Ora, meu caro, seja cafajeste que você se
dá melhor.O bonzinho não tem futuro.Tem que ser durão, mulher é que tem que
correr atrás,etc,etc,etc. Outra:se cair nas mãos de uma mulher, você está
perdido.Bem, se estiver sem nenhuma, também está perdido.Nossa, haja
perdição!Mas quanta peroração!
Há
quanto tempo ouço essas velhas cantilenas?Perdi a conta, já nem mais me importo
em saber.Pouco me importo mesmo com o que os outros pensam.Ou será que não, mentindo
para mim mesmo como uma desculpa, uma forma de afirmar uma certa superioridade
moral ou intelectual sobre as mentalidades mais comuns? Não sei, não arrisco
precisão nisso tudo, que se dirá de opinião.Discussões inúteis, ainda seguindo
os velhos padrões!O mundo mudando, os gêneros humanos se confundindo – já que a
confluência sempre foi confusa – e ainda tenho que aguentar generalizações.Nem sei que diabo é esse da tal natureza humana.Já até me acusaram: que é isso, cara, você até parece mulher!Bem, às vezes tenho lá um tipo de tpm masculina induzida, não por hormônios, mas sim pela minha cabeça convulsa que assusta, democraticamente, tanto homens como mulheres.
Por
isso não gosto de discutir sobre amor ou sexo com homens, salvo quando são
dotados de alguma sensibilidade especial, argúcia investigativa mental ou senso
de questionamento. De resto, finjo que levo a sério o que se fala, a coisa
fazendo ligação direta entre os ouvidos, um sorriso cínico demonstrando
consentimento com o festival de chavões.Alguns raros amigos – e amigos
autênticos são raros! – podem receber alguma confidência.De resto, é sempre a
mesma carapuça de pavão, vestimenta que nunca me caiu à vontade, ainda que eu
tivesse todos os predicados e componentes filogenéticos básicos para exercer
meu papel escrito por linhas tortas.Conselhos só me levaram ao inferno, habitat
natural para eles, ainda que o amor seja um inferno à sua maneira, ainda que
seja um inferno “doce”, azul(a cor do inferno para os egípcios), um veneno
medonho ao qual a gente se adapta com o tempo.Que remédio, temos sempre que nos
submeter às picadas da serpente....A grande questão é se vamos ou não assumir
uma culpa por isso.
Senso comum: elas não gostam de bonzinhos e sim de cafajestes, mulher é
quem deve vir atrás, e blá-blá-blá....A mesma profundidade de conversa sobre futebol; que, por sinal, anda sendo encampada por novas legiões de fanáticas do sexo frágil(?) pelo ludopédio.Nova conquista feminina?
Estou envelhecendo, ouvindo isso de homens
de vinte, trinta, quarenta, quase cem anos.É como se vivesse numa bolha de
tempo, como se tudo ficasse parado nesse assunto. E essa mulherada doida andando por aí....
Ainda se perde tempo na busca
de normatividade, homens cultos ou cavalgadura-sapiens vaticinando sua
sabedoria sobre as fêmeas ditas inferiores da espécie.Argh! Sei lá se a espécie humana é superior.Prova de que cultura
não é sabedoria.A economia muda, a grande roda do lucro precisa de sangue
humano eficiente, como o excelente, puro, concentrado e determinado feminino.No início do capitalismo cruel, escravizadas em jornadas absurdas de mais de doze horas de
trabalho;agora escravizadas pelos dilemas do consumo e da moda.Novos tempos, novos
grilhões, sonhos velhos.
Poderia até dizer : ah, as mulheres são inescrutáveis, os homens mais
básicos.Não sei, não; considero-me inescrutável à mim mesmo, não sei qual
persona assumo de acordo com a situação.Um pouco como se eu fosse um farsante com ética, se é
que isso é possível.Sei apenas de alguns instintos básicos, determinantes a
partir de meu inconsciente que se molda a certas construções sociais, as quais,
obviamente, devem me produzir carradas de infelicidades.Viver em civilização é
isso aí!
Conheço muita mulher que se queixa de coisas do tal universo
feminino. Do masculino, idem.Oh, homens insensíveis!Bem, o que não falta também é mulher insensível.
Homens pouco se queixam de seu universo, isso seria demonstração de
fraqueza , implicaria em diminuição de sua “virilidade social”.Um
saco!Provavelmente, assim como o grosso do universo feminino, o tal do
masculino é um tédio só.Talvez só na guerra fosse interessante. Mas prefiro
outras searas do espírito.Viver já é uma forma branda de guerra.
Incrível
que o tempo passe e alguns assuntos e temas se repitam de forma monótona.
Já
adentrei a meia idade faz tempo e com frequência, nessas discussões sobre
relações entre homens e mulheres, vem à baila esse negócio da preferência entre
tipos cafajestes e bonzinhos.Nossa, que discussão fastidiosa, repetitiva!Desde
moleque ouço isto, desde cedo tenho sido "adestrado" pelo senso comum
da discurseira masculina a respeito de como lidar com mulheres.Quanta
pretensão!Nem ao menos consigo lidar com a vida e seus mistérios, meu próprio corpo, os dilemas da alma que
imagino ter sem saber o que é, sem saber se não me apóio em mitolologias mais
poéticas que científicas;que se dirá então com respeito à mulher, mais misteriosa ainda já que, sendo
de gênero diferente do meu, é da mesma espécie, essa espécie humana que ainda
me causa muito espanto.Papéis definidos, nos tempos de hoje, me parecem algo
suspeito, já que acredito que a tal natureza humana não é algo estático, mas um
processo constante de mutação, a partir de certos instintos básicos, processo
este moldado de acordo com a organização de forças de sobrevivência, sejam elas
individuais ou coletivas.
Parto sempre do princípio de que existe civilização para que
sobrevivamos materialmente nesse universo
hostil, não necessariamente criado para nosso conforto e
felicidade.Também não caio na mitologia cristã do vale de lágrimas em que
vivemos, a felicidade possível apenas em outra vida.Não me atrai tampouco o
conceito de carma, oriundo do oriente e
adaptado por aqui por outras seitas e credos, ainda que pudesse adaptá-lo a
certos princípios que aprendi da termodinâmica, numa volta ao passado de
entusiasmo juvenil pela ciência, um otimismo racionalista cartesiano um tanto
iluminista, desmentido pelos fatos da vida e seus acasos.A árvore da teoria é
cinza, a árvore da vida é verde.
Como vejo sexualidade como algo fluido e indefinível, embora com
condicionamentos de ordem genética e funcional, não vejo mais sentido em se
estabelecer padrões de comportamento, sejam eles masculinos, femininos, gays,
assexuados ou o diabo a quatro, ainda que eu siga alguns, talvez verdadeiros ou
não, talvez errados ou não, já que como todo mundo também fui um instrumento
condicionado.Dúvidas tenho-as aos montes, certezas poucas, além da inevitável
presença da morte e do amor, este mistério que existe, não se define, apenas se
lida com suas "emanações".Mas como não somos animais e não vivemos
sob o primado do instinto - muito ao contrário, sobrevivemos a partir de seu
controle, para nossa alegria ou tristeza, de acordo com o caso - , as coisas se
complicam, transitamos no mundo através dos meandros da cultura, da convivência
social, da poda constante de coisas do nosso interior, as cobras e lagartos que
habitam essas dimensões profundas das quais temos um breve acesso por meio dos
sonhos.E da imaginação que, no fundo, não passa da expressão simbolizada dos
sonhos por meio da ação.
Quando falo de minhas atribulações amorosas, tudo se transforma em
roteiro, em ficção que pode ter ou não vínculo com a realidadel.As soluções poéticas
parecem resolver melhor o problema.Saber como devemos agir com pessoas sempre
me confunde, já que praticamente não tocamos as pessoas, apenas as ferimos com
nosso estabanamento.
Melhor seria não pensar, agir de acordo não com o instinto bruto, mas
com o meio intermédio entre o que sou e o que aspiro ser, entre o potencial e o
real, entre o desejo e o amor(seja carnal ou não), entre a morte em meu
interior e o desejo de vida no mesmo.No fundo, tal como em poema de Manuel
Bandeira, gostaria mesmo de ter a paixão dos suicidas que se matam sem nenhuma
razão.Pudesse vir essa ânsia de absoluto a partir do que fosse, sexo, amor,
arte, mas sem cobrança interna.Mas o homem não é um ser absoluto , é uma
limitação concreta, um sonho que sempre se frustra, por mais que se faça.
Daí
não ouvir mais conselhos, estes sempre implicam em padrões.Os padrões eram
marcas que indicavam por onde seguiam as naus, mas os oceanos são vastos e
indevassáveis à nossa vontade, as naus navegam à deriva.
Posso vestir vários papéis, posso até ser bonzinho ou cafajeste,
dependendo da situação, situação que pode ser tão enfadonha quanto forçar a
barra para ser uma coisa ou outra, ou as duas.Por que não mil outras?Enfim,
cansei de ouvir os outros ou outras, o melhor é ouvir um outro silenciado
dentro de nós.Errando ou não, pelo menos seu erro é a única certeza de agir tão
certo quanto a presença da morte e do acaso que nos devora a existência, aos
caprichos dos deuses e dos elementos que sempre fazem pouco de nós.O resto é conversa
de bar, que gera aquela filosofia de bar, etilicamente temperada de absurdo e
bobagem.Mas, afinal, é uma forma de não pensar.E como é bom às vezes não
pensar....
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