sábado, 27 de outubro de 2012

Abrindo a alma no turbilhão incomensurável de animais assassinos travestidos de vento como as pedras da cidade imantadas de ódio, granítica e incomensurável asfáltica virtude despejada como lodo no meio fio da virtude que não mais existe que uma verdade além desse fastio de vida apodrecida em toda essa humanidade que tanto amei e tanto ódio de mim merece, esse ódio que talvez seja o melhor de mim, minha natureza que não consegue se traduzir em atos de minha vontade, essa já falida, arrebentada por tudo que evitei, aviltei, que vergonha essa de me olhar no espelho e me reconhecer em todas as mentiras que me imputei, agora que a morte é tão mais próxima e afetiva, no caos sangrento onde não consegui realizar a pureza da alma, se é que ela existiu em algum momento......

sexta-feira, 26 de outubro de 2012


O inferno é azul


O inferno é azul.Ponto, não se descute mais.Estavam certos os egípcios antigos que atribuíam essa cor à dimensão temerária, além dessa vida de aquém morte.Se como dizia um poeta, cinza é a teoria, verde é a árvore da vida, não hesito em afirmar: azul é o inferno.Para demonstrar, algo que não se pode em verdade demonstrar, uso sempre um famoso auto-retrato de Van Gogh em azul; tudo azul, traje, fundo, olhar, além do oceânico azul do céu, mais além dos confins da torpe realidade de cotidianos sombrios.Sim, o coração voador do holandês genial, ensandecido pelo amor e pelo desespero, disse tudo: o inferno é azul.
     De todos os maravilhosos auto-retratos que ele fez, esse é o que mais me toca a alma, o que me levou a , durante uma visita no Museu D'Orsay, ficar paralisado diante dele, arrebatado por uma alma completamente pura e despida diante dos olhos, usando recursos tão limitados como cores ou pincéis, translúcida em sua arrebatadora beleza infernal, infernalmente azul.Já com lágrimas nos olhos, fui retirado do transe por um horripilante turista japonês que queria que eu tirasse uma foto dele ao lado do quadro.Mas que tolice!O quadro não havia, havendo sim uma complexidade de azuis que se manifestavam na organização de uma coisa que podemos chamar, por meio da linguagem da pintura, de um quadro.
     Sim, meu caro Van Gogh, cá entre nós, de um cachimbeiro para outro - não ouso falar de um pintor para outro porque pintores são seres mortais e você, para mim, já pertence ao reino das entidades -, você tinha razão: o inferno é azul.Tantas vezes vi o inferno da alma em seus azuis desesperados!Sim, havia os amarelos, tão dolorosos, mas esses sempre tinham um quê de esperança; como os vermelhos, vulcânicos, apaixonadamente postados ao lado dos verdes, as paixões em conluio amoroso pelas cores de sua paleta, tão amorosa e desesperada como sua sensibilidade que não podia caber nesse planeta.Mas o azul, o azul!O azul da Noite Estrelada, aquela noite azulada mergulhada em tamanha escuridão da alma em azul escuro, azul prussiano angustiado, as estrelas desesperantes gritando em meio ao caos do universo, a grande noite universal do homem apreendida por seu coração generoso de artista puro e bom e honesto e ridiculamente apaixonado por tudo e por todos, com convém a uma alma como a sua.
    Sim, o inferno é azul!Como vermelho, amarelo  e azul, no amálgama de sua alma de poeta da paleta, são os tons de essência dessa sua tão generosa alma, essa tão atormentada alma que se traduziu em linha, forma, cor e coração, que nos chegam hoje pelo mistério da arte da pintura, do seu engenho , do seu esforço de artista e homem dotado de tantans paixões, tantas falácias que nos fazem tão frágeis, como tudo o que é frágil nesse ponto oscilante do universo que habitamos, tão vago e impreciso em seu destino como qualquer um de nós, seja simples ou complexo, animal ou mirenal, poeta ou pintor, essas duas coisas que em você encontraram a tradução irreconhecida pela insensibilidade dos seus irmãos, encontraram a verbalização precisa do que prescinde de verbo.
     Sim, meu amado "suicidado pela sociedade", ainda navego nos azuis daquele seu auto-retrato, ainda flutuo nas pinceladas nervosas e sábias de seu engenho e arte, afogado naquelas duas esferas de desespero, seus olhos, no oceano caloroso de seu atormentado universo desabrido em...azul.
       Sim, se cinza é a teoria, verde é árvore da vida, vermelho é o calor de seu amor, azul é o inferno.Porque inferno e céu sempre estarão ligados um ao outro , por meio de seu coração aflito, meu caro maluco holandês voador, um coração muito maior que todos os girassóis, que todos os sóis que em esplendorosa grandeza por você nos foram legados.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Andando.E pensando de bicicleta


 Experiência ciclística:

 Madrugada alta, três horas.Nada como uma madrugada completamente livre.Pedalando solitário, ruas vazias, um silêncio oculto como se o universo parasse.Parou ele, universo, parou a cidade ou parei eu nesse vazio em que se pode até ouvir o ruído dos pneus?Tantos milhares, milhões, nessa hora mergulhados na face oculta da vida que não se revela à luz do dia.Única hora em que me sinto humanizado em meio à fúria calcinante dessa cidade.Eu, o silêncio, a bike, um vazio que poderia me levar a pedalar ao infinito...

domingo, 21 de outubro de 2012

Algumas reflexões outubrinas


    Fico pensando se o pessimismo não tem alguma origem genética.Filosoficamente é uma forma de pensar muito antiga, de ver as coisas sobre o prisma do “quanto pior puder , pior será”.Assim como o otimista, vejo o pessimista como inconveniente em algumas situações.Dialogamos com as duas partes em nosso interior; diálogo confuso, cacofônico, sempre inconcluso e cheio de estridências.Ontem estava vendo o filme Melancolia, daquele diretor nórdico famoso e com freqüência acusado de fascista, Lass von Trier.Aliás, o pensamento fascista é sempre acusado de ser pessimista, o que não tem consistência filosófica como juízo de valor, pelo menos para quem se interessa em pesquisar o interior das carnes ocultas do fascismo(fenômeno universal e cósmico ,segundo o Jorge Mautner).Por exemplo: os nazistas sempre acreditaram que podiam ganhar a guerra, mesmo quando essa já estava perdida.Haja otimismo!Mas sabem como é : em termos de Europa, acima da Normandia , quanto mais próximo do círculo polar,as coisas já começam a ficar cinzentas.É só pensarmos no gênio Bergman.O filme que vi tem imagens muito bonitas e é bem construído, nos personagens, nas falas, nos ritmos.Sim, com efeito é um porre de pessimismo.Mas na arte o pessimismo funciona, não faz mal.Na vida real não adianta muito porque atrapalha o cotidiano, tanto quanto o otimismo ingênuo e cegante.Em termos reais, mais fácil seria trabalharmos em termos estatísticos e, com isso, muita coisa ganharia consistência, até mesmo o amor sendo uma possibilidade estatística, apesar desse mundo.Mas enquanto um planeta Melancolia não nos vem livrar desse outro lado, d’aquém morte, a gente ainda vai continuar olhar para o céu buscando alguma estrela nova.Queira-se ou não.A vida é um troço muito teimoso...

O tempo todo fico esperando ter coisas que nem ao menos sei que existem.O tempo todo fico pensando em todo o tempo em que fiquei pensando nisso ,  deixando que as coisas que existem deixassem de existir.Mas se nem ao menos o tempo existe, apenas resiste à passagem de si mesmo pelo espaço em que se define...

Nada como deitar na cama, antes de pegar no sono, acender um cachimbo fiel, olhando a fumaça se projetando para cima, nuvens acinzentadas que se perdem na escuridão do teto.Meus devaneios flutuam como a fumaça que se esvai desse cachimbo, sobem e se desfazem ambos, fumaça e sonho, um pouco como o eu que sou e nunca se encontra,;para o alto, para o ar,  alma flutuando para longe da terra dos homens.


    Corpos que se coabitavam e ,em sua convivência de corpos, faziam coabitar duas almas, numa jornada incerta, sem começo ou fim.Ou melhor: com freqüência ,um fim,  quando a morada não alberga mais nada.

Dia desses cometi um erro : ouvi seguidamente duas sinfonias de Villa Lobos, antes de dormir.O resultado foi que dormi sonhando com trilha musical, aquele enxame sonórico-amazônico do Villa norteando meus sonhos, aquele caos sinfônico tão brasileiro fazendo parte desses sonhos, se é que os tive.Acordei me imaginando numa floresta tropical, quando em verdade não passava de meu trôpego quarto; tão pleno de poeira,cheiro de livros e restos de cinza de tabaco por todo o lado , o mundo e a vida real, além dos sonos e sonhos, lá fora me esperando, aquém, muito aquém das florestas imaginárias e das iaras perigosas.

sábado, 20 de outubro de 2012

A beleza de certas moças


A beleza de certas moças
Ah, a beleza de certas moças que nos ferem como o sol!
O que fazer com esse calor que não estanca ou esse frio por dentro que não cessa, o que fazer com essa inútil ternura? Essa beleza que, entre delicada e astuta, vai cortando suavemente a inobservância de nosso silêncio.
E vai essa beleza corroendo as vísceras pelos olhos e deixa lá suas feridas criadas, nesse frágil repositório de sonhos que finge carregar nossa alma.Deixa cicatrizes que olhamos com carinho.Na espera da presença corruptível da morte que devorará a tudo e a todos, a insana certeza de que essa beleza não morrerá.Por que mãos tão limitadas?Por essa moça e sua beleza, quem sabe ,cavaria uma trilha ao paraíso que jamais encontrarei a não ser pela rota indicada por elas.Há o mundo e seu horrores, palco de cruéis absurdos inenarráveis; mas há também a beleza dessas moças que nos redime da morte, do vazio, de todo o asco que nos entra pelas veias em cada despertar doloroso.Há a noite de animais sombrios, uivos desesperantes, assim como há o sorriso dela.O que fazer com a gravidade do momento de seu sorriso?
O tempo passa como o sol se põe, a cicatriz permanece.Eu a miro como quem olha uma folha pousada na superfície líquida em que agora meu corpo se transforma.Indelével e suave como um sorriso,  aquele sorriso que nunca se descreve , nunca se tem, paraíso numa boca de luar agora em corpo de mulher.Cicatriz-sorriso que me faz querer morrer ao ver; onde estará essa beleza amanhã?Sensível a qualquer toque...Ah, como dói a beleza de certas moças!O que fazer com essa lembrança, o que fazer com essa inescrupulosa ternura?

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

sono de moça

         Sem pretensão       para  M.C.



                           sono de moça


          O tempo passou

            o sonho

         voz distante da infância

         vive, revive, flutua

        na tez suave de teu sono de moça.

      
      Nem todas guirlandas de nuvens arrancadas aos céus,



       nem ao menos todos os tons roubados do arco-íris


      a ilustrar o silêncio dessa beleza.



     Quem vela a clausura desse teu silêncio?

     para onde correm as coisas de menina, moça,mulher

     marejando em sussurros em tua cabeça pousada?



     Entre morte e vida cai o instante, a sombra

     alguma pura luz cortando o coração

                        partido

            na comoção do que se vê e sempre se perde.



     Apenas a certeza

      de ver ou sentir

    na sombra de teu suave talhe

    a carícia de um anjo a te embalar.

      
Fiz muito ao longo da vida: naqueles momentos em que a solidão fere como uma rocha gelada e áspera as paredes do coração, quando não muita coisa animava ou funcionava para me livrar de olhar as paredes ou brigar com minha imagem no espelho, pensava numa moça que gostava ou admirava, escrevia umas coisas bonitas para ela, em papel, claro.É só pensar em alguém que se gosta, pouco importa se se é retribuído ou não, e já passamos a falar com linguagem das estrelas.Nem sempre mandava, na maioria das vezes a hesitação bloqueava e   acabava por guardar numa caixa.Coisa tão minha que nem mesmo aquela a quem era endereçada a coisa escrita podia ver.Depois de algum tempo já tinha uma caixa cheia.Não sei onde foram parar todas aquelas coisas, talvez ridículas em sua maioria.É tanto papel que se perde ao longo da vida...Hoje minha caixa é mais vazia; mais difícil escrever, guardar, preguiça, má vontade ou, talvez, desalento .Mas, confesso, ver a caixa vazia dá um grande vazio na alma.Não é a mesma coisa que a memória de um computador ou uma pasta poliondas.Ainda que eu desonfie de algumas pastas largadas...

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

 Quando a beleza toca o coração, nós deixamos de ser o que somos , para sermos a soma de todas as coisas que deixamos de ser.
   Na solidão, essa pétrea condição que envolve o ser humano, por vezes um hiato entre a sombra e a luz, entre a desesperança e a crença,  se faz no breve momento em que um fato, um acaso ou outro ser nos desperta do torpor aflito do cotidiano. Pode por si só não existir o que chamamos de belo.Integridade, consonância, iluminação, tudo isso nos conduz ao profundo poço de mistério que é o coração da vida.
     Em certas ocasiões, dar um doce a uma criança, falar coisas bonitas, desinterassadamente, a uma moça, pode nos fazer menos solitários.Compartilhamos nossas existências de sombras, onde "os corpos se tocam, as almas não", não tendo nunca certeza para onde vamos.Sempre a mesma questão, como a mesma posta no belo quadro de  Gauguin: quem somos, de onde viemos, para onde vamos...E, nesse hiato de nossa desesperança, nos apegamos à beleza e ao amor, únicas plataformas onde podemos fincar com segurança os pés de nossos desejos.Até que ela, instante de inobservância das leis do universo, a beleza que surge do instante nos reintegre à dimensão perdida de nossos sonhos; nós, que apenas nos fazemos como projeção em carne do que eles são, frágil matéria plasmada pelo silêncio do universo.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Sobre as emanações dos elétrons e as mulheres

Isso me parece um lugar comum: sempre ouço algum amigo dizer que mulher não gosta de homem bonzinho.Bem, sempre há uma falsa identificação entre bonzinho e banana.Não gosto de absolutizar nada, muito menos conceitos(ou seriam pré?) do tipo bonzinho ou banana.Existe uma certa generalização a respeito de masoquismo feminino.Por favor, não vamos botar pessoas como o Nelson Rodrigues nesta jogada, não só por ser um cara do século passado, como também por conhecer mulheres de outra época, diferente da espécia mutante de grassa por aí.Já imaginaram como seria o Nelson, hoje em dia, se defrontando com esse tipo de mulher, o que diria?Acho que sairia correndo ou escreveria o dobro de coisas, por dispor de mais material.
     Acredito, em minhas flutuações imaginativas teóricas, que o núcleo humano em que se forma a personalidade das pessoas, seja  ele uma família ou uma colônia penal ou de chimpanzés,inevitavelmente vai influir em como as pessoas vão agir emocionalmente no futuro.Os mecanismos afetivos tendem a se repetir, os papéis são impostos pelos valores sociais e familiares.Daí que haja tanta infelicidade espalhada por aí.Se você foi a "ovelha negra da família", acabará por tender a repetir esse papel, inconscientemente, em futuras interrelações sociais.Sentir-se rejeitado é sempre algo doloroso que só é superado, enquanto sentimento, à custa de muita elaboração e independência dos fantasmas do passado.Pode, inclusive, ser algo interessante, criativo até, se a frustração ou neurose se transformar em algo trascendente em relação ao sentimento original.
     Não caio nessa cilada : sabemos tanto da natureza humana, seja ela feminina ou masculina, quanto do eletron ou das partículas subatômicas.Não sabemos sobre sua "essência", podemos apenas captar as emanações,sejam dos elétrons ou das pessoas.No caso das partículas, elétrons e outras, pelo menos temos modelos e recursos científicos ajudando no seu estudo e entendimento.No caso das pessoas, as psicologias humanas, a arte entrando nisso também.Resumo: sabemos mais, em termos relativos, sobre partículas subatômicas do que sobre pessoas, apesar dessa multidão de conhecimento acumulado pelas literaturas específicas.Mas os elétrons parecem não mudar de opinião com facilidade, e sim de posição no espaço.Já as pessoas gostam mais de fixação espacial com maior mudança de opinião.
     Daí que não vou ser louco de generalizar coisas como mulher gosta disso, gosta daquilo.Porque, sejamos honestos(pelo menos uma tentativa minha, enquanto homem): é absolutamente impossível saber o que se passa na cabeça de uma mulher, pelo simples fato de que é quase tão impossível saber o que se passa na minha cabeça.Nem ao menos precisamos do princípio de incerteza , derivado da física quântica, para a conclusão.
     As mulheres não são mais complicadas hoje; sempre  o foram, apenas não captávamos as "emanações" dessa complicação pelo papel de subserviência, de passividade, de agente econômico menos ativo,de menor liberdade.Como um elétron que passou de um nível de energia menor para um maior,agora é mais difícil pegar no espaço.Mas a natureza continua a mesma.
     Por isso, gente como artistas ou psicólogos, seja em seus tratados ou criações,nunca captam a essência de uma mulher,;apenas seus reflexos, emanações, dados circunstanciais.A imprevisibilidade é tão grande. que a margem de incerteza será sempre difícil de determinar.Podemos delimitar traços gerais de conduta, mais ou menos como podemos determinar um orbital no espaço onde o elétron pode estar.
      Coisas como masoquismo não têm origem genética e sim cultural.Mas tem muito homem, mesmo intelectualmente sofisticado, que vive ainda nos determinismos da primeira metade do século vinte.Daí a dificuldade de adaptação a novos esquemas e procedimentos.
     Submeter não é entender, jogar com afetos reprimidos como forma de dominação também não é.Homens não podem entender mulheres, assim como o mesmo vale para mulheres com relação aos homens, pelo simples fato de que os modelos de entendimento são incompatíveis com uma lógica uniformizante para os dois gêneros.O resultado sempre será o desencontro, ainda que a convivência possa ser fraternal, o que é essencial para a continuidade da espécie.Se é que essa ainda vai continuar no planeta.
    Já queimei muito neurônio para tentar entender cabeça de mulher.Tão fácil como saber o que ocorre do lado de lá, assim que o coração parar.No plano da abstração sempre mais fácil me parece a comunicação.Na emoção, é mais frutificante, embora, com frequencia mais frustrante.O negócio é deixar fluir,sem exigir demais.Afinal, já que a vida é tão cheia de incerteza, porque procurar certezas entre homem e mulher nessa vida.Não caio nesse papo de "homem que conhece mulher, que sabe o que mulher quer".Balela!Ninguém sabe, ninguém conhece nem conhecerá, seja ele um troglodita qualquer ou um Nélson Rodrigues.Esse, com engenho e arte, usou algumas emanações de algumas mulheres, de algum período no vasto tempo do mundo, no curto espaço de vida do país.Mas sabia tanto quanto eu,;ou seja, quase nada.
Ainda sobre o filme de Louis Malle:  incrível a similitude de destinos entre o personagem principal da história e o autor do livro que rendeu o roteiro.Mais um exemplo da arte virando vida, ou a vida imitando a arte.Impressionante que, ao longo de seu exercício de "flanneur" ao longo das ruas parisienses, Alain queira desesperadamente, através de seu olhar, enxergar o que as pessoas são realmente por dentro, o que elas fazem naquela loucura quase sem sentido em que são levadas pelas circunstâncias, sem certeza alguma, sem deliberação alguma da vontade.O amor como um grande fracasso e desentendimento, tanto faz que o fracasso seja físico, moral ou espiritual.O homem sempre numa encruzilhada, possibilidades diversas ante possibilidades de escolha.E se não houver escolha, se não houver vontade de escolha?Daí o vazio, sem sonhos para escorar a realidade, sem desejo, vacuidade de sentido e imprecisão, como a própria morte, única certeza a atormentar um coração que já se perdeu de si.
    Realmente, esse filme mexeu comigo.Na segunda visão, contudo, me fez despencar num abismo.Ainda que eu veja um pouco mais de luz do que as trevas que envolveram a existência de Alain.
 Famoso filme de Louis Malle, Trinta Anos Esta Noite(Le Feu Follet, no original francês), foi por mim revisto dia desses na tv.Já o tinha visto em cineclube, faz mais de vinte anos e me lembro de ter ficado muito impressionado com ele.Mas a segunda vez, agora, foi realmente uma "porrada"!Com o passar do tempo e uma vivência maior, podemos ampliar a percepção de certos detalhes e circunstâncias que fazem a existência das pessoas.A temática do filme é essencialmente existencialista: o vazio, a falta de significado na vida,  os limites de compreensão do ser, do amor e da morte, a desesperante busca de um destino próprio por meio da vontade individual.O roteiro é baseado num livro de uma figura polêmica da literatura francesa do século vinte(principalmente por causa de seu posicionamento político durante a França ocupada): Drieu la Rochelle.Coisa da época: o personagem vai fazer trinta anos, já se sente velho, sente ter dissipado seu tempo e juventude em coisas sem sentido, em farras e muito álcool.Acaba de sair de um tratamento de desintoxicação alcóolica e vai, em Paris, em busca de suas antigas amizades.No lastro de seu passado, vários relacionamentos amorosos fracassados.Não consegue, no novo contato com antigos amigos ou amantes, ver significado para ele no que eles fazem, na vida que levam.Não suporta o status burguês de ver e sentir a vida.Mas, entretanto, não consegue achar nada nessa vida que o motive a viver.Poderia ser uma história simplesmente opressiva e cinza, mas o diretor imprime um ritmo e uma delicadeza   nos detalhes que nos fazem passear, ao lado da sensibilidade desesperada de Alain, o protagonista,pela cidade,olhando as pessoas e não se reconhecendo enquanto humano nelas, no desentendimento com o destino de seus antigos amigos, numa jornada que se transforma numa sensível e punjente balada melancólica e existencial.Creio que esses problemas da época ainda são atuais.Por sinal, qualquer grande problema espiritual de um grego da antiguidade, por exemplo, ainda tem muito a ver conosco.Nem todo avanço ou tecnologia eliminaram os grandes dilemas que perfazem nosso espírito, coisas como nossa finitude,   a presença inexorável da morte, o sentido de nossa existência, a superficialidade de nossas relações, a falta de coragem para assumir um destino, o acomodamento alienante a valores medíocres, o rebaixamento de nossos sonhos ao pragmatismo de um cotidiano

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Por culpa de uma sinfonia

Não sei bem se por ser estudioso ou solitário em minha adolescência, acabei por desenvolver hábitos românticos durante este período.Isso incluía uma certa idealização sobre as meninas, as quais por mim não nutriam lá muita admiração; nada a causar espanto, já que elas preferiam os que se davam melhor nos esportes ou eram mais agressivos, ainda que demonstrassem repúdio envergonhado por eles.As idealizações prosseguiram com o tempo, já que o idealismo parece um tipo de virus com o qual temos que conviver para o resto da vida.Com o tempo, apaixonado por matemática e ciência, a ponto de montar um pequeno laboratório na lavanderia de minha casa(o qual produziu uma pequena explosão durante um experimento), acabei por ingressar em curso técnico de química, adentrando minha juventude com a convivência de um curso de engenharia.Isso porque, em ambiente de pragmatismo de classe média(fruto de milagre econômico da era da ditadura militar), todos meus colegas faziam vestibular para engenharia.
     Comecei a ter outros interesses durante o curso, tais como literatura, música clássica e pintura.A ditadura estava ruindo e a política na universidade bombando, daí não ser difícil trocar minha alienação de favorecido pelo milagre por um engajamento político  nos ideais de uma sociedade mais justa e fraterna.Em suma: virei um comunista.Mas, verdade seja dita, daqueles bem idealistas, reflexivos e cheio de leituras.Não me agradava, contudo, o comportamento narcisista e pragmático de meus "camaradas".Continuava a ser um peixe fora d'água, como o fora durante meu curso de engenheria.Este já havia sido trocado por um outro de Física, área mais afeita ao meu temperamento um tanto especulativo.Lembro-me de que, durante meu terceiro ano de engenharia, acabei faltando numa prova, capital para a continuidade do curso, por preferir ficar ouvindo uma sinfonia de Mahler.Naquele momento senti que a vida podia encerrar algo de mais transcendente que o cotidiano de um trabalho como engenheiro.Mas que fazer: não fiz a prova, mudei de curso, andarilhei pela universidade, meti-me nas searas da política estudantil, apaixonei-me por musas militantes, sempre dividido entre o real e o imaginário, entre a famosa praxis e o sonho.Com o tempo, mais e mais a arte me causava interesse e espanto, ainda que mantivesse profundo interesse e respeito pelo campo da ciência.Estudando artes plásticas(depois de deambular pela universidade em cursos de letras, filosofia, ciências sociais, etc) e atuando como professor de física, sempre me vi dividido entre razão e emoção de uma maneira muito visceral.No fundo, quem não sofre um pouco disso?Se, já maduro, abracei o reino do estético, não tenho certeza se o fiz pela minha vontade ou apesar de minha vontade.Ainda me sinto dividido, desconfiando de tudo que faço, vendo arte como algo sério, consciente de meus limites, dos problemas da técnica e do empenho, mergulhado nessas tensões horríveis do mundo que me circunda, consciente da inutilidade do que faço.Fazer sobreviver o corpo e a alma, mantendo os dois de forma íntegra; aparentemente coisa simples mas muito complexa.Teria sido eu um bom engenheiro ?No fundo, cada momento de nossa vida é sempre uma reinvenção.E, por vezes, quando sinto algo de estar perdido nesse mundo, sempre em dúvida sobre se fiz as escolhas certas, sobre ciência, arte ou amor, já tenho a resposta pronta que, se não explica completamente, pelo menos serve para aplainar relativamente as arestas da covardia ou hesitação com que foi dado cada passo: a culpa foi do coitado do Mahler e sua sinfonia.E se eu não tivesse ligado aquele rádio no carro, embebido por aquela música, uma hora antes da prova?E se, e se, e se....Sempre desculpas, esfarrapadas, sempre uma justificativa  racional para encampar um emocional sobre o qual não temos controle.É a vida: imprecisa, cheia de acaso e sonho de ordem, numa espiral de acontecimentos imprevisíveis e solitários, como notas aflitas numa partitura, exatamente como uma sinfonia de Mahler.

domingo, 14 de outubro de 2012

Corpos coabitados, almas exiladas, será esse nosso destino no mundo?Olho ao redor e vejo todas essas sombras que chamo de humanidade, mal sabendo se são projeção do que sinto ou se não passo de um sentimento delas.Em todo caso, na barafunda infernal do mundo, o sol parece se mover no dia, a terra parece despida de qualquer movimento sob meus pés mas, no entanto, quem se move em torno do sol é o pl
aneta, tão insignificante para esse sol como qualquer um de nós.Assim somo nessa vida, imaginando os sonhos e desejos desfeitos como projeção de uma vontade mal edificada, quando, na verdade, o puro acaso determina nossa fugacidade, frágil presença que somos num universo mais vasto do que alcança nossa vã razão, sempre prisioneiros de sentimentos que nunca poderemos explicar.A verdadeira caixa preta indecifrável desse universo é sempre o coração humano.A sombra sempre cai, o silêncio sempre subtrai o ruído do que se anima no fundo do mistério que cada um constrói para si mesmo

quinta-feira, 11 de outubro de 2012


Nada como deitar na cama, antes de pegar no sono, acender um cachimbo fiel, olhando a fumaça se projetando para cima, nuvens acinzentadas que se perdem na escuridão do teto.Meus devaneios flutuam como a fumaça que se esvai desse cachimbo, sobem e se desfazem ambos, fumaça e sonho, um pouco como o eu que sou e nunca se encontra,;para o alto, para o ar,  alma flutuando para longe da terra dos homens.

Nada como deitar na cama, antes de pegar no sono, acender um cachimbo fiel, olhando a fumaça se projetando para cima, nuvens acinzentadas que se perdem na escuridão do teto.Meus devaneios flutuam como a fumaça que se esvai desse cachimbo, sobem e se desfazem ambos, fumaça e sonho, um pouco como o eu que sou e nunca se encontra,;para o alto, para o ar,  alma flutuando para longe da terra dos homens.

Nada como deitar na cama, antes de pegar no sono, acender um cachimbo fiel, olhando a fumaça se projetando para cima, nuvens acinzentadas que se perdem na escuridão do teto.Meus devaneios flutuam como a fumaça que se esvai desse cachimbo, sobem e se desfazem ambos, fumaça e sonho, um pouco como o eu que sou e nunca se encontra,;para o alto, para o ar,  alma flutuando para longe da terra dos homens.

Nada como deitar na cama, antes de pegar no sono, acender um cachimbo fiel, olhando a fumaça se projetando para cima, nuvens acinzentadas que se perdem na escuridão do teto.Meus devaneios flutuam como a fumaça que se esvai desse cachimbo, sobem e se desfazem ambos, fumaça e sonho, um pouco como o eu que sou e nunca se encontra,;para o alto, para o ar,  alma flutuando para longe da terra dos homens.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Coisa louca: jornais, tv e internet, o mundo explosivo, em convulsão.O tédio é apenas a narcose do tecido social doente que nos envolve.Aí me sinto culpado por séculos de absurdos e injustiças, todo mundo cúmplice.A vontade mesmo era jogar uma bomba em tudo.Ainda bem que a corrida armamentista acabou, escapamos por pouco...Poderia pegar meus livros antigos sobre física quântica, quem sabe exercitar um pouco de matemática, concluindo, talvez, que tudo não passa de ilusão dos sentidos, pouco importando nesse corpúsculo insignificante no universo que nós habitamos..Não, melhor é o desenho.Aí tenho que entrar no meu cotidiano de atelier que, se não dá muita grana, me dá um pouco de paz.Fora daí o universo estranho e o caos do mundo.