Não sei bem se por ser estudioso ou solitário em minha adolescência, acabei por desenvolver hábitos românticos durante este período.Isso incluía uma certa idealização sobre as meninas, as quais por mim não nutriam lá muita admiração; nada a causar espanto, já que elas preferiam os que se davam melhor nos esportes ou eram mais agressivos, ainda que demonstrassem repúdio envergonhado por eles.As idealizações prosseguiram com o tempo, já que o idealismo parece um tipo de virus com o qual temos que conviver para o resto da vida.Com o tempo, apaixonado por matemática e ciência, a ponto de montar um pequeno laboratório na lavanderia de minha casa(o qual produziu uma pequena explosão durante um experimento), acabei por ingressar em curso técnico de química, adentrando minha juventude com a convivência de um curso de engenharia.Isso porque, em ambiente de pragmatismo de classe média(fruto de milagre econômico da era da ditadura militar), todos meus colegas faziam vestibular para engenharia.
Comecei a ter outros interesses durante o curso, tais como literatura, música clássica e pintura.A ditadura estava ruindo e a política na universidade bombando, daí não ser difícil trocar minha alienação de favorecido pelo milagre por um engajamento político nos ideais de uma sociedade mais justa e fraterna.Em suma: virei um comunista.Mas, verdade seja dita, daqueles bem idealistas, reflexivos e cheio de leituras.Não me agradava, contudo, o comportamento narcisista e pragmático de meus "camaradas".Continuava a ser um peixe fora d'água, como o fora durante meu curso de engenheria.Este já havia sido trocado por um outro de Física, área mais afeita ao meu temperamento um tanto especulativo.Lembro-me de que, durante meu terceiro ano de engenharia, acabei faltando numa prova, capital para a continuidade do curso, por preferir ficar ouvindo uma sinfonia de Mahler.Naquele momento senti que a vida podia encerrar algo de mais transcendente que o cotidiano de um trabalho como engenheiro.Mas que fazer: não fiz a prova, mudei de curso, andarilhei pela universidade, meti-me nas searas da política estudantil, apaixonei-me por musas militantes, sempre dividido entre o real e o imaginário, entre a famosa praxis e o sonho.Com o tempo, mais e mais a arte me causava interesse e espanto, ainda que mantivesse profundo interesse e respeito pelo campo da ciência.Estudando artes plásticas(depois de deambular pela universidade em cursos de letras, filosofia, ciências sociais, etc) e atuando como professor de física, sempre me vi dividido entre razão e emoção de uma maneira muito visceral.No fundo, quem não sofre um pouco disso?Se, já maduro, abracei o reino do estético, não tenho certeza se o fiz pela minha vontade ou apesar de minha vontade.Ainda me sinto dividido, desconfiando de tudo que faço, vendo arte como algo sério, consciente de meus limites, dos problemas da técnica e do empenho, mergulhado nessas tensões horríveis do mundo que me circunda, consciente da inutilidade do que faço.Fazer sobreviver o corpo e a alma, mantendo os dois de forma íntegra; aparentemente coisa simples mas muito complexa.Teria sido eu um bom engenheiro ?No fundo, cada momento de nossa vida é sempre uma reinvenção.E, por vezes, quando sinto algo de estar perdido nesse mundo, sempre em dúvida sobre se fiz as escolhas certas, sobre ciência, arte ou amor, já tenho a resposta pronta que, se não explica completamente, pelo menos serve para aplainar relativamente as arestas da covardia ou hesitação com que foi dado cada passo: a culpa foi do coitado do Mahler e sua sinfonia.E se eu não tivesse ligado aquele rádio no carro, embebido por aquela música, uma hora antes da prova?E se, e se, e se....Sempre desculpas, esfarrapadas, sempre uma justificativa racional para encampar um emocional sobre o qual não temos controle.É a vida: imprecisa, cheia de acaso e sonho de ordem, numa espiral de acontecimentos imprevisíveis e solitários, como notas aflitas numa partitura, exatamente como uma sinfonia de Mahler.
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