quinta-feira, 2 de maio de 2013

carta a um desiludido de 68

A respeito de suas impressões sobre sua participação nos acontecimentos de maio de 1968


Caro Contardo,
Você, assim como Bertolucci  e outros que participaram dos movimentos de 68, transparece uma certa melancolia por uma revolução frustrada.Não vejo o porquê disso.Deviam mais é se orgulhar da participação em tais eventos.Quando jovens, miramos o infinito mas nos chocamos com as paredes da realidade.Ou seria do Princípio de Realidade, tardiamente aprendido?
Primeiro , aquilo não era uma revolução, no sentido clássico do termo, por prescindir das condições objetivas materiais e econômicas que predispõem a uma revolução.Revoluções como a russa, francesa ou inglesa , se deram a partir de uma base econômica em insolvência, choques violentos entre classes e grupos, uma dinâmica histórica fazendo as coisas mudarem radicalmente.Do ponto de vista superestrutural, a revolução burguesa começou bem antes da tomada de poder por essa classe, como você bem sabe.Penso que a revolução francesa universalizou a inglêsa de 1648, inclusive via Napoleão.
     Mas os movimentos em si,aqueles de 68, demonstravam a falência espiritual do modo burguês de agir e ver a vida, coisa que continua em nossa sociedade, tão plena de ansiedade e insatisfação.Mas será que a própria vida não é isso?
      Prova pura do mal estar na civilização, 68 só podia mesmo ser obra de juventude sonhadora, já que as classes ditas laboriosas, os tais agentes históricos propalados por Marx, ao meu ver, já não eram revolucionárias há muito tempo, tinham muito a perder.Fui um caso de quem leu Marcuse e o acatou, ao mesmo tempo traindo-o ao entrar num partido comunista,ah,ah,ah.Mas, enfim, era o Brasil da ditadura agonizando...
     Não deu em nada, todo aquele tufão de juventude inebriada com a mudança radical?Não acredito.Além das lendas, há os fatos, os de ontem e os de hoje, que demonstram que é sempre preferível abrir a boca do que calar.68 foi um grito meio histérico, mistura de esquerdismo e anarquismo; mas, pelo menos, não foi aquele "sonhar com Mahagony porque o mundo está podre", como na peça de Brecht.A Europa, tão estável, bonitinha e limpinha daquela época, o bom senso comum, aquele olhar medíocre de classe média(ainda hoje dominante, ideologia dominante),  tudo isso se esboroou um pouco.Foram momentos de radicalismo cultural, daí  a arte produzida naquela época, opinião minha, é muito,muito superior à atual.Claro, aí veio a reação, a restauração.Remédios que prolongam a vida de um organismo devorado lentamente por um câncer.E voltamos ao idiotizado Admirável Mundo Novo de Huxley.
     Mas sempre apreciei e apreciarei juventude insurgente, mesmo a que comete erros, mesmo já navegando nos mares tépidos(ou sórdidos?) da meia idade.Que fazer?Talvez eu não passe de um sonhador incorrigível.Devo ter lá minha função na história, não sei.
    Mas que aquilo deve ter sido divertido, ah, isso deve ter sido!

                                                               Saudações      Sergio Marques

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