Não vendo um amigo de longa data, marco encontro e levamos um papo legal
num café.Ele, também pintor, conta algumas novidades.Mas, interessante, após um
início de discussões sobre arte, pintura e vida de artista, a conversa envereda
por longo , longo tempo em torno de relacionamentos e sexo.Bem, não há como
fugir, ainda mais se levarmos a sério pressupostos psicanalíticos de que toda
atividade cultural humana acaba sendo instinto sexual sublimado, ou seja,
transformado num substitutivo.Claro que há controvérsias sobre isso.Mas, fato
é que o problema não é a arte, e sim as
mulheres.A arte nasce no terreno do acaso, mas um mínimo de controle temos
sobre ela, em essência sendo indecifrável por completo, mas apresentando
algumas pistas.As mulheres não: são incontroláveis e absolutamente
inescrutáveis.Fazer arte é brincadeira ao se comparar a se relacionar com
mulher.Elas, óbvio, devem dizer o
mesmo.Vai ver só dá para se comunicar mesmo por meio da arte.Afinal, ela, arte,
está aí para "consertar" a vida.Somos todos "tortos" e nos
comunicamos de formas "tortas".
O negócio é que, se levarmos a fundo como
vemos o mundo, sejamos ou não de
mentalidade religiosa, deveríamos encarar tudo como sagrado, qualquer atividade
cotidiana.Seria uma visão próxima a certas vertentes budistas, incompatíveis
com a dinâmica em que vivemos,industrial, capitalista, consumista, veloz ao
extremo, tecnológica.A não ser que desenvolvêssemos um estágio próprio de
alienação individual, uma espécie de fragmentação da personalidade, com um
piloto automático nos dirigindo na vida material cotidiana. Em verdade, todos
levamos uma vida esquizóide, queiramos ou não.Mas o que fazer com a ferocidade extrema
do mundo exterior, com tanto ódio, violência e intolerância, além da
demonização de tanta coisa abstrata? Ainda estamos muito longe das luzes da
razão iluminando nossos passos do dia a dia.
O ciúmes é o psicotrópico da imaginação.Como a cocaína, pode deixar
elétrico.Como a maconha, pode prostrar. Como ácido, pode nos levar bem fora da
realidade.
O sexo está para o amor assim como a chama da
vela está para a luz por ela criada.A chama pode acabar, mas sua luz se expande
indefinidamente ao infinito, perde-se no espaço, ninguém tem certeza até que
limites alcança.Embora, com o tempo essa energia luminosa se dissipe em meio
aos astros.Constatação: tudo acaba, até mesmo o amor.
Já ouvi o termo Era da Incerteza, assim como Era da Ansiedade.Eram
associados ao século XX, podendo muito bem se adaptar ao XXI.Normalmente, em
todo início de século as pessoas sentem-se ligadas ao anterior, tanto em
costumes, valores morais, sentimentos e relações humanas.Contudo, uma certa
nostalgia mórbida acentua um pessimismo, algo bem "fin de siècle",
definidor do que antigamente se chamava decadentismo.Certo, então somos os
decadentes do século XXI.Os decadentes do século XX acabaram por fomentar, com seu pessimismo
iconoclasta e contra o otimismo triunfalista burguês do século XIX, revoluções,
tanto políticas quanto estéticas.O triunfalismo agora, por outro lado, é
tecnológico, o que não implica que todos os problemas serão resolvidos pela
ciência.Esta tem lá suas limitações, o mundo nunca será absolutamente
racionalizável e continuaremos vivendo inseguranças diversas em nosso
cotidiano.Se o século XX foi o mais sangrento da história, será que o XXI será
o mais entediante?Por mim, a necessidade constante de consumo e diversão só
pode gerar tédio, num tempo em que a duração da vida humana tende a se
estender.Sei lá....Sei apenas que vou morrer antes de saber.Isso é certo.
Somos limitados por várias coisas: objetos, pessoas,nossa própria
materialidade, ações, pensamentos, etc. O que está entre nós e o resto do
universo é como uma membrana, onde ocorre uma osmose entre o que se sonha e o
que se é, entre o que se pode fazer e o que se faz. Para tudo em nós há limite:
podemos sonhar a genialidade por meio da razão e nosso intelecto não tem fôlego
nem recursos para tal; podemos nos imaginar
em grandes conquistas nos esportes, escalar as maiores altitudes, mergulhar às
maiores profundidades, enfrentar as mais
severas feras e forças da natureza em sua crueza absoluta ,e nos faltam os
músculos, o fôlego , o coração fraqueja, os pulmões estiolam-se. Apenas para
uma coisa não há limite nessa vida, onde a vontade se materializa de tal forma
que se ombreia com a dimensão do universo: é a nossa sensibilidade. Esta não
tem limites , por que só se define a partir da inexistência de limites.
Fico pensando que talvez fosse bom que meus pensamentos deixassem de se
construir pelas texturas da razão, passando a ser apenas sensações.Seria mais
simples e imediato, o que me levaria à míngua, talvez à situação de uma folha
seca largada ao vento, num canto de sarjeta.Provável morte prematura mas, pelo
menos, me livraria da idiotia do dia a dia, por
então desconhecer qualquer coisa inteligente como parâmetro.
Dar murro em ponta de faca pode não passar de uma forma um tanto radical
de resolver uma coceirinha na mão.
Triste e impenetrável como aquela mangueira no fundo do quintal.
Absorto na vida como uma galinha passeando no terreiro.
A presunção tola, como aquela empáfia cheia de idiotia do galo.
Aquele " nem estar aí " do gato que nos olha com desprezo.
A simplicidade elegante de um cavalo descansando.
E a paciência sublime de um boi.
Isso tudo, talvez infelizmente, não sou eu, quem sabe ninguém.
Definitivamente, minha condição humana está muito limitada quando olho
ao redor.
Estar maduro para o sofrimento.
Estar maduro para a poesia da vida.
Mas quando é que surge essa madureza?
Cobra-se maturidade constantemente,
mas pouco se preocupa com o alicerce de
sofrimento
que segura os cacos das almas todas de toda a
gente.
Dois idiotas brigam num ônibus em movimento causando um acidente.Sete
pessoas morrem.Os dois imbecis tinham antecedentes de brigas e discussões, mas
nunca tinham sido presos.Agora alegam não se lembrar de nada.Não devem se
lembrar nem de que são humanos, os alienados ignorantes(uma combinação perigosa
para se gerar violência sem controle).Arre, que tem gente que precisaria levar
injeção de salitre na veia para deixar de fazer bobagem!.Como tem homem imbecil
que briga por qualquer coisa: fila, mulher, futebol!Tem até muita mulher que
curte esse tipo; sorte dela, faça bom proveito do traste.Raios de humanidade
que ainda não sabe o que fazer com a violência interna, que ainda não aprendeu
a conviver com o bárbaro civilizado amarradinho em nosso interior.Não tivesse
rédeas curtas, por educação, temperamento ou mesmo repressão, eu já teria
matado dezenas em minha vida.Motivos nunca faltaram, principalmente os
fúteis.Deveria ganhar um bônus por controlar minha violência.Mas só ganhei
mesmo foram bananas.Êta "espetáculo furioso e sem sentido"!O pior de
tudo é a impunidade dos que não sabem segurar os cachorros.
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