sábado, 27 de abril de 2013

meditação 27/4


  Olho para o alto, vejo a fumaça do cachimbo flutuar com meus pensamentos.O mundo lá fora continua,  descontinua-se no que é, naquilo que ele é, naquilo que sou ou que deixei de ser.Volta então a constante vontade de se olhar pelo avesso. Reinventar-me?Todo dia procuro elaborar alguma forma de projeto para me reinventar; todo dia busco, por trás , não das nuvens de fumo flutuante mas das névoas do pensamento, algum léxico de causa e efeito além daquilo que, hoje chamo de mente, outros chamam de alma, sabe-se lá o que se compreende nesse tudo entre o falar e  as impressões do falar ,puras intenções que se associam ao sentimento.
     Como qualquer um no planeta, como qualquer um nessa cidade, nesse interregno de espaço tempo que se virtualiza como um ir e vir de um ponto a outro na espacialidade do acaso, sei que posso fazer muitas coisas, posso nada fazer, o que já não é pouca coisa.Restrito ao que sou de fora, para dentro me recolho na imensidão do que sou, mas esta nem sempre é clara, tinge-se de cinza num mar de apreensões.Afinal, como sempre, defino-me indefinidamente na ansiedade que circunda o mundo.
    Poderia procurar um amigo, dos poucos que me restaram das sobras de confiança,  confidenciar-lhe algo, lançar as velhas ladainhas invectivas sobre a vida, o amor, as frustrações.A morte é sempre uma presença, como um filete de água que se infiltra pela superfície dura das pedras.E meu coração até parece essas pedras, granítico, endurecido, antes amolecido.Ontem, sentia-me suave e mole por dentro, hoje, certo envoltório de pessimismo  uma quase mortificação budista,anovela-se ao tudo que vejo.Endurecer e ausentar-se de tudo, de todos, ser apenas como uma rocha que se protrou na própria imobilidade.Não me agrada, mas tem lá sua conveniência.
     Outro dia, esmaecido por dentro, derramei-me , dentro de mim, em choros por uma moça.No dia seguinte, as lágrimas cristalizadas pelo senso de realidade pouco me renderam, as que tombaram ao chão pouco frutificaram e voltei à realidade fria da humanidade, do comum, do dia  a dia que constrói a solidão de todos.Chorarei algum dia de novo?Ou tudo o que sonhava ser amor não passa de devaneio?Sei apenas que o sentimento não se viabiliza completamente em palavras, os signos sempre são esfacelados por suas limitações.
    A fumaça sobe, o cachimbo acende e apaga, mais ou menos como minha alma que se acende e vai do luzir à escuridão em poucos segundos.Olho pela janela e o crepúsculo lançou-se sobre a cidade, sobre mim, sobre o mundo e o universo.O mundo continuará, com ou sem minha presença; talvez me entretenha, talvez não faça mais nada  a não ser subir para o nada da fumaça, ela que paira sobre o  nada que vislumbro além das margens do futuro, num presente de incertezas que nem ao menos me assusta, pois penso nele como sucessão de acasos.E o barqueiro do rio que nos conduz às terras de ninguém nem ao menos aceita pagamento adiantado.
   E, no acaso desse quarto, serei apenas um acaso que se compraz em se desfazer da face interior que não se reconstrói, só destrói um tecido vago de silêncio que se junta à fumaça que sobe.A vida, como essa fumaça que sobe indiferente e se desfaz no teto.

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