Interrogação
A vida é sombra e sobra
do que se tem, do que se teve, do que nunca se
terá
Desavizado passeia o que somos
na sombra de um desejo que se é
sem ao menos saber se o pomos
onde se deve sem a mínima dor ou fé.
E de passo em passo se escapa do abismo
de tudo que se faz por carne ou sentimento
que do mundo o engenho e sonho humano
faz a volta de tudo que se tem em pensamento
Nessa hora em que as estrelas escarnecem de
nós
viajantes transitórios nas paragens de suas
terras
caímos no silêncio indiviso da dor e do pavor
sem ao menos entender de tudo o amor.
ALGUNS LABIOS
Esse mundo anda cheio de flores
não tanto quanto essa vida de amores
Esse mundo anda cheio de sonhos sábios
mas não tantos nem belos como seus lábios
Esses são frutos que não se acha em qualquer canto
sumo e licor róseo com que a alma sonha leve encanto.
A moça dançando
sobre uma moça dançando numa foto
A moça serpenteia a graça no espaço
olhos brilhando livres como pérolas no ar
No mar, ainda que sob o vento baço
sereias enrubescem de ciúme
marinheiros às rochas em cume
Quem resiste ao suave cantar?
A moça enlaça sua graça no ar
braços em ideogramas de raro longo arco
plástica de mistério a sempre ornar
a proa invisível daquele distante marco
Braços no espaço, movimento congelado no tempo
mas quem congela a beleza , ela tão sem temperatura
solta sempre como todas as folhas livres no vento
afirmando sobre o caos a cálida presença
criatura?
Os olhos brilhantes, diamantes roubados fulvos
de que templo voltado do coração atilado
agora albergados entre braços erguidos e curvos
felina figura, mítico sonho quem sabe alado
A moça passeia sua alegria no largo espaço
no silêncio da foto estrondeia o imóvel fato
ainda que nossa turva visão marque passo
nada perece agora nessa luz que se faz de fato.
Porque de foto fez-se a moça dançando no espaço
na memória a glória da lembrança,enigma do ato.
ESQUECIMENTO
Ás vezes
nas flores do tempo me esqueço quem sou
de um lado a outro,
do verso ao reverso da alma
mal me encontro onde vou, onde estou.
Às vezes
nas nuvens da mente me perco, me vou
sem rumo, sem nada
a direção, diz-me o insondável vento
aos cansados ouvidos que ele perdoou.
E esse vento é meu pensamento,
o pensamento que não pensa, só sente
o futuro que não sei sob triste lamento,
o coração só, suspenso em sonho demente.
A dialética perdida
entre o feijão e o sonho
ah, isso não sei onde ponho.
A consistência da verdade
dessa
mentira que todo mundo é
cair nisso, é coisa simples de mané?
Se penso sempre no real
e fujo, apresso o passo no ideal
seria isso a solução bestial?
Mas cair na rima boba e fácil
não só do poema mas da vida.Basta!
Que essa nunca larga de ser madrasta
2
Ser servo da beleza em todo assédio
nada custa à inteligência marca passo.
Mas se mesmo essa beleza causa tédio...
Torpe e cruel destino, esse erro crasso!
Em contraponto ao conhecido poema: que me perdoem
as belas a que não me furto o assédio,
mas a falta de loucura...Nossa, que terrível tédio!
Contraponto sobre a Rua Aurora
Na Rua Aurora eu nasci
Na aurora da minha vida
E numa aurora cresci
M. de Andrade
Na Rua Aurora não nasci
Mas uma aurora em minha vida
Nessa Aurora descobri
Mas nessa aurora em que nasci
Ah, aurora!
logo a vi,
partida
Na Aurora em que me perdi.
Uma humilde e singela homenagem ao poeta grande e
universal da Rua Lopes Chaves, e à Rua Aurora( onde não perdi a virgindade como
o grande , eu tão pequeno; apenas tentei vender alguns quadros em sua esquina),
por onde tantas vezes passei nas horas roubadas às andanças pelas melancolias
da cidade.
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