quinta-feira, 23 de junho de 2011

O mito de fedra, uma maluquice feminina?

Se a vida imita a arte, o que diríamos então da mitologia?
Quem já não topou com uma Fedra na vida?Poderíamos transcrever o mito como sendo “como você pode se estrumbicar na vida por causa de mulher” ou “mesmo quando você está na sua, sempre aparece uma zinha no meio do caminho para atazanar seu destino”.
    Um conhecido meu diz que os helenos enfatizavam o amor homossexual por horror às tranqueiras do relacionamento entre homem e mulher.Seriam eles mais sábios que nós?Contudo, eles mantinham as mulheres em rédeas curtas, elas valiam menos que um cão de Ulisses(aquele sortudo que tinha inclusive uma mulher de fidelidade canina).Realmente não era mole ser fêmea na Grécia, exceto se fosse mitologia como deusa ou amazona, ou hetaira, pitonisa ou mulher de Péricles(dizem que ela era boa nos negócios do marido).
    No fundo, acho que a tal de Fedra não aceitava aquele tipo de rejeição e usou do artifício da calúnia, quase que imaginando    o pobrezinho do Hipólito  se ferrar.A versão teatral de D’Annunzio vai mais por essa via.A de Racine é mais idealizada.Gostei muito de um filme de Jules Dassin sobre o tema, com Melina Mercuri(que nunca ouviu nada parecido com a axé-music)  e Anthony Perkins(um ar entre sinistro e trágico, Norman Bates em clima grego).
     O mito vai mais pelo heróico trágico do destino inexorável.Mas seria mesmo?Essa Fedra realmente era uma mulher à beira de um ataque de nervos!Muitas Fedras transitaram por filmes de Almodóvar.
     Até que ponto vai a resposta a uma rejeição por parte de uma mulher? Senão , vejamos:

Pintura de Fedra por Alexandre Cabanel
Na mitologia, Fedra é a filha de Minos (rei de Creta) e Pasífae (filha de Helio, mãe do Minotauro), irmã de Ariadne, Deucalião e Catreu.
Deucalião, rei de Creta, como sucessor do irmão mais velho Catreu, decide que ela se casará com Teseu (rei de Atenas), que, segundo algumas versões, já era casado com uma amazona (Antíopa, Hipólita), a quem aparentemente tinha raptado. No dia da boda entre Teseu e Fedra, irrompeu uma guerra com as Amazonas, e estas foram derrotadas.
Antíopa e Teseu teriam tido um filho, Hipólito. O jovem era formoso e casto e Fedra apaixonou-se perdidamente por ele. Hipólito, devido á sua castidade e ao respeito pelo pai, rechaça Fedra.
Fedra começa então a preocupar-se de que Teseu venha a ter conhecimento do seu amor secreto e acredita que Hipólito é capaz de contar-lhe tudo num ato de fidelidade e honestidade. Para evitar que isso acontecesse, Fedra levanta uma calúnia contra Hipólito, fazendo parecer que ele é que a ultrajara e se mata por enforcamento. Teseu acha a mulher e vê que na sua mão existe uma placa onde fala sobre o ultraje.
Teseu, levado pela ira, manda desterrar o filho e pede a Poseidon a sua morte. Hipólito morre arrastado pelos seus cavalos. O trágico grego Eurípides encarregou-se de mostrar duas versões desta tragédia, da qual se conserva uma, que é a fonte mais conhecida do mito.
Imagino que a outra versão de Eurípedes fosse bem diferente mas, evidentemente, sem final feliz porque ainda não havia cinema nem novela entre os helenos da antiguidade.
  Hipólito seria um bom prato para psicanalistas, gastaria muita grana em consultório e só se resolveria, quem sabe, num monastério ou algum emprego para nerds.
Será que a vingança vem a cavalo?Mas muitos diriam que Fedra não intentava vingança.Eu, hein, é que não caio nessa...Mulher rejeitada, creio eu, poderia, caso tivesse poder,  destruir o mundo!Claro: Medéia era muito mais decidida...
Mas a questão central mesmo está no problema do incesto, essa proibição convencional civilizatória da nossa cultura, amparada pela lei estabelecida.Ainda que não houvesse relações de sangue entre Fedra e Hipólito.E embora para os gregos as questões incestuosas fossem problemáticas por questões de dinastia, no cotidiano, entre a plebe, elas não eram muito interditas, mais ou menos como nos recantos mais atrasados de nossa terrinha.Não consigo imaginar uma Fedra no reino do matriarcado.No reino dos deuses vingava aquela “putaria” toda que conhecemos, o famoso desregramento dionisíaco que fazia até rolar um sexo animal(zoofilia na forma de transformação em bichos.Vide exemplo de Zeus virando cisne para comer Leda.Mas alguém já viu o tamanho do membro de um cisne?)
Outro conhecido meu dá todos os dias, diz-me ele, louvações à proibição do incesto, porque só de imaginar-se sexualmente com a mãe tinha engulhos por  ser ela  a criatura mais chata(sic) do mundo.Bem,  ele que seja bem vindo ao clube...Todos se queixando da mãe e, no fundo, procurando por uma.E na velhice por uma enfermeira.Ai, ai,ai,ai!
   Ele que espere para casar para ver o que é chatice: transar com uma mãe imaginária para salvar os problemas edipianos não é mole, não.Mas o caso aqui não tem a ver com Édipo e sim com Electra, digo, Fedra.Ou do desejo independente da cultura e seus valores.Ou da rejeição, da necessidade de salvar a honra(?!), do “mané” que não aproveitou, do cara que não quis ser Lancelot, do orgulhoso rei que repudia o filho por mulher(sendo que para o grego o roubo de mulher equivalia a um roubo de propriedade, quase que uma espoliação de valores morais e espirituais).
 Mas, afinal, Fedra se apaixonou por Hipólito , pela castidade dele ou pela vingança  por Teseu não ter produzido o  tesão necessário?Teseu, entendido de Minotauros e não de vacas, agiu da forma mais convencional possível; não levou na esportiva e não enxergou a vantagem de ter-se livrado daquela maluca!
     A civilização grega findou sem responder a questão e empurrou o problema para os divãs da nossa, já devidamente complicada pelo judaísmo e  cristianismo.Mas livrai-nos das Fedras do mundo, amém!

quinta-feira, 16 de junho de 2011








     As pessoas são naturalmente desconfiadas frente a atitudes despojadas.Não é do nosso cotidiano conviver com a espontaneidade, exceto quando somos ativados por algum artificialismo químico.A máscara que carregamos é mutável de acordo com as circunstâncias ou conveniências de nossa sobrevivência.Com isso a desconfiança surge como mecanismo de resistência aos agentes externos atuando sobre nossos egos.O que chamamos de relações sociais é um emaranhado de interações de consciências.Essas, por sua vez, são condicionadas por impulsos represados pelos mecanismos  de controle social e civilizatório.É como se vivêssemos em uma peça sem direção e com roteiro indefinido, regido por um texto cheio de aleatoriedade.Viver não é apenas pensar para existir, desejar para se sentir presa da vontade, também  para existir.Viver é duvidar para existir, existir para duvidar.
     Sinceramente, fico em dúvida sobre tudo, não tanto pela minha capacidade de elaboração mental, mas sim pela grande capacidade de ilusão proporcionada pelos sentidos , iluminados pela surda luz dos hormônios animais.No fundo somos um amontoado de emoções mal conformadas, apenas amestradas.Toda emoção domesticada é emoção castrada.Por isso sempre me senti incomodado com a presença de animais domésticos, já que algo  de deformado ou deformante age na natureza íntima desses seres dependentes dos caprichos e mazelas do tão volátil temperamento humano.Tenho muita pena da dependência criada pelos animais.Nisso, o ar de desdém aristocrático dos gatos me fascina.Contudo, quem já não contemplou o horror da humilhação na cara de um animal ...ou de um ser humano?







     As pessoas na verdade não morrem; ausentam-se indefinidamente dessa vida d’aquém morte.


O ministério da saúde adverte: qualquer cidadão de meia idade pode ser acometido de síncope de ninfalepsia, a qual pode ser solucionada, sem problemas colaterais( exceto orgulho ferido), com terapia intensiva à base de pílulas de senso do ridículo.


A maior burrice consiste em acreditar além da conta nos limites da inteligência e na falta deles na própria burrice.Não querendo ser pessimista, mais difícil alcançar um manco correndo que escapar de cometer uma burrice.Parece que inteligência é escapar da burrice.Esta é o “grande espectro que ronda a humanidade”.


Se fôssemos mais rígidos em nossos critérios de julgamento e apreciação, considerando os valores éticos e princípios como elementos de constituição básica do raciocínio de âmbito social, poderíamos considerar que toda arte ruim é imoral; embora nem toda imoralidade se transforme em arte ruim.

        Se nem ao menos somos senhores de nosso destino, não arbitramos sobre a hora da morte ou do amor, nem escapamos dos gênios do acaso, como podemos ter certeza do que ocorrerá com o que produzimos?Mesmo o que vem ao mundo, ninguém sabe se será página virada e esquecida, talvez nem ao menos visto.Melhor ser visto do que previamente esquecido.No fim toda criação individual é fruto de um processo coletivo que deságua no individual para depois retornar ao coletivo.Afinal, não vivemos em sociedade e arte não é feita para a humanidade?Pouco nos importa se Homero era um ou muitos, mas que tenhamos a Ilíada e a Odisséia.De resto, tudo vã vaidade.

Não criamos do nada, embora para o nada voltemos.



        Não nos iludamos: por trás de cada “cavalheiro” pode se esconder um bárbaro, pronto para arregaçar as mangas e assentar o tacape na cabeça de alguém ou, mais civilizadamente, dar uma canetada que pode prejudicar a inúmeros.Entre o discurso oficioso de aparências e a ação prática efetiva pode haver uma distância abissal.Por isso, o “fair-play” é o anti-inflamatório da barbárie.

     Como dizia o Henry Miller, o diabo não precisa lá trabalhar muito; basta-lhe indicar os atalhos ou trilhos  que  levam  à beira do abismo.O resto se desenrola pela inércia usual de nossa natureza.


     Ora, viver esteticamente parece não ter muito valor se isso não se  reverter em outra forma de valor, capaz de adquirir coisas de valor discutivel; tão discutível  e relativizável  quanto se afirmar que beltrano ou fulano são pessoas de valor  por gerarem mais valor.Mas afinal, qual o valor de discutir isso?


   Ser exagerado é não ter limites ou não ter noção dos limites?Afinal, os limites entre o que se chama de bom senso e o ridículo são frágeis como uma bolha de sabão.E em muitas ocasiões temos que usar fraque e agir como chimpanzé.Nossos laços de parentesco com o primitivo ainda nã oram desfeitos.


     Outro dia li um  articulista dizendo que mulheres não gostam de demonstração de fraqueza.Afirmava: chore duas vezes na frente dela numa semana e sua namorada  o deserta.Um pouco  simplista para  meu gosto.Em todo caso não hesitaria: entre a namorada e o choro fico com o segundo, que é meu e ninguém pode tirar.Ao contrário da namorada que nunca é totalmente minha.


Sei que a circuncisão é praticada por islâmicos e judeus.Mas fico em dúvida se a prática não seria uma extorsão de Deus pela garantia da fé, ou se não seria uma forma primitiva de suborno em troca da garantia de serviços prestados pela providência divina.Tudo de somenos importância. Problema maior é o cortar outra coisa: a auto-determinação sem prestação de contas ao reino dos homens.Porque no de Deus, fica tudo no crédito.



Interessante que se critique tanto o narcisismo nas redes sociais.Ora, se todo fenômeno cultural compõe parte da superestrutura da sociedade, não vejo como um recurso de comunicação de nova tecnologia não espelhe a cultura dominante: individualista, apegada ao material e às aparências, pouco chegada ao raciocínio  de fundo e, essencialmente, narcísica.

Vejo muito se falar em Nietzsche  por aí, nos cadernos culturais, nas rodas intelectuais ou descoladas.Muito citado, pouco exercitado; diria mesmo que impossível de ser exercitado.Vivesse hoje e estaria, provavelmente, escrevendo, em algum hospício, livro de auto-ajuda para loucos, por achar o mundo de “fora”  demasiado desumano e desencontrado.


    Pode ser impressão minha, mas sinto  certa  misoginia consentida, assimilada pelo público, em boa parte dessas novelas de televisão, tamanha a quantidade de personagens “negativos” femininos.Seria pelo fato de que o grosso do públicos desses programas é feminino e são utilizadas as projeções fantasiosas de “competição” entre as mulheres?Trabalho para interpretação psicológica.Sei lá...


Pode até ser chato dizer,  mas minha vida particular não tem a mínima importância; como também sem importância  é a vida particular de todo mundo.Importante mesmo é o que é legado à civilização.E mesmo esta navega na própria sem importância  de poder desaparecer algum dia com o fim do mundo, independente  de calendário maia ou oráculos econômicos.


Confesso que tenho dificuldade de entender o espírito de um homem tolo, bem mais  do que entender as tolices de um homem espirituoso.


O  ARTISTA E A PUBLICIDADE

     Dentro das conquistas tecnológicas e culturais(?), podemos dizer que a publicidade é o viagra do artista contemporâneo.Não pode ocultar completamente a limitação daquilo que se julga de valor como criação natural.Mas ajuda o “espectador” a crer naquilo que lhe é apresentado como criação natural de valor.
     Quando Baudelaire escreveu os Paraísos Artificiais nem sonhava que algo parecido pudesse ocorrer no futuro.Outro dia li articulista afirmando que o viagra tinha contribuído mais para a humanidade que duzentos anos de marxismo.Exagero, sem dúvida, já que o marxismo nem ao menos tem duzentos anos.Mas vejo que o viagra dos artistas conseguiu em pouco tempo efeitos mais devastadores  que duzentos anos de mentalidade acadêmica.Afinal: chegará o tempo em que se amará ou se contemplará  às custas de viagras?


Sem motivos para muita inquietação: haja ou não vida após a morte estaremos unidos ao universo, seja da forma que for.E impossível não estar numa condição mais natural nesse estado do que na vida que levamos aqui nesse mundo.O fim do ego, isso sim, é a nossa grande inquietação...