E se o que chamamos de vontade não passar de
ser apenas uma inteligência do impulso?O que sou é a face perdida de uma massa
de matéria inexistente a que chamo emoções.Fora disso, fora desse meio nada sou
além daquilo que se chama morte. Não sentir é estar morto, tudo é morte além da
inexistência do sentir, daí tanta morte fingindo ser vida.Entre o que sou e o
que projeto ser, fixa-se um hiato de tempo que se perde no pensamento, essa
ilusão de Apolo que, talvez para nos ludibriar, a inteligência infinita e
impalpável do universo nos dotou.Mas, na superfície do que sou, tangenciando o
mundo como um arco a tocar uma esfera, estreita-se uma verdade de sonho e
imagem, eu, a pura imagem de mim criada
pela exterioridade das coisas que pouco comunicam de verdade além da
transparência das imposições sociais, das convenções, da carne do próprio tempo
dos homens, da carne viva dos instintos, a pele, os humores, calor extremo de
dentro se transformando em frieza naquilo que imagino ser alma, a turbulência
dos sentidos aturdindo o que resta de mim, o desejo infindo de ser muito mais
do que se pode ser, muito menos do que se deseja ser.Meus olhos, prismas que
não conseguem projetar a luz.Desejo de ser, vontade de ter...O mundo, janela
estreita por onde se espreme o ímpeto de prazer e dor, como uma massa amorfa de
matéria e luz que se lançasse aos vales infinitos de sombras e sóis escondidos
por trás dessa janela.
Logrado pela própria imensidão de uma verdade forjada, imerso em sombras
de memória, envolto pelos sopros dos mortos e bafejos sombrios do mundo, do
preto e branco do presente buscando a cor inatingível do que se é.Eu,
metafisicamente recomposto pela imagem do prisma opaco da própria alma,
decomposto pela frustração das linhas de desejo que não se equacionam....Ah,
onde a matemática oculta desse universo a me revelar as álgebras amorosas e
criativas, além da permanência curta da carne em efusão?Entre o desejo e a
vontade o lapso do sonho.Nem aqui, nem ali, apenas uma explosão para dentro em
silêncio invernal, à espera de uma aurora além de um rio de margens
inatingíveis.Não serei o portador de meu próprio desejo, ninguém o será.Ele
existe além do que me projeto ou sonho, frustração de ser eu mesmo um deus para
si próprio que se estiola em imensidões de caprichos.Além de um Parnasso
imaginário de ninfas e carnes e seios e coxas e sexos flutuantes e ondulantes,
onde me perderei, talvez, no silêncio absconso de tudo, onde me verterei a mim
mesmo na simples lágrima que não despejei e guardei nos cantos escuros do
coração empedernido.Entre a vontade e o desejo, do que sou a partir do que
sonhava ser, o instante em que em meus lábios uma palavra, uma simples sílaba
me revele o peso do universo que me é indiferente, assim como eu a ele,
enquanto a relva por aqui crescer, a esperar na terra fria o depósito sereno
das cinzas que um dia serei.Vontade e desejo no reino do nada, do nada que fui,
do nada que sempre serei.
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