo, independente  de calendário maia ou oráculos econômicos.


Confesso que tenho dificuldade de entender o espírito de um homem tolo, bem mais  do que entender as tolices de um homem espirituoso.


O  ARTISTA E A PUBLICIDADE

     Dentro das conquistas tecnológicas e culturais(?), podemos dizer que a publicidade é o viagra do artista contemporâneo.Não pode ocultar completamente a limitação daquilo que se julga de valor como criação natural.Mas ajuda o “espectador” a crer naquilo que lhe é apresentado como criação natural de valor.
     Quando Baudelaire escreveu os Paraísos Artificiais nem sonhava que algo parecido pudesse ocorrer no futuro.Outro dia li articulista afirmando que o viagra tinha contribuído mais para a humanidade que duzentos anos de marxismo.Exagero, sem dúvida, já que o marxismo nem ao menos tem duzentos anos.Mas vejo que o viagra dos artistas conseguiu em pouco tempo efeitos mais devastadores  que duzentos anos de mentalidade acadêmica.Afinal: chegará o tempo em que se amará ou se contemplará  às custas de viagras?


Sem motivos para muita inquietação: haja ou não vida após a morte estaremos unidos ao universo, seja da forma que for.E impossível não estar numa condição mais natural nesse estado do que na vida que levamos aqui nesse mundo.O fim do ego, isso sim, é a nossa grande inquietação...






domingo, 29 de maio de 2011

pensamento noturno 28 de maio 2011

Sábado, erraticamente vagando vagabundo pelas ruas da cidade ,atravessada por um cortante frio de inverno, sei lá se esse frio vem de fora ou de dentro; escapa mais uma aura de frio que me envolve mais que o gelo de fora.Pensar solitário, ao longo das calçadas burburizadas  pelos gritos e desatinos causados pelo álcool, para dentro de mim procurando aquilo que, cá do lado de fora, se torna insuficiente para a necessidade do sentir.Na multidão de abstrações, acabo por mergulhar no oceano desses sonhos impossíveis que surgem nesses passeios em que somos restringidos pelas possibilidades do real, enquanto o irreal se espraia ao longo do caminho, como esse vento frio que parece um pouco alter-ego do lamento que a alma derrama.Porque amanhã só restarão os sonhos possíveis e eu, sombra do sonho que foi feito e desmanchado nesse passeio noturno, serei apenas o prolongamento de um” poderia”, mais do que verbo, substância impalpável do que o humano é.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

complicações amorosas de um fulano de meia idade

Ora, vejam se esta historia não se presta bem a um roteiro de cinema:

O personagem em questão é um homem, entrando na meia idade, profundamente desiludido com as relações humanas, principalmente por ter uma índole romântica que sempre o colocou em indisposições várias com o mundo.Dizem que, hoje em dia, marca-se data para se deixar de ser radical ou contestador.Ou seja: maturidade virou sinônimo de conformismo.Nosso personagem não engole muito isso, pois acha que essa postura leva a um acomodamento que resulta em algum tipo de mediocridade.Mas, enfim, românticos são sempre meio desfocados das coisas e dos fatos.Houve até quem dissesse que o ser amoroso(no sentido mais amplo do termo) e o poeta são inimigos da produção e do lucro.Parece haver tempo determinado para o romantismo.Depois a pessoa precisa ser séria(!).Sério?!
     Nem precisamos dizer que nosso personagem é artista e, como todo romântico, investiu mais no espírito que no negócio da arte e, logicamente, se ferrou...no bolso.Coisas de nossa dimensão material.
    Chegara à conclusão, depois de muitos relacionamentos e inúmeras frustrações(alguém já viu um romântico sem muitas frustrações?) que o mundo do amor cerrara de vez portas para ele, agora que as luzes da maturidade já clareavam os arroubos da juventude.Mas nada podemos fazer quando ainda somos  habitados por demônios da juventude.Tinha que ser mais madura na forma de agir, mesmo num mundo infantilizado como o nosso.O grande problema que via, no entanto , é que muitos companheiros seus haviam pulado etapas e tinham apodrecido de vez.Mais fácil manter íntegro o corpo do que a alma ou o coração...Pensava que o mundo da contemplação e das idéias resolveria tudo.Quem sabe nem precisasse mais de sexo, já que a contemplação plástica feminina era sempre algo renovável e surpreendente.Isso tudo depois de um relacionamento razoavelmente fraternal e suficiente dentro dos padrões normais de relacionamento: companhia, sexo, programas, um pouco de amor mas...sem paixão.Sem dúvida com prazo de validade determinado que, neste caso, conseguiu se prolongar por alguns anos, já que nosso personagem não via lá muito interesse em exercer as tendências poligâmicas da maior parte dos machos da espécie.Certos acomodamentos podem resolver problemas da carne.Mas relacionamento sem projeto em geral dura pouco, já que o mundo de hoje prescinde da indissolubilidade do casamento.Mas a única coisa que consegue manter um casal unido é alguma forma de interesse comum, nem que seja apenas a continuidade e manutenção da espécie, o mais básico de todos.Afinal, casamentos são sistemas de acomodação de afetos, necessidades, desejos, economias e procriação, se for possível.Pode ter amor, pode se criar amor.Mas amor, em si mesmo, prescinde da instituição, seja legal ou não.
     Perdido na boemia, nosso personagem começa a ouvir mais as pessoas.Hoje em dia ouvir historias, dramas ou conflitos é atividade profissional.Quem não quer um bom ouvido de graça?É só dar trela e o negócio vem.E ouvir mais as mulheres, inclusive, já que está mais interessado nisso, naquele momento, do que em comê-las.Nem mesmo se dava ao trabalho de estabelecer  fiado, o que demonstra uma certa alteração de sentir e perceber as coisas, por parte de nosso personagem. que o coloca em indisposição com o senso comum masculino que prega uma postura onde a mulher se transforma num ser invisível, materializado apenas pela imposição do desejo masculino.Claro, outros homens não podiam saber disso senão ele seria chamado de brocha, já que não é psicoterapeuta nem homossexual.Para os homens tudo é mais fácil pois, afora idealistas ou artistas ou românticos, esse assunto de amor é mais simples do que dizem as mulheres, segundo a maioria dos sapiens masculinos:poder, dinheiro, sexo, tesão, ódio e uma adequada dose de desprezo, para manter aceso o masoquismo feminino.O problema é que ninguém os tinham avisado de que as mulheres começavam a compartilhar dessa objetividade, já que elas devem ser mais realistas por uma certa imposição biológica ancestral.Nosso personagem, como todos seus companheiros de sexo, está numa sinuca de bico histórico, cultural, social e sexual.Mas é um romântico.E, como romântico, não escapará das teias do eterno feminino e seus meandros de maciez e paz prometidas, tal como canto de sereia tentando enfeitiçar a  Ulisses.Mas Ulisses era um realista e não um romântico.Aliás como haver romantismo na Grécia antiga, onde a mulher era tratada um pouco melhor que um cachorro?Contudo, houve  Tróia...
    Saiamos dessa aridez semi-ensaística e voltemos a essa espécie de reencarnação do personagem central do Lobo da Estepe de H.Hesse(aquele que não queria saber das futilidades do mundo comum e muito menos da superficialidade feminina, embora soubesse das profundidades envolvidas no sexo) em que nosso personagem estava se transformando. Sabem como é:às vezes a vida imita a arte.Muita literatura pode instalar toxinas na alma.Muita música romântica, poesia romântica, muita patologia e morbidez romântica.Como entraria a brutalidade da carne nisso tudo, o poder dos infalíveis instintos que nos espreitam a todo instante?Ainda mais em nosso mundo de vulgarização sexual, tanta carne feminina oferecida por aí, um desrespeito aos próprios sentidos seletivos, sexo fácil, pouco compromisso e muito pouca coragem para se envolver ou firmar pacto afetivo, logo amoroso?Grande problema, ainda mais para um chato e idealista amoroso.Dizia a si mesmo: um homem independente é um homem que é independente das mulheres, do miasma do mundo feminino e de sua fluidez desconexa, sem sentido ou profundidade.Nada mais lamentável que o sedutor contumaz, o comedor, esse sim o mais dependente das mulheres, pois sua vida não tem sentido se sua virilidade(a básica, não a da alma)não for confirmada frequentemente.Uma postura mais adequada para uma situação de excesso de hormônios.Na meia idade, nosso personagem já via muitas vantagens nesse iniciar de fenecimento testosterônico que provavelmente já devia acometê-lo.Ah, a ansiedade juvenil...Todavia, acrescente-se que nosso personagem não foi um jovem muito padrão.Não se esqueça:sempre fora um romântico, desde a mais tenra idade.Talvez até tivesse um gene romântico, vai lá saber.E, como todo romântico, não aprendia direito as regras do estranho xadrez que as mulheres jogam.Nunca saíra da fase do dominó, como quase todos os homens, menos os sem caráter.
     Mas romântico que é romântico nunca perde a pose nem o conceito.Conceito romântico que faz de si mesmo.Nisso torna-se um fascínio e um problema, para si próprio, para os outros e até mesmo para as mulheres e sua inevitável praticidade.O romântico nunca se livra do território dos sonhos e de sua ânsia de expressividade natural.Isso se realmente for um romântico e não um “emocionalista” vulgar, essa farsa de romântico do mundo comum .Porque, para o romântico autêntico, se a coisa é preta aí é que ele encana mesmo.Aquela busca do desejo que não se satisfaz, tem quase que por sentido se prolongar.E tome sofrimento nisso.Nas mulheres produz frequentemente aquela melancolia de Maria Madalena perdida em sua auto-expiação.Nos homens, não raro, a patetice que fazia a humor dos deuses.Para alguns até mesmo a loucura.O romântico nunca pode ser um “comedor”.Só pode ficar preso ao eterno feminino e não ser dependente das mulheres como o “comedor”.E tem que sofrer muito, incauto estulto, nas mãos de mulheres, um masoquista sombrio.Só se tira alguma coisa de útil disso tudo se virar arte.De resto é caso de sanatório psiquiátrico.Porque só mesmo a arte, no frigir dos ovos, é o que fica.
     Resolvera então nosso personagem sair desse charco emocional e filosófico.Bastava!Sejamos práticos, dizia a si mesmo.Então o caminho era o ceticismo e o ascetismo.Só sofremos se nos submetemos aos nossos desejos, não é mesmo?Pronto.Equação resolvida.Viver era querer.Querer era sofrer.Logo viver era sofrer.Sem querer não há sofrer sem que, contudo, deixemos de viver, porque a vida é mais forte que tudo e age por cima de nossa vontade, queiram ou não todos os idealistas filosóficos do mundo.Mas se o motor da vida é o amor, o gênio da espécie manipulando homens em falsas livre-escolhas que objetivam uma espécie de aprimoramento do que se é na própria vida, então a equação não se fecha.Nem se abre.Um idealismo acaba matando o outro.
    Essas mirabolices teóricas infestavam a mente de nosso personagem, no intuito  de afastá-lo das demoníacas plasticidades carnais femininas, obsequiosamente expostas em seu cotidiano.Afinal, nosso personagem não podia ficar trancado o tempo todo em casa.Ninguém é de ferro.Mas para as mulheres, dizia ele orgulhoso, seria de titânio!Pobre personagem!Esqueceram de avisá-lo que  cinza é a teoria, verde é a árvore da vida.Tudo isso desaba por terra sob a graça de um simples olhar.Afinal, nosso personagem nada mais era que ....humano.E, como qualquer humano, nunca estava preparado nem para a velhice, nem para a morte, nem para o amor.No caso dele, para uma conjuminação fatal entre um nascimento de um amor e um renascer de um amor antigo.Num prazo curto de tempo.Céus!Sobreviveria ele a essa hecatombe sinistra do coração?Quem está preparado para os mistérios do coração ou para amar uma mulher?E quem está preparado para amar duas mulheres ao mesmo tempo?Seria possível?A pergunta adequada:seria suportável?Já vejo os deuses se debruçando sobre as amuradas do Olimpo e se divertindo com nosso marionete de carne.O eterno feminino capturaria a presunção masculina.
O palco estava montado.
     Na rua passeia nosso personagem em noites frias de solidão.O tempo voou rápido e ele não pode mais agir como criança.Mesmo vivendo num mundo infantilizado como o nosso.Em cada passo uma busca de certa placidez da alma.Onde mulher entrava nisso: precisaríamos dela para nos livrar do inferno e também para nos infernizar.Nosso personagem caiu mais na capetice em seu passado, optando pela servidão voluntária aos rigores do inferno.Exceto algumas, suas ex-mulheres tinham, redundância, parte com o demônio.Também, qual mulher que não tem?Ou qual homem que não quer?Se só houvesse tédio no paraíso, não estaríamos aqui.A maçã foi o alucinógeno da época.
     Nosso personagem estava convicto que, seguindo o espírito da época, não corria risco de se apaixonar ou sofrer das velhas mazelas do amor.



    Coração secando, mas grávido de todos os sonhos de... amor.Não esqueçamos da patologia romântica do infeliz.Ah, a arte, a arte...Ah, mas o dinheiro, o dinheiro...Talvez fosse melhor na época dos cavaleiros andantes.Patético, não?A alma pura contra a vulgaridade do mundo moderno.Chato, não?
    E nosso personagem pensava, pensava.Como pensam esses românticos!Deviam se alimentar do sol ou, melhor, da luz da lua.Esse tipo de gente é meio perigosa para a sociedade.Se a moda se espalha a máquina para.O sonho, a arte, a arte...o dinheiro, o dinheiro.E o amor.Ôpa!Amor?Sem discussão!Nosso personagem estava atrás do Eros transcendente, o criador da vida e  de cidades,o desejo que não se satisfaz e apenas se prolonga, para elevar a alma do corpo e suas limitações sensíveis, a um estágio  de pureza e ordem ideal, digna de Platão nenhum botar defeito.Onde entra o cartão de crédito nisso tudo são outros quinhentos.
     O problema era o choque “entre a alma pura e o caos sangrento” da vida, como dizia um poeta. Diabos!Tinha que ser um poeta para dizer isso!
     As quatro virtudes: coragem, sagacidade, compaixão e solidão. Haja saco para exercê-las!Sonhador não muito jovem soa meio ridículo, não?Preservar a sanidade em meio à insanidade preponderante. Mas e se essa insanidade é que mantivesse a máquina do mundo funcionando?
    Crente de que o amor não passava de uma farsa cultural, onde ele inclusive embarcara, possessão dos instintos de acordo com os interesses da mãe natureza e de sua vassala mor, a mulher, considerou-se invulnerável, embora  triste.Como a saudade de algo que não se viveu, ou da posse de algo que nunca se teve.Mas já sofrera muito por amor.Bastava!A razão alimentaria o corvo que diria: nevermore!A coruja de minerva não seria empalhada. Eros satisfeito, a morte triunfante?Nem mesmo Dr.Freud tinha a solução. Quem tinha?Fruir sem desejar. Mas como?Talvez se alienando de si mesmo. E a consciência da morte lembrando da efemeridade de tudo, quantos conhecidos já estando nos mundos sem resposta. O amor como resposta ao medo da morte?Talvez apenas uma crise de queda hormonal, vai saber...

   E o medo de saber que já não podia se dar ao luxo de ter medo por não ter nada a perder.Mas o amor, aquele que nos faz ridículos e diverte os deuses, esse não podia vir, em hipótese alguma.Só faltava essa, a essa altura da vida?Mas quem sabe o que acontece nos meandros do destino?As parcas têm um estranho senso de humor.QUEM  DOMINA O CORAÇÃO?
      Pobrezinho...Caiu.Pior: de novo.Pior: na idade dele seria um risco maior.Quisera agir nas emoções como na arte, seguindo os cânones clássicos.Mas românticos têm muitas dificuldades com o classicismo.Como ser clássico e romântico em matéria de amor por uma mulher?Na música, na pintura ou na poesia, sem problemas.Quando o negócio é amor, tudo se embaralha e as regras logo se transformam.Aquilo não se resolveria como arte, embora a arte também viesse do amor.Não seria um clássico.Quando muito seria um cubista.Mas não tinha jeito: sabia que descambaria logo num Van Gogh ou num expressionista abstrato.Necessitati datur vênia.Necessidade não tem lei.Ninguém é criador maior de necessidades do que o amor.Nenhuma necessidade é maior do que amor.Isso para românticos, claro!Esses subversivos da normalidade!Descobriu-se o pateta que era para si mesmo em sua mentira.Nem ioga, nem budismo, nem qualquer credo filosófico iriam ajudar.Nesses casos a única esperança é que o tempo corra logo.Mas o problema é que quando o amor surge o tempo para.
     Caiu, de cabeça: na ilusão, é claro.Como convém ...aos românticos, é claro.Sabe como é : o desejante acaba desejando mais o desejo que o próprio objeto de desejo.Uma forma elegante de maluquice.E a dor acaba por alimentar o desejo, como se presta bem a um romântico contumaz.
     Quem entende a cabeça de uma mulher?Quem entende a cabeça de duas mulheres?Quem entende a cabeça de duas mulheres...confusas?Entenderam?Bote aí um romântico idealista e está feita a mistura explosiva, detonando qualquer barreira de bom senso.
     Quando surge a necessidade de amar, dentro de alguém, muda-se todo discurso.Ou seja, o ser amoroso ressurgente(no caso de nosso personagem) vê em qualquer indício, pela paixão ou pela idéia, uma manifestação absoluta do destino, uma forma de fugir do vazio e da frieza de uma vida sem objetivos ou de cotidiano emocional árido.Tudo pode virar uma tábua de salvação, a última esperança em vida.Isso para qualquer normal.Para um idealista romântico isso pode significar uma salvação do próprio sistema solar(que, por sinal, já é condenado) ou do próprio universo.
     Foi aí onde começou o périplo de incertezas de nosso trouxa, digo, personagem.


     Roteiro: duas mulheres mais jovens,uma dezessete e outra vinte e cinco anos menos que o infeliz personagem.A primeira um ex-relacionamento de cinco anos, desfeito há pouco mais de quatro.A segunda uma companhia de alguns encontros, uma grande empatia relevada e revelada , uma investida que sempre foi encarada com relutância, por ele.Não era tanto a juventude quanto a excentricidade dela que o cativava, embora o ditado diga que o leão velho aprecia mais a carne fresca.É claro, contavam algumas particularidades especiais da moça: por exemplo a tendência a baixar uma pomba-gira sob o efeito do álcool.Nada incomum: já vira muitas mulheres que enlouqueciam sob o efeito do C2H5OH.A primeira vez que a viu estava embriagada e dando em cima de todos os homens do bar.Como não embarcar numa fantasia encarnada numa mulher como esta?Não esqueçam: românticos adoram desregramentos.Sóbria já não era a mesma coisa, embora mantivesse a beleza, mas bem mais pueril e inocente.Ah, as perdições que se ocultam na alma feminina...
     Maldades fora, a moça, aos seus olhos, era uma graça.Maluquinha, maluquinha.Mas a loucura é sedutora.Quem não sonha despencar num abismo de vez em quando?
      Sua ex, a de relacionamento de cinco anos,  foi revista por acaso.O fim do relacionamento entre os dois se deu de forma fria, embora realista do ponto de vista feminino.Sempre que a encontrara em outras ocasiões evitara de falar ou puxar conversa com ela.Havia ainda muita mágoa pela maneira com que ela desmanchara um relacionamento longo de cinco anos.Por achar que ele não queria casar ela desmanchara por telefone.Prático, sem dúvida.É que ele não tinha e-mail na época.





Um dia encontraram-se por acaso, numa madrugada em que todos se recolhiam.Ela o parou na rua.Ele hesitou.Pensou em dar desculpa e dar no pé.O que falar depois de quatro anos e uma desfeita daquela?Sentaram, conversaram e, para surpresa e alegria dele,
  percebeu, após o reencontro, que ainda... sentia amor por ela!Ou alguma coisa que lembrava amor.A necessidade de amor pode criar muitas ilusões.Revelação estranha, já que o fim do relacionamento tinha sido estúpido e desumano para ambas as partes, embora inexplicável(ou não?).No dia seguinte ficou perturbado, como se tivesse presenciado algo de misterioso e perigoso, na noite anterior.Falando com amigos, quase todos o incentivaram que a procurasse.Porque não apostar na possibilidade da felicidade...ou da tragédia.Botou na cabeça que ainda podia tentar voltar com ela.Sabe-se lá o que se passa na cabeça de uma mulher...E na dele também.
     Durante duas semanas ficou ensaiando uma forma de reencontro, algum tipo de reaproximação.Usou dos abomináveis e elípticos “torpedos” telefônicos.Respostas razoavelmente positivas.Ah, esperança, sangue que alimenta a alma e o vértice do coração adormecido!
     Mas eis que num certo dia, meio por acaso(essas coisas são sempre por acaso!), uma moça,nada mais nada menos que a maluquinha, por quem tinha muita simpatia, certa atração, um bocado de receio e pouca esperança, tendo saído algumas vezes com ela , lhe telefona.Saem.O passeio, como os demais,feitos ao longo de um período de muitos meses, fora muito agradável.Ah, o problema do olhar feminino!Ah, o problema de quem entrou na fase de se encantar com a juventude como alguém que encontra o prazer da primavera após o inverno.Além do mais, como não ter carinho pela única mulher que lhe mandara uma mensagem durante o último natal?
      Por  ser bem mais jovem não podia evitar de vê-la com um certo ar paternal.Mas era mulher.E, nos últimos tempos, afora as mais velhas que ele, não conseguia deixar de ter postura paternal com mulheres.Dizia: no fundo são todas umas crianças mimadas, algumas brincando com bonecas de carne e osso.Homem, entrando em meia idade, começa a ter ar mais paternal, mesmo que não tenha tido filhos.Embora sempre com leves impulsos incestuosos, querendo ou não.Afinal, ainda é homem.
     Não havia jeito.Já estava meio encantado pela moçoila.Na verdade, talvez já tivesse se encantado na primeira fez que a viu.Mistérios do coração.Mas tinha certeza de que seu bom senso evitaria qualquer precipitação que o jogaria, por medo, numa tremenda fria.Além do mais, havia o projeto de retomada com a ex.Por isso, quando a jovem o convidou para ir a seu apartamento, não teve receio.O homem titâneo sobreviveria!Resultado:noite de maravilha e encantamento com a moça.E ele nem ao menos havia bebido.Fundamental para exercer o controle.Que controle?Quem controla um coração encantado.Tudo conspirou para um inevitável desenrolar.Nenhum Parsifal  de pureza irrepreensível resistiria à situação.
    Pouco depois, agora não por acaso, envereda num curtíssimo romance de uma semana com a  jovem.Meio sem querer mas ao mesmo tempo querendo tudo.Mas que fazer, tudo conspirando.Fica apaixonado.Talvez já tivesse se apaixonado na noite em que a  viu embriagada.Um demônio em seu interior queria dialogar com o demônio dela.No final de semana, alma exultante e coração a mil, um novo homem em seu interior.A sua ex naquele momento voltara para o sarcófago do passado.Um mundo novo se abria para ele.No domingo, abominável torpedo(para ele esperançoso): há um e –mail para você.Entusiasmado imaginou coisas belas e foi para o computador, cheio de ansiedade.Abriu.Viu.Viu de novo.Releu.Releu de novo.Ela desfazia o relacionamento .Relacionamento rápido. Processo rápido: e-mail. Afinal ela dispunha de um instrumento não acessível para a  ex,há quatro anos.Fica estarrecido.Nem telefona para ela.Apenas responde : tudo bem, nada a fazer, eu queria algo sério, mas entendo as razões, seja feliz.Nosso personagem evita o rancor, foge do orgulho tosco e inferior.Afinal, ele é um idealista.Tem que se mostrar maduro.E como homem maduro faz o que deve fazer: chora muito a frustração.Já começa a computar o tempo que levará para essa paixão sumir.Pobres e tolas pretensões da razão.

     Furiosamente ele usa o processo analógico da carta escrita, via correio, onde diz o que sente e confessa sua paixão e desespero.Pronto.Mecanismo acionado.Daí não tem volta.Tem vontade de morrer.De ir para Marte ou Pólo Norte para enfrentar ursos polares.Não há alguma guerra disponível que aceite voluntários?Ela responde, não analogicamente, em carta(via mensagem por celular, sinal dos tempos) questões de diferença de idade e medo de ter que enfrentar problemas com isso.Será?Sabe-se lá o que se passa na cabeça de uma mulher insegura e confusa como ela.O infeliz fica desesperado, usado, abusado, etc e tal.Crise total de melancolia e abandono.Cartas, mensagens, silêncio e dor.Nada a fazer.Mais uma vez enlaçara-se em sua própria teia de ilusões.Ela ligara o start e dera no pé.Dizia um moralista francês  que quando se ama uma mulher é quando se está mais próximo de odiá-la.Provavelmente isso tinha a ver com o amor paixão.Como todo romântico e artista não podia deixar de estetizar o que sentia.Cartas e cartas e poemas, a maioria de qualidade duvidosa já que eram mais regidos por Dionísio que por Apolo.E quando os dois não andam juntos o resultado não costuma ser bom.Claro, procurava racionalizar em vão sua paixão.Era sexo, apenas sexo.Seria?Uma oxigenação concentrada alimentando a libido indolente?Hummm.Quem sabe?Seria?O problema era a sensação de estranha beleza que envolvia isso tudo.Quando não se sente ternura é mais fácil.Esse era o problema.Quanto tempo duraria, o que restaria disso?Dormir e acordar com a lembrança dela e tudo o que se referia a ela.O que sentiria ela?Projeta-se idealisticamente, principalmente quando se é assaltado pelo romantismo, no outro o que sentimos em nós mesmos.A paixão sempre é afirmação de um ego tendente ao totalitarismo.Nesse caso o amoroso e passional tende a extinguir-se por si mesmo.No fundo, essa patologia disfarçada gostaria de virar Tristão e Isolda, acordes wagnerianos envolvendo em púrpura sombrio esse espetáculo de patetismo outonal de nosso personagem.O passional vira um chato obsessivo.Quem agüenta o cidadão num caso como esse?Pior era agüentar suas teorias psicologizantes que tentavam, mania de nosso personagem, explicar o porque daquela ruptura.Haja, para seus conhecidos e seu espelho!
     Um mês de tortura.Tem que fazer algo.Tem que botar outra mulher no lugar desta.Solução que seria sensata e lógica desde que fosse a mulher certa.Mas o que seria essa mulher certa.Nosso romântico precisa de dificuldades abissais.Eureca!A reconquista da ex perdida.Mal sonhava ele como esta já estava perdida, inclusive para ele.

    Para salvar o dia, para não dizer a alma, vai atrás dessa ex, com quem já teve planos matrimoniais no passado , meio vacilantes mas concretos.Porque não reavivá-los de novo.Com o tempo a paixão pela outra seria submersa por motivos superiores de um relacionamento entre um homem e uma mulher.Sim:casar e levar uma vida tranqüila.Por que o casamento seria um grilhão para o espírito, um lastro para a imaginação de um artista?Não era mesmo boêmio e não tinha aquele fascínio de cotidianidade pela noite.Um pouco de aburguesamento não lhe faria mal.Estava maduro.Mais um pouco e apodrecia.A tábua de salvação!Se  livraria daquela paixão infernal.Aquilo tinha sido apenas o furor da carne e abstinência.Mas seria mesmo?Só o tempo diria.Mas urgia retomar o projeto casório.


Com a dor da perda da primeira na cabeça iria atrás da segunda.Velha fórmula masculina.A velha máxima: o tempo resolve tudo.Além do mais,dizia, a mais jovem    era muito mais jovem, só iria dar problema, seria ridículo,ficaria enjoado(como se todos os homens, em algum momento, não enjoassem de todas as mulheres...), uma floresta de preconceitos e lugar comum de todos os lados, o direcionando na busca da outra, aposta mais correta segundo o bom senso(?)  dos amigos da onça de plantão.A mais nova era maluquinha, confusa, imatura(como a maioria de todas as mulheres, diria nosso personagem).Mas o infeliz está perdidamente apaixonado por ela.Que fazer?Obviamente não seria Lênin que teria a resposta.
        Meio desenxabido e quase sem esperança, tenta contato com a ex, após um mês de sofrimento, cartas e mensagens sem resposta,por causa da paixão guilhotinada.Mas a ex reluta em manter contato.Nosso romântico, como bom idealista, cheio de conselhos ruins de outros bem intencionados, cisma que ela ainda o ama.Sim: simplesmente porque ele quer assim,ora bolas!
         Após uma carta, consegue, após longa negociação(afinal, ela é advogada), um encontro , coisa que o deixa exultante e pleno de esperanças.A outra, momentaneamente, em algum escaninho do coração.O tempo.O tempo.
     Grande roubada!A segunda,a ex que tanto sofrimento lhe infligira com a separação telefônica, é recém-separada, está confusa e de auto-estima baixa.Mas pensando bem, para ela, não seria má idéia ser cortejada por um ex-namorado.Dá mensagens dúbias e, por acidente, constata o nosso personagem, num flagrante imprevisto, que ela ainda mantem  algum tipo de relacionamento com o ex.Ela diz ao nosso personagem que não quer voltar com ele, embora num dia ela  lhe telefone para perguntar como está.Conclui: em quatro anos nunca me ligou.Isto seria um bom sinal.Já estamos no estágio de delírio, quando a pessoa começa a acreditar naquilo em que ela precisa acreditar, sem ter correlato com a natureza.Os amigos da onça de sempre lhe dizem que mulher que não tem interesse algum não liga mais.Infelizmente esqueceram-se do narcisismo feminino.Afinal, é sempre bom ter algum na cola, mesmo que não se goste mais dele.Durma-se com um barulho desses.O cidadão fica perdido, age romanticamente(como não fazê-lo, logo ele), faz cena de ciúmes, manda cartas,flores na madrugada,  declarações,toda cartilha de corte, resolve até pedi-la em casamento, vai no cartório e vê documentos, pede para a mãe consentimento para casar com a filha, o escambau e o diabo a quatro.Sente que ainda gosta dela. Quer pelo menos acreditar que ainda gosta dela e, pelos poderes imaginários romanescos do destino, ela ainda gosta dele,que
poderia encarar o casamento sem problemas.Combina com ela, por telefone, que quer declarar pessoalmente o que sente e suas intenções.Tem um problema, contudo, durante as mensagens para não confundir nomes e invocar o nome da outra sem querer.Numa ocasião, quase faz isso.Quase manda um torpedo errado, coisa que produziria um naufrágio imprevisto.
     Diz , então, que  ela marque o dia.Os dias passam, o tempo passa, o vento passa, as folhas tombam e nada de contato.Conclui que seu silêncio já era resposta.Resignado fica num ostracismo de silêncio interior.Já perdeu uma.Porque não perder a outra.Numa festa, por acaso,  encontra a ex e ela age como se nada de sério tivesse havido nesse tempo, como se nada de sério ele tivesse para falar, apesar do dito em cartas e   por fone.Uma amiga o incentiva a chegar num canto, puxar conversa e falar sobre o assunto.Mas olha num canto escuro da sala e vê a sombra de sua paixão.Hesita, para.Não falará nada!Sem contar que já se declarara na casa dela, até mesmo assumindo a culpa pelo não casório no passado(uma injustiça contra a verdade).Diriam alguns que declarava para uma o que desejava declarar para a outra.Fez isso sem saber.Cabeça em alvoroço, o sentimento amoroso, como um diabo autônomo, agindo como um fecho furioso de elétrons bombardeando seu coração como um mísero núcleo de hidrogênio.Uma lua infernalmente prateada no céu , a lhe dizer que seu destino em verdade não lhe pertencia.Ele pertencia apenas aos demônios que foram despertados em seu interior.Anjos e demônios lutando por nossa alma, roubando nossa paz, as esperança de felicidade cegando a razão.

     Duas perdas, dois sonhos desfeitos em pouco mais de dois meses!Ou um sonho e o sonho de se livrar do primeiro frustrado?Nesse tempo ficou com a cabeça em parafuso: apaixonado por uma e ainda sentindo amor pela ex.Ou pelo menos tentando acreditar que sim.Tentou ser racional, não conseguiu.Sonhos misturados.Sua vida parara.Não conseguia pensar em mais nada.A necessidade de amor, tentáculo invisível da natureza cegava o infeliz.Todos diziam:ele pirou de vez!Para ver se  tirava de vez as duas da cabeça, imaginou até bater com a cachola na parede.Pior:sentia-se culpado por ...amar duas mulheres de uma vez!Realmente, um crime extraordinário!Se fosse trair duas de uma vez, tudo bem, mas...Como se isso fosse um crime contra as leis morais ou éticas(mas há ética quando o assunto é amor?).Tentou odiar as duas, não conseguiu.Escreveu, escreveu, cartas imensas tratando-as como deusas ou divindades.Um mês para tentar esquecer uma, outro mês para tentar a reaproximação com a segunda.Reflexões sobre o amor, Barthes, Stendhal, poesia, poesia, poesia.E um monte de concertos românticos e dramáticos inundando suas madrugadas insones, enquanto escrevia os horríveis poemas comuns de um apaixonado, amoroso, confuso, perdido, obcecado.Muito conhaque e um monte de palpites desencontrados de todos.Parou seu fazer artístico.Só escrevia.Ora pensava numa, ora pensava noutra.A paixão pela mais nova era recente, doía muito na carne.Mas a ternura pela ex ainda era uma chama viva que aparecia como uma promessa de futuro.Tentava imaginar o que se passava na cabeça das duas.Conjecturas malucas.Ah, se pudesse ir a outro planeta...E ele nem ao menos sabe bem o que elas sentiam por ele.Elas eram muito fechadas e reticentes.Como podia perder-se tanto por duas moças tão imaturas, infantis, fechadas e quebradas por dentro?Pronto: seria o Lancelot  salvador da princesa perdida em sua própria solidão e fragilidade.Paternalismo tardio por duas crianças covardes:uma desmanchara por telefone e outra por e-mail.Isso dizia tudo.E sempre , o coitado, fora acusado de orgulhoso com as mulheres.Quisera saber ele o que fizera, o que ocorrera com seu orgulho com essas duas.Amor exige rendição incondicional.Durante o pedido(a tentativa de) já imaginava como deveria contar para a outra , sua recente paixão, que ia se casar.Mas a outra lhe dera o fora!O cidadão estava desalterado de vez.
       Resolve, então, apagar de seu coração a ex-pretendida-matrimonial,  a partir do comportamento confuso e covarde dela,apagar de sua vida ou de objetivos.Escreve carta onde diz que desistiu do pedido por achar que não ia dar certo,nem hoje nem há quatro anos atrás.Além do mais, fazer o pedido numa festa acabaria por gerar a idéia de que estava bêbado.Afirma não se sentir culpado, nem antes, nem agora e que , para ele, afirmava,
 textualmente, que desistia dela de vez.E sabia,  pessoalmente, olhando para o fundo do coração, que seria de vez mesmo.Fizera o certo:tentara.Ficaria surpreso ao sentir que, depois de entregar a carta, se sentia livre.Em poucos dias a imagem da ex sumia.Na verdade, já desaparecera há quatro anos.Não passara de uma exumação de cadáver, espécie de transferência para uma jazigo permanente na memória.
      Ainda apaixonado por uma outra que o largara um pouco antes.Ela que encerrara qualquer forma de contato por mais de dois meses, uma semana antes da festa decisiva do encontro ocasional com a ex,  encontrara-se com ele.Nosso personagem sentiu o óbvio: era apaixonado por ela, sentia muito amor e carinho por ela, estava ainda louco por ela(coisas de homem rejeitado, é claro).Fez declarações despojadas, segurando suas mãos e olhando para seus olhos,banhados pelo crepúsculo envolvido em néon num café.O pior é que suas palavras eram de absurda sinceridade.Ela é sincera também, ao lhe contar que estava com novo namorado.Mas já tivera caso com outros dois.Em dois meses?!E ele se preservando em sua pureza de vestal romântica.Sentira-se por dentro traidor por ter procurado a ex para um projeto inevitavelmente matrimonial, embora, no fundo, ainda estivesse mergulhado numa paixão de caráter quase juvenil.Sentia-se o mais ridículo e confunso dos homens.O pior idiota é o que se convence de que sua idiotice é ética ou sábia.Nada como um dia após o outro, uma facada após a outra.Tenta lhe dar um beijo.Ela evita.Oferece a face.Afinal, não bebera, estava controlada.Agiu convenientemente como uma adolescente cândida.Se ele agisse logicamente levantaria e iria embora, dizendo-se ofendido.
     Mas como botar lógica nisso.E isso depois de uma declaração de amor de nosso ignoto personagem. Algumas atitudes femininas fazem a s correntes de Prometeu parecerem de pelica.Resolvem os dois manter algum tipo de contato ou relacionamento, só Deus e a cabeça dela sabendo de que tipo.Que relacionamento, depois de uma ruptura por e-mail e nenhuma resposta, afora uma depois de  longa carta em que, meio em tom de despedida, ele lhe confessara tudo o que sentia e pensava dela?As mulheres não têm idéia de como um homem pode se abrir numa carta de amor.Ou numa declaração num café, quando sua vida tenta se refazer num sonho de felicidade ou num simples beijo roubado, porém sonegado.Afinal, o que escondia o sorriso dela?Talvez que ele virasse um conveniente estepe?Bem, vá lá.Que fazer?Antes alguma coisa que nenhuma coisa.Como sempre dizia: uma gota de amor tem o peso de um oceano.Nada mais a fazer do que se resignar.Mas e se o estepe esvaziasse?Se acontece no porta malas do carro...

      Como custava a ele acreditar em deus ou na sabedoria das mulheres, vira que aquilo era meio buraco  na água.Ou buraco no estepe, dava na mesma.Mas tinha que tentar.Ela o deixava exultante.Dois meses era pouco para matar uma paixão.E o que fazer se ao lado dela sentia-se feliz?E depois também.O que dissera não o fazia há décadas.Rejuvenescera uns vinte anos. Ele chegou até a contar que ia procurar a ex para tratar de uns assuntos.O pedido fora feito de forma indireta há mais de semana.Não acreditava que a ex lhe respondesse.Contava desde já com um não.Silêncio sem resposta.Por vezes o silêncio diz tudo.Na festa, esperando uma resposta da ex, ainda percebia uma espécie de fantasma da outra em sua mente.Podia até ser que voltasse com o ex.Seria?A indiferença dela parecia algo gritante.A ex voltando com o ex.Mas essa ex dizia que não voltava nem com ele ,personagem, nem  com o ex.Excelente!Em verdade, tinha certeza de que receberia um não.Na festa, ele ficara angustiado, pobre moralista monógamo, com a possibilidade de descartar qualquer tipo de relacionamento com a nova paixão, caso a ex aceitasse o pedido.Quanta bobagem!Quanta ilusão!A nova paixão já estava com outro, não era mesmo?A ex ainda se encontrava com o ex, não era mesmo?Já ouvia as risadas masculinas de seus conhecidos e amigos..E ele  ainda seria chamado de volúvel, imaturo(apesar da idade), sem noção e outras desqualificações mais.Só não contou uma coisa: no início de tudo, antes da paixão semanal ou do projeto matrimonial, ele não as procurou.ELE FOI PROCURADO POR ELAS.E ficou sem nenhuma delas.E sabe que, no fundo, nenhuma delas estava muito aí para ele.Mas romântico que é romântico sempre põe o carro na frente dos bois.Cai de vez no amor pelo desejo em si mesmo.Seu destino era quebrar a cara , esfacelar-se contra as rochas do cotidiano.Mergulhar na solidão sombria de um Lobo da Estepe?
     Lição final: homem romântico, se não for cafajeste está frito.Mas se deixar de ser romântico, acaba por violar sua própria natureza.Não há jeito mesmo.E se levar-se  a sério, enquanto romântico, pior ainda.Porque as duas mulheres amadas não eram invisíveis para ele .Sempre tivera profundo interesse pelo que passava dentro delas.Realmente era amor o que ele sentia pelas duas.De formas diferentes, é verdade.Mas o que importa?Porque a necessidade de amar fazia com que ele projetasse o sonho de amor além das evidências da realidade.O que quer que lhe falassem , ele acreditaria.Mas quem não teria o sonho de ser feliz com uma mulher?Esse foi seu crime.Quem entende o coração de um homem e quem entende o coração de uma mulher?O amor nasce para nos modificar ou nos modificamos através dele?Ele estava tentando enxergar além e se defrontou com esse estranho vazio que protege o cerne da alma de qualquer mulher.
      Em pouco mais de dois meses, nosso personagem ficou habilitado para uma temporada no hospício.Sabe-se lá para onde vai.Porque amar e perder duas mulheres de uma vez é demais para um só coração.Principalmente em tão pouco tempo.Podemos vê-lo andando na rua, de novo buscando na luz das estrelas esse Eros universal e transcendente que nos coloque mais próximo do que elas,estrelas, são.Silêncio.Vazio.É sempre assim.Seu coração, antes tão cheio de poesia e sonho, agora estava mais vazio que o vácuo que circunda aqueles astros.O amor delas, se houve, era como as estrelas, cuja luz nos atingia, mas elas não mais existiam.E as duas, quem sabe, como estrelas mortas, mergulhariam na escuridão do universo da memória.
        Só resta ao personagem olhar-se no espelho e dar risada.Por ter escapado de um tratamento psiquiátrico.Por ter escapado dessas duas roubadas...Ou quem sabe por concluir que ainda não estava morto como pensava.
     Com o tempo nosso personagem foi clareando mais suas idéias.Por ser romântico e homem, caíra no universo de duplas mensagens da subjetividade feminina.Transferira, sem dúvida, parte da paixão pela primeira para uma projeção ilusória na ex.Nada a ver.E tudo a ver, se observarmos o caráter de nosso personagem.Como se quisesse manter uma chama de amor acesa.
    Nunca saberia ao certo o que as duas sentiam por ele, pois nunca tivera uma mensagem explícita de nenhuma.”Travadas”, certamente é o que havia em comum entre elas.Embora a ex fosse morna demais para quem esperava uma resposta mais emocional pelo assédio por ele praticado.Mas até pode ser que a ex viesse a resolver seu problema com seu ex porque os homens, qualquer um sabe, para manterem sua territorialidade são capazes de fazer um sacrifício, como receber de volta uma mulher que foi rejeitada pelo próprio homem.E para ela, a ex, não seria má idéia reconstruir seu ego ferido pela rejeição, mesmo que para tal usasse do chamamento de um outro, já carta fora do baralho em seu coração, o otário da vez que era nosso personagem.A astúcia é sempre a arma do fraco...Mulheres, quando sentem ter um homem na sua mão, libertam um demônio oculto disfarçado em suavidade.Nada como ter alguém na condição de uma espécie de mosca de padaria:voa , voa  mas não deixam que ela pouse nos doces.Na famosa corrida de mesma direção e sentidos opostos que o amor é.A sensação de poder que se sente ao se ver alguém cujo coração está preso a nós.E os homens sempre  caem na s garras dessa fera de egocentrismo calculado.Velha máxima italiana: qui no estima è estimato.Alguns, pobres coitados, caem fundo demais.Dentre eles os românticos.Acusados por vezes de masoquismo.Mas se a dor faz parte da vida, como evitarmos de sofrer no amor ou na paixão?Quando Jacó enfrentou e lutou com o anjo enviado pelo Senhor, durante a noite inteira, após o fatigar do anjo que assumiu a vitória de Jacó, este lhe perguntou o nome e isto lhe foi negado.Mas Jacó saiu aleijado da luta.Não se enfrenta e se sai impune quando se luta com Deus, com os demônios ou o amor.
     Mas o grande problema de nosso personagem era o romantismo.Não é à toa que as filosofias e estéticas românticas surgiram como reação ao modo burguês e ao capitalismo.Porque românticos sempre são mal investidores, frequentemente jogam em fundos vazios, inclusive suas emoções.Altos investimentos para retornos duvidosos, esquecendo a praticidade e o moralismo escondido das mulheres, negligenciando os medos que fazem a “boa” conduta de todo mundo.O romantismo é inimigo da grande máquina do capital, é o avesso das posturas covardes que não encaram as grandes batalhas da alma, é sempre uma esperança de felicidade grande e não de satisfações mesquinhas que restringem homens e mulheres a um cotidiano de tédio e  fastio do espírito e da carne.Por ser romântico , sua sina seria a solidão.Nada a se desesperar, a morte sempre por perto e a consciência de uma tragicidade da impossibilidade amorosa.O capital amoroso estava sangrado.

    Quanto à maluquinha, em verdade a única paixão que atormentara de fato nosso personagem, ele não tinha  vaga idéia do que podia ocorrer.Tinha apenas certeza de sua natural inconfiabilidade .Teria apenas que esperar o tempo correr, até que sua lembrança se desfizesse por si própria.A mais renitente paixão pode virar indiferença com o tempo.O que não se constrói se desfaz como areia ao primeiro sopro de fraqueza ou covardia.O tempo varre como o vento, a areia cotidiana das horas secando as feridas abertas pelas ilusões e falsas expectativa.Expectativas, essa eterna maldição que ilumina de breu a razão de um romântico.Como evitar a frustração sem recorrer ao medo da fuga?Faz parte da vida.Levar-se a sério torna as coisas sérias.Mas gostar é sempre um caso sério, mesmo quando envolve piadas e situações ridículas como um clímax emocional sendo desfeito de frente a uma tela de computador ou por meio de um telefonema.Porque realmente a única coisa que existe para nós é o presente.E se levarmos a sério aquilo que não é sério, então somos um caso sério.Resta sempre a prerrogativa da dúvida ou da ilusão.Talvez a melhor forma de comunicação entre homem e mulher seja mesmo o silêncio.Afinal, o que  nos dizem as estrelas? Nada!Se dissessem algo  não seriam estrelas, mas  luz que não apenas ilumina mas vibra em nossos tímpanos.Mas nosso romântico teima em sonhar que as estrelas têm voz.A esperança será sempre uma estranha tatuagem em sua pele.Mas o Lobo da Estepe volta a rugir.Como voltar a adormecer o coração?As esperanças são como queimaduras que teimam em arder na pele, mesmo quando as lesões já foram cicatrizadas.Nosso romântico não consegue se desfazer de todos os cadeados de ilusões.Mais fortes são os poderes da vida que correm mais intensos que as pernas de nossas mentiras.Por não querer mentir nunca poderia fugir da espera.Lá fora, apenas o silêncio em meio aos ruídos do universo.A alma pura ainda se defrontando com o caos sangrento.
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