quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O acaso que nos desespera


O acaso me desespera.Mas que fazer, se eu mesmo sou fruto do acaso? A vida é mesmo uma sombra que cruza essa aparente luz que sonhamos ser nossa vida.No meio disso tudo vamos inventando nossas certezas, ainda que tanta incerteza nos cerque.Não precisaria apelar para teorias  de física relativística ou coisa parecida para temer por cada passo que damos ,desde que acordamos de manhã até o fim do dia.Quando deitamos, ainda vivos, só nos restaria dizer: ufa! Mas o acaso perdura por cima de nossa solidez,  tão fluida que é como qualquer vapor incerto.
     Qual artista não sentiu isso no que faz: uma palavra, um toque de cor, uma pressão na frágil argila, uma nota imprevista e tudo se harmoniza.Um gesto ou um olhar e nasce o amor...
Na dureza dos dias não conseguimos ocultar a frequência de um acaso plasmando acontecimentos imprevistos.Um tropeço e, pronto, já nos encontramos com a "velha senhora".
   Ah, tivesse eu feito isso ou aquilo - digo, tentando me consolar -, quem sabe tudo seria diferente.Mas e os sopros de acaso que envolveriam a atmosfera dos atos?
     Não temos controle sobre quase nada.O que controlamos é apenas aquilo onde diminuímos a frequência ou presença do acaso, sem que ele esteja excluído de todo.Amor e ódio se encontram  ligados, dentro do coração humano, por laços tênues e sólidos, revestidos pelo...acaso.Por acaso penso isso agora.Gostaria de sonhar com o destino, quem sabe orientado por astros indiferentes à minha insignificância, ou por uma inteligência superior e racional.Mas não consigo, vejo apenas o capricho de deuses arbitrando ao acaso de suas paixões; essas, tiram sua matéria e energia de  acaso puro. As razões que a "razão" desconhece, sem que haja equação ou partícula de deus que elucide isso.E, no fundo, em parte a arte é anestesia para a vida e o amor a única hora em que, inconscientemente, vivenciamos a morte sem que saibamos.Ao acaso de tudo.Pode-se sair com destino traçado, mas as placas direcionais são tocadas pelo acaso.
      E,  de acaso em acaso, reviro minha vontade na busca de um rumo, indefinido como se o departamento de trânsito de minha vida fosse controlado por um lunático.A mais sóbria e equilibrada vida aderna por um oceano de acaso, apenas o capitão da nau se encontra hipnotizado pela ilusão.
     Truffaut dizia que gostaria de dirigir um filme, não como quem navega em oceano imprevisível, mas como alguém que anda de trém pela sólida terra do interior.Bela imagem, tanto para a arte, como para a vida. Mas as terras do acaso podem nos levar a precipícios.Ou a alguma floresta de encantamento.Por acaso, alguém tem a resposta?

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

sobre uma tragédia


Quando tinha quinze anos, morando perto do centro, fui ver o incêndio que ocorria no edifício Andraus, que fica na Avenida São João.Uma das impressões mais horripilantes que tive em toda minha vida.Pois bem;  precisou do incêndio do Joelma para que se tomassem precauções sobre incêndios em grandes edifícios, tanto é que eles diminuíram no país( não de todo).Precisou que um prédio desabasse no Rio, para que se tomassem noção de que reforma em edifício é coisa que precisa de estudo.Essa combinação de burrice, desmazelo e falta de controle legal e fiscalização produz tragédias desse nível.A imprensa fatura com isso pelo menos uma semana de noticiário farto; depois os lamentos e dores se perdem no tempo, como ruídos espalhados num amplo espaço.Isso tudo é muito absurdo, principalmente quando se leva em conta que podia ser evitado.Quantas pessoas foram punidas por todas essas tragédias, punições essas que nunca trariam os mortos de volta?
     Todo dia, quando saio de bicicleta, digo para mim mesmo , sem nenhum melodramatismo, apenas reforçando um processo de auto-sobrevivência : lá vou eu flertar com a morte de novo.Isso porque sei que não posso depender de um hipotético anjo da guarda para evitar mal maior.Se não resolve, ajuda um pouco; talvez por isso , usando bike há mais de vinte anos, ainda esteja vivo. Não querendo ser neurótico, apenas consciente, deveríamos sempre levar em conta os riscos que nos envolvem, denunciar esses riscos.É uma questão de solidariedade humana, como numa guerra.Isso tudo soa absurdo, a vida já é cheia de absurdos mas, não satisfeitos, nos esforçamos, consciente ou inconscientemente, em promover um pouco mais de caos nisso tudo.Como se o universo não fosse suficientemente caótico.Por isso, querendo ou não, temos que lembrar dos mortos, os que conhecemos ou não, tenham morrido da forma que for.Ando pela cidade e não é difícil passar em algum ponto onde houve tragédia ou morreu alguém estupidamente; paro, penso, lembro, ouço apenas o silêncio.Mas nossa memória nunca pode estar enterrada no silêncio.A vida não acaba necessariamente em estrondo, ela se finaliza no silêncio.E continuamos a viver como se não fôssemos morrer.Até que um tragédia nos lembre disso.Melhor seria fazer isso de manhã, melhor seria fazer antes de entrar numa porta de boate ou atravessar a rua.Mas somo sedentos pelo imponderável.

domingo, 20 de janeiro de 2013

mulheres e bíblia


 No meu caso, vejo algumas mulheres como vejo a bíblia: algo estranho e fascinante, no fundo um tanto apócrifo, cheio de discursos delirantes ou ilógicos e neuroses travestidas em imagens simbólicas; algo  que posso até respeitar, mas não necessariamente levar a sério ou tentar entender. Minha pretensão não chega a tanto. E todo homem jura de pé junto que leva sua mulher a sério, algo que , forçado, se transforma num caso sério. Bem, talvez goste disso - não da bíblia ,óbvio,  livro escrito por homens histéricos e delirantes, onde a mulher é quase sempre um demônio e cuja leitura prolongada e obrigada por certa doutrinação religiosa sempre me causou tédio- , aprecie uma certa ilogicidade que nos livra das falsas certezas da razão. Razões para isso não nos faltam.Toda personalidade alheia é um livro escrito em língua estrangeira cuja gramática desconhecemos.E vamos tateando em meio a foras e equívocos. Claro, vão falar que isso é discurso sexista, que não se presta  à atualidade .Para mim, confesso, é esta atualidade que não presta mesmo. E sou já uma figura “ historicizável¨ ,que já se presta a um bom tratamento anti-mofo.
      Ainda que seja, para mim, mais fácil encarar uma mulher como algo sagrado do que algum texto escrito com a pretensão de ser uma  verdade universal, salvo se for alta literatura.Universal mesmo é a beleza feminina.Em todo caso, no mundo da racionalização constante, não faltam fórmulas explicativas para o inexplicável.E sacralizações para coisas de difícil sagração.Mas coisas sagradas, imposições sagradas , isso não falta por aí. Há tempos já executei a sagração de minha primavera de encantos.E eles continuam, em meio às poucas coisas que, para mim e para mais ninguém, realmente são sagradas.Tirando o Cântico dos Cânticos e uma ou outra passagem poética, definitivamente e por razões explicáveis, acho a Bíblia um livro chato.Mas, definitivamente, nem todas as mulheres são chatas.Aleluia!

sábado, 19 de janeiro de 2013

ignoramos nossos defeitos


 Temos mais habilidade em ignorar nossos defeitos do que em tentar corrigi-los.Com o tempo eles se acumulam, não distinguimos os mais antigos dos mais novos, como rugas que vão surgindo com o passar do tempo.Mas é de se perguntar: o que miramos nos espelho, logo de manhã? Certamente, mais fácil distinguir rugas do que defeitos mais profundos.Mal crônico, espécie de sinusite moral, incomodante mas suportável.E assim se leva pragmaticamente a vida, sendo com isso socialmente eficientes.
     Mais fácil enxergar os defeitos dos outros do que os nossos.Não sem frequência, esses  não são prerrogativas  deles, e transitamos por esses mesmos defeitos com desenvoltura, mas fingimos não ter nada com isso. Daí as intransigências, intolerâncias e moralismos de plantão, cães severos que não descansam, guardando as portas de nossa auto-estima e suficiência, sorrateiramente num ladrar emudecido pela nossa incapacidade de ouvir. E justificamos tudo com nossa imperfeição - ainda bem que somos imperfeitos; a vida seria muito monótona se guiada apenas pela perfeição -, como se ela nos eximisse de tentar corrigir os erros e vícios que cultivamos pela inércia existencial.Mas, afinal, somos imperfeitos e quem não é?
      A severidade não nos basta, muito menos  a negligência.Com o tempo, vão os anéis e os dedos junto, mas cismamos em ser o hábil músico que, sem talento e pouco estudo, agora sem dedos,  finge estar criando uma beleza musical pelo instrumento.Claro, poderíamos optar por dedos artificiais, mais ou menos como fazemos com tanto tapa buraco de nosso cotidiano, do lazer ao consumo, hoje tão interligados. Mas as notas tortas seriam louvadas como perfeitas porque, por sermos tão imperfeitos, nos justificamos mostrando que essa ignorância é a forma mais perfeita de se viver.
   E , sendo a vida essa imperfeição constante, pelos fumos esvoaçantes do sonho, como o que se desprende de um cigarro largado no cinzeiro, apenas esperamos que o vazio do espaço tudo acoberte e envolva.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Ser ou não doente?

Assim é dominada nossa cabeça pela ideologia imposta pela
sociedade.Todo mundo acaba sendo considerado doente; e a sociedade,
através de suas gendarmarias, a polícia , a ciência ou o senso comum,
diz ser a única a ter a solução.Remédio ou repressão, duas faces da
mesma moeda que, no final das contas, nunca jogamos para o alto.Ainda
que, para se viver, se precise de muita sorte.Aparentemente , ter
problemas existenciais virou caso  para tratamento médico.Daí a se
perguntar qual o sentido de haver arte ou filosofia num mundo tão bem
regido pela bioquímica e pelas diversões controladas? É : Marcuse,
Foucault, Huxley e outros continuam atuais e os marxistas, assim como
seus antípodas, tiveram que cair na real...Ainda que a tendência
normal seja ignorar a realidade.
     Comecei a pensar em suicídio lá pelos dezesseis.Mas era uma visão
romantizada, algo meio abstrato, como a própria morte para mim,
naquela época.Dizem que adolescentes vivem muitos momentos de
depressão.Ainda adolescente, fiz trabalho escolar sobre a psicologia
do adolescente e vi que ser triste era normal, que tudo se resolveria
com amor e sexo(como romântico, sempre o primeiro no plano
principal...),No fim caí nos estudos, porque nos esportes e nas brigas
não era bom, o que me levou a uma situação de estranhamento em relação
ao meio.Resultado: achar-me doente.Hoje me rio disso tudo,No fundo eu
era um adolescente normal, apenas sem namoradinhas, com mais repressão
sexual, um pouco mais refinado em termos de intelecto e
sensibilidade..Estranho seria sentir algo como o vazio.Tenho saudade
de meus idílicos impulsos suicidas daquela época.Hoje nem me passa
pela cabeça isso,tenho medo de morrer(será que isso também é doença?),
as angústias são outras, ainda que o amor ou desamor sejam problemas
constantes.Mas acho que sou um doente saudável...

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

nada contra a transcendência mas...

nada contra a transcendência mas...

   O grande problema da ortodoxia é a intransigência. O ortodoxo( seja de ordem moral, política, religiosa e até sexual) parece que não se satisfaz apenas em ter a sua crença; parece que seu grande prazer é ter que atacar alguém que descrê ou contesta sua crença.Daí que a ortodoxia é o vestibular para o fanatismo.Tudo bem que a vida não basta, pelo menos esta que está aí, onde somos postos sem pedir e dela nos despedimos sem querer.Tudo bem que isso nos leve a buscar, ainda que no imaginário, algo além desse estágio d’aquém sonho que chamamos de realidade. Mas ninguém é obrigado a compartilhar os sonhos ou delírios de outro, contra a própria  vontade. Cada um tem direito de criar seu próprio universo emocional, desde que não destrua o de outro ou não choque os cavalos e cachorros com seu comportamento, como dizia Wilde.
    Considero que todas as pessoas, independente de formação cultural ou psicológica, têm alguma necessidade interior - seja ela consciente ou não, deliberadamente crítica ou não – de se orientar, em algumas circunstâncias, para um estágio de transcendência. Pode-se até falar em “instinto” metafísico; sofisticado, se for elaborado filosoficamente, vulgarizado, se manipulado por credos assumidos aprioristicamente por meio das metafísicas e mitologias religiosas.  Em todo caso, a vida, pelo menos essa nossa vida, parece não ser suficiente. E não é mesmo, senão não haveria arte e outras formas ritualísticas dentro da própria vida. Daí não ser absurdo se falar que o homem  é um animal religioso, além de social.
    Contudo, estamos presenciando um constante ataque contra o estado laico.A intolerância de caráter religioso assoma por trás das fileiras do bom senso e da razão, às vezes de forma sutil, em outras de forma explícita. Homofobias  disfarçadas, tentativas da imposição de ensino religioso(leia-se: doutrinação religiosa e não estudo histórico das religiões),proselitismos histriônicos e dogmáticos espalhados por todo lado, sem contar os jogos de cena e oportunismo de políticos sedentos de votos ou apoios, especialmente em épocas de eleição.
     Prezo a tolerância, ainda que meu estômago sofra um bocado com qualquer forma de doutrinação que é perpetrada contra minha pessoa; passei da fase – se é que, em algum momento, passei por alguma- de babar ovo por políticos, deuses, divindades de carne e osso ou não, sejam elas egressas da indústria cultural ou de outras variantes da grande máquina de ilusionismo que pode ser a política ou a religião.À minha imagem e semelhança tive que me recriar por cima dos escombros de mentiras que me foram imputadas em tantas décadas, fossem elas de origens metafísico religiosas ou políticas.Questões de fé sempre são complexas, por mexerem com aquelas regiões de nossa mente que não estão sob  nosso controle. Por sinal: sobre o que temos controle nessa vida? Não vejo lá muita diferença qualitativa,  muito mais quantitativa, entre os que defendem de forma irracional uma causa religiosa ou uma política.A ciência não resolve nem explica tudo, mas pode propiciar uma forma de atuação mais equilibrada de viver nessa beira de abismo por onde se palmilha todos os dias.  Quanto aos fanáticos, quando muito suporto os futebolísticos, já que futebol , felizmente, não tem todo dia.Mas a máquina de vendas de indulgências, textos sagrados de auto-ajuda, camisas ou bobagens de times, mitos políticos falsificados(política é o campo que conglomera os mais eficientes farsantes, grande esteio de venda para comerciantes de óleo de peroba)  é muito bem azeitada e adaptada ao grande esquema do capital.Como figura desadaptada que sou,  voluntariamente, acabo sendo voz discordante - felizmente não a única no planeta, já que aprendi com outros e comigo mesmo a ser desse modo -,a provar às minhas fatalidades pessimistas que a humanidade não se perdeu de todo.
     Sou agnóstico , por convicção filosófica, mas tolerante, por convicção de sobrevivência. Por enquanto sou obrigado a viver no meio de gente, sou condenado a isso...Afinal, vivo em sociedade, posso não ser regido por mitologias(exceto as que eu mesmo crio para mim), mas sei do quanto essas , mitologias, são necessárias para o equilíbrio emocional de tantos.Há muito tenho a certeza de que é impossível, pelo menos para a maioria das pessoas, viver sem acreditar em algo transcendente, além dessa vida e do vazio que nos cerca,  dos grandes espaços silenciosos do universo que não nos respondem.Nossa finitude, nossa consciência disso, sempre será um tormento, sejamos monoteístas, politeístas, panteístas, o que quer que seja.Mais pesado, óbvio, para quem não acredita em nada disso. Claro que cartilhas, fórmulas prontas e textos sagrado incontestáveis sempre vão ajudar nas ardências dessas feridas existenciais.
     Há muitas formas de religiosidade, tantas quanto a variedade de diversidades existentes na espécie humana. Daí eu não acreditar na possibilidade de toda a humanidade se sentir uma coisa una, dadas tantas diferenças de costumes, valores e estruturas psicológicas, tanto nacionais como individuais. Ainda que os problemas essenciais, principalmente os que envolvem amor ou morte, sejam aparentemente os mesmos para todos, supomos ser entidades únicas, totalmente diferenciadas. A única realidade, de fato, é a psicológica, nossos limites são definidos por nossos sentidos, não somos uma entidade espacial e abstrata separada das percepções e das impressões que nos colocam em contato com o mundo material; ainda que o termo matéria já não seja suficiente para explicar tudo sob a ótica da ciência moderna. O mundo sempre pode se tornar em algo estranho, basta um impacto psicológico qualquer, um detalhe que modifique o que é usual para nós no cotidiano. A alma gêmea de ontem pode ser o estranho de hoje .O próprio espelho: o que ele reflete além do espectro luminoso reconstruído pela nossa mente, quem é esse que vislumbro todos os dias ao escovar os dentes?
      Daí a busca num sentido de inteligência e vontade superior, além dos limites de nossa finitude tão mediocremente humana.E nem sempre o livre arbítrio age nisso, seres condicionáveis por ilusões e pressões alheias que somos, argila de sentimento e razão moldável muitas vezes por instintos escultóricos não muito estéticos, muito menos éticos...
     Em todo caso, nosso imaginário é sempre mais amplo, não há limite para o devaneio humano, tanto quanto para sua estupidez ou vaidade. Por isso evito o contestar de forma ridicularizante, com relação a  crenças alheias, exceto se elas interferem na minha liberdade e na de outros, se atuam no sentido da injustiça e do absurdo pleno. É sempre melhor argumentar, ainda que a maioria seja incapaz disso ,por preguiça ou por simples inépcia.Sou condenado a acreditar na razão como única forma de contornar o poço de irracionalidade onde chafurda a nossa existência, tanto individual quanto  coletiva.Acho mesmo, concordando com o velho Freud, que a religião é uma forma de neurose obsessiva universal, algo nada surpreendente num mundo de loucos onde se varia apenas o grau da loucura Mas não vejo como fugir disso dentro do mundo em que vivemos.Afinal, o mundo nunca será uma academia de Atenas com sábios em busca da verdade além das sombras que nos envolvem. O mundo sempre será, isso sim, essa nave oscilante no caos oceânico do universo, lapso de vida e existência num  cosmo que nos é indiferente, a não ser para os que crêem na sabedoria e justiça de um ser superior e universal, o grande sabe tudo e manda chuva das hostes universais.Para quem que, como eu,  não acredita nisso, sobra o momento, o presente, essa única realidade que desconfio estar ao meu alcance.Com ressalvas, claro.A transcendência é sempre imaginária; pode ocorrer que traços de nossa presença em vida continuem após  a nossa morte.Se eles forem úteis para outros, de uma forma ou outra, até que podemos dizer ter tido uma vida significativa.Talvez isso já se dê, em parte, na medida em que se ame algo durante nossa curta jornada nesse elipsóide que gira em torno desse sol fenecente. As circunstâncias sempre nos envolvem. Seria o nosso destino algo já pré-determinado? Ou tudo volta sempre ao que se era, o mundo sendo uma grande engrenagem cíclica, uma neurose cósmico-planetária? Ainda que não tenha a resposta, resposta esta que certamente nunca terei, não sou obrigado a engolir a dos outros, sem prova ou nada parecido. Assim como respeito a sua fé, espero que respeite a ausência disso. Mas isso já seria ser tolerante, exercício este não muito praticado no cotidiano, nem ao menos em pequenas coisas, o que se dirá com coisas que mexem com o medo da morte e do nada.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Sobre deusas e capachos

Picasso uma vez falou para sua penúltima mulher(não tão penúltima assim...) que para ele só existia dois tipos de mulheres: as deusas e os capachos.Bem, como o gênio era radical demais, podia - prerrogativa de excepcionais -ser extremado em suas colocações.Será que para ele, a condição de capacho significava que a mulher podia ser pisada?Ou não se olha para o chão quando se pisa o capacho? Sempre é meio estranho dizer-se completamente indiferente à presença de uma mulher, ainda que essa não nos desperte interesse particular. Ainda sou um cara das antigas, que cede lugar para mulher em ônibus ou, pelo menos, me sinto incomodado comigo mesmo se não o faço.Essa penúltima mulher(vítima e privilegiada ao mesmo tempo, como ocorre com figuras que  se relacionam com gênios) foi esperta e caiu fora, antes de sentir a sola pressionando suas ancas.Mas a colocação do Picasso é, por assim dizer, característica de tudo que envolve o ser totalmente integrado(artista-homem) que o cidadão era.Afinal, coisa de Picasso ou de Chaplin, homens que não podiam ficar um dia sem uma mulher ao lado, embora, no fundo, não dessem a mínima para a dita cuja.Chamaria de interesse desejante pragmático.Sabe como é: aquele papo de ruim com elas , pior sem elas.Ou seja: no fundo a deusa era um capacho que se pisava delicadamente.Mas compreendo os tipos como eles , ainda que anos luz de distância me separem da genialidade deles e eu tenha sido mais vítima do pisar alheio do que o contrário, porque, no fundo, homens são homens e nada mais do que homens, como dizia o imortal bardo inglês.Ainda que haja homens que frequentem as regiões mais próximas do chão, ocupando uma posição intermediária, um tipo alternativo de passadeira.Mas não radicalizaria tanto quanto o Picasso na generalização, ainda que a considere engraçada.Prefiro as qualificações termológicas :  há as adiabáticas e as diatérmicas.Ou seja, as com que trocamos calor e aquelas que estão em isolamento térmico.Talvez, na verdade, isso se aplique a todos os relacionamentos; apenas a calorimetria entre homem e mulher é mais complicada.Mas não sei onde se enquadra mãe nisso tudo...Freud explica.Explica?!