terça-feira, 30 de abril de 2013

pensamentos do finado abril


Não vendo um amigo de longa data, marco encontro e levamos um papo legal num café.Ele, também pintor, conta algumas novidades.Mas, interessante, após um início de discussões sobre arte, pintura e vida de artista, a conversa envereda por longo , longo tempo em torno de relacionamentos e sexo.Bem, não há como fugir, ainda mais se levarmos a sério pressupostos psicanalíticos de que toda atividade cultural humana acaba sendo instinto sexual sublimado, ou seja, transformado num substitutivo.Claro que há controvérsias sobre isso.Mas, fato é  que o problema não é a arte, e sim as mulheres.A arte nasce no terreno do acaso, mas um mínimo de controle temos sobre ela, em essência sendo indecifrável por completo, mas apresentando algumas pistas.As mulheres não: são incontroláveis e absolutamente inescrutáveis.Fazer arte é brincadeira ao se comparar a se relacionar com mulher.Elas, óbvio, devem  dizer o mesmo.Vai ver só dá para se comunicar mesmo por meio da arte.Afinal, ela, arte, está aí para "consertar" a vida.Somos todos "tortos" e nos comunicamos de formas "tortas".

O negócio é que, se levarmos a fundo como vemos o mundo, sejamos ou não  de mentalidade religiosa, deveríamos encarar tudo como sagrado, qualquer atividade cotidiana.Seria uma visão próxima a certas vertentes budistas, incompatíveis com a dinâmica em que vivemos,industrial, capitalista, consumista, veloz ao extremo, tecnológica.A não ser que desenvolvêssemos um estágio próprio de alienação individual, uma espécie de fragmentação da personalidade, com um piloto automático nos dirigindo na vida material cotidiana. Em verdade, todos levamos uma vida esquizóide, queiramos ou não.Mas o que fazer com a ferocidade extrema do mundo exterior, com tanto ódio, violência e intolerância, além da demonização de tanta coisa abstrata? Ainda estamos muito longe das luzes da razão iluminando nossos passos do dia a dia.
O ciúmes é o psicotrópico da imaginação.Como a cocaína, pode deixar elétrico.Como a maconha, pode prostrar. Como ácido, pode nos levar bem fora da realidade.
O sexo está para o amor assim como a chama da vela está para a luz por ela criada.A chama pode acabar, mas sua luz se expande indefinidamente ao infinito, perde-se no espaço, ninguém tem certeza até que limites alcança.Embora, com o tempo essa energia luminosa se dissipe em meio aos astros.Constatação: tudo acaba, até mesmo o amor.

Já ouvi o termo Era da Incerteza, assim como Era da Ansiedade.Eram associados ao século XX, podendo muito bem se adaptar ao XXI.Normalmente, em todo início de século as pessoas sentem-se ligadas ao anterior, tanto em costumes, valores morais, sentimentos e relações humanas.Contudo, uma certa nostalgia mórbida acentua um pessimismo, algo bem "fin de siècle", definidor do que antigamente se chamava decadentismo.Certo, então somos os decadentes do século XXI.Os decadentes do século XX  acabaram por fomentar, com seu pessimismo iconoclasta e contra o otimismo triunfalista burguês do século XIX, revoluções, tanto políticas quanto estéticas.O triunfalismo agora, por outro lado, é tecnológico, o que não implica que todos os problemas serão resolvidos pela ciência.Esta tem lá suas limitações, o mundo nunca será absolutamente racionalizável e continuaremos vivendo inseguranças diversas em nosso cotidiano.Se o século XX foi o mais sangrento da história, será que o XXI será o mais entediante?Por mim, a necessidade constante de consumo e diversão só pode gerar tédio, num tempo em que a duração da vida humana tende a se estender.Sei lá....Sei apenas que vou morrer antes de saber.Isso é certo.

Somos limitados por várias coisas: objetos, pessoas,nossa própria materialidade, ações, pensamentos, etc. O que está entre nós e o resto do universo é como uma membrana, onde ocorre uma osmose entre o que se sonha e o que se é, entre o que se pode fazer e o que se faz. Para tudo em nós há limite: podemos sonhar a genialidade por meio da razão e nosso intelecto não tem fôlego nem recursos para  tal; podemos nos imaginar em grandes conquistas nos esportes, escalar as maiores altitudes, mergulhar às maiores profundidades,  enfrentar as mais severas feras e forças da natureza em sua crueza absoluta ,e nos faltam os músculos, o fôlego , o coração fraqueja, os pulmões estiolam-se. Apenas para uma coisa não há limite nessa vida, onde a vontade se materializa de tal forma que se ombreia com a dimensão do universo: é a nossa sensibilidade. Esta não tem limites , por que só se define a partir da inexistência de limites.


Fico pensando que talvez fosse bom que meus pensamentos deixassem de se construir pelas texturas da razão, passando a ser apenas sensações.Seria mais simples e imediato, o que me levaria à míngua, talvez à situação de uma folha seca largada ao vento, num canto de sarjeta.Provável morte prematura mas, pelo menos, me livraria da idiotia do dia a dia, por  então desconhecer qualquer coisa inteligente como parâmetro.
Dar murro em ponta de faca pode não passar de uma forma um tanto radical de resolver uma coceirinha na mão.

Triste e impenetrável como aquela mangueira no fundo do quintal.
Absorto na vida como uma galinha passeando no terreiro.
A presunção tola, como aquela empáfia cheia de idiotia do galo.
Aquele " nem estar aí " do gato que nos olha com desprezo.
A simplicidade elegante de um cavalo descansando.
E a paciência sublime de um boi.


Isso tudo, talvez infelizmente, não sou eu, quem sabe ninguém.

Definitivamente, minha condição humana está muito limitada quando olho ao redor.


Estar maduro para o sofrimento.
Estar maduro para a poesia da vida.
Mas quando é que surge essa madureza?
Cobra-se maturidade constantemente,
mas pouco se preocupa com o alicerce de sofrimento
que segura os cacos das almas todas de toda a gente.

Dois idiotas brigam num ônibus em movimento causando um acidente.Sete pessoas morrem.Os dois imbecis tinham antecedentes de brigas e discussões, mas nunca tinham sido presos.Agora alegam não se lembrar de nada.Não devem se lembrar nem de que são humanos, os alienados ignorantes(uma combinação perigosa para se gerar violência sem controle).Arre, que tem gente que precisaria levar injeção de salitre na veia para deixar de fazer bobagem!.Como tem homem imbecil que briga por qualquer coisa: fila, mulher, futebol!Tem até muita mulher que curte esse tipo; sorte dela, faça bom proveito do traste.Raios de humanidade que ainda não sabe o que fazer com a violência interna, que ainda não aprendeu a conviver com o bárbaro civilizado amarradinho em nosso interior.Não tivesse rédeas curtas, por educação, temperamento ou mesmo repressão, eu já teria matado dezenas em minha vida.Motivos nunca faltaram, principalmente os fúteis.Deveria ganhar um bônus por controlar minha violência.Mas só ganhei mesmo foram bananas.Êta "espetáculo furioso e sem sentido"!O pior de tudo é a impunidade dos que não sabem segurar os cachorros.




segunda-feira, 29 de abril de 2013

cafajestes e bonzinhos


         Ora, meu caro, seja cafajeste que você se dá melhor.O bonzinho não tem futuro.Tem que ser durão, mulher é que tem que correr atrás,etc,etc,etc. Outra:se cair nas mãos de uma mulher, você está perdido.Bem, se  estiver sem nenhuma, também está perdido.Nossa, haja perdição!Mas quanta peroração!
     Há quanto tempo ouço essas velhas cantilenas?Perdi a conta, já nem mais me importo em saber.Pouco me importo mesmo com o que os outros pensam.Ou será que não, mentindo para mim mesmo como uma desculpa, uma forma de afirmar uma certa superioridade moral ou intelectual sobre as mentalidades mais comuns? Não sei, não arrisco precisão nisso tudo, que se dirá de opinião.Discussões inúteis, ainda seguindo os velhos padrões!O mundo mudando, os gêneros humanos se confundindo – já que a confluência sempre foi confusa – e ainda tenho que aguentar generalizações.Nem sei que diabo é esse da tal natureza humana.Já até me acusaram: que é isso, cara, você até parece mulher!Bem, às vezes tenho lá um tipo de tpm masculina induzida, não por hormônios, mas sim pela minha cabeça convulsa que assusta, democraticamente, tanto homens como mulheres.
     Por isso não gosto de discutir sobre amor ou sexo com homens, salvo quando são dotados de alguma sensibilidade especial, argúcia investigativa mental ou senso de questionamento. De resto, finjo que levo a sério o que se fala, a coisa fazendo ligação direta entre os ouvidos, um sorriso cínico demonstrando consentimento com o festival de chavões.Alguns raros amigos – e amigos autênticos são raros! – podem receber alguma confidência.De resto, é sempre a mesma carapuça de pavão, vestimenta que nunca me caiu à vontade, ainda que eu tivesse todos os predicados e componentes filogenéticos básicos para exercer meu papel escrito por linhas tortas.Conselhos só me levaram ao inferno, habitat natural para eles, ainda que o amor seja um inferno à sua maneira, ainda que seja um inferno “doce”, azul(a cor do inferno para os egípcios), um veneno medonho ao qual a gente se adapta com o tempo.Que remédio, temos sempre que nos submeter às picadas da serpente....A grande questão é se vamos ou não assumir uma culpa por isso.
      Senso comum: elas não gostam de bonzinhos e sim de cafajestes, mulher é quem deve vir atrás, e blá-blá-blá....A mesma profundidade de conversa sobre futebol; que, por sinal, anda sendo encampada por novas legiões de fanáticas do sexo frágil(?) pelo ludopédio.Nova conquista feminina?
     Estou envelhecendo, ouvindo isso de homens de vinte, trinta, quarenta, quase cem anos.É como se vivesse numa bolha de tempo, como se tudo ficasse parado nesse assunto. E essa mulherada doida andando por aí....
       Ainda se perde tempo na busca de normatividade, homens cultos ou cavalgadura-sapiens vaticinando sua sabedoria sobre as fêmeas ditas inferiores da espécie.Argh! Sei lá se a espécie humana é superior.Prova de que cultura não é sabedoria.A economia muda, a grande roda do lucro precisa de sangue humano eficiente, como o excelente, puro, concentrado e determinado feminino.No início do capitalismo cruel, escravizadas em jornadas absurdas de mais de doze horas de trabalho;agora escravizadas pelos dilemas do consumo e da moda.Novos tempos, novos grilhões, sonhos velhos.
    Poderia até dizer : ah, as mulheres são inescrutáveis, os homens mais básicos.Não sei, não; considero-me inescrutável à mim mesmo, não sei qual persona assumo de acordo com a situação.Um pouco  como se eu fosse um farsante com ética, se é que isso é possível.Sei apenas de alguns instintos básicos, determinantes a partir de meu inconsciente que se molda a certas construções sociais, as quais, obviamente, devem me produzir carradas de infelicidades.Viver em civilização é isso aí!
     Conheço muita mulher que se queixa de coisas do tal universo feminino. Do masculino, idem.Oh, homens insensíveis!Bem, o que não falta também é mulher insensível.
     Homens pouco se queixam de seu universo, isso seria demonstração de fraqueza , implicaria em diminuição de sua “virilidade social”.Um saco!Provavelmente, assim como o grosso do universo feminino, o tal do masculino é um tédio só.Talvez só na guerra fosse interessante. Mas prefiro outras searas do espírito.Viver já é uma forma branda de guerra.
     Incrível que o tempo passe e alguns assuntos e temas se repitam de forma monótona.
     Já adentrei a meia idade faz tempo e com frequência, nessas discussões sobre relações entre homens e mulheres, vem à baila esse negócio da preferência entre tipos cafajestes e bonzinhos.Nossa, que discussão fastidiosa, repetitiva!Desde moleque ouço isto, desde cedo tenho sido "adestrado" pelo senso comum da discurseira masculina a respeito de como lidar com mulheres.Quanta pretensão!Nem ao menos consigo lidar com a vida e seus mistérios,  meu próprio corpo, os dilemas da alma que imagino ter sem saber o que é, sem saber se não me apóio em mitolologias mais poéticas que científicas;que se dirá então com respeito à  mulher, mais misteriosa ainda já que, sendo de gênero diferente do meu, é da mesma espécie, essa espécie humana que ainda me causa muito espanto.Papéis definidos, nos tempos de hoje, me parecem algo suspeito, já que acredito que a tal natureza humana não é algo estático, mas um processo constante de mutação, a partir de certos instintos básicos, processo este moldado de acordo com a organização de forças de sobrevivência, sejam elas individuais ou coletivas.
     Parto sempre do princípio de que existe civilização para que sobrevivamos materialmente nesse universo  hostil, não necessariamente criado para nosso conforto e felicidade.Também não caio na mitologia cristã do vale de lágrimas em que vivemos, a felicidade possível apenas em outra vida.Não me atrai tampouco o conceito de carma,  oriundo do oriente e adaptado por aqui por outras seitas e credos, ainda que pudesse adaptá-lo a certos princípios que aprendi da termodinâmica, numa volta ao passado de entusiasmo juvenil pela ciência, um otimismo racionalista cartesiano um tanto iluminista, desmentido pelos fatos da vida e seus acasos.A árvore da teoria é cinza, a árvore da vida é verde.
      Como vejo sexualidade como algo fluido e indefinível, embora com condicionamentos de ordem genética e funcional, não vejo mais sentido em se estabelecer padrões de comportamento, sejam eles masculinos, femininos, gays, assexuados ou o diabo a quatro, ainda que eu siga alguns, talvez verdadeiros ou não, talvez errados ou não, já que como todo mundo também fui um instrumento condicionado.Dúvidas tenho-as aos montes, certezas poucas, além da inevitável presença da morte e do amor, este mistério que existe, não se define, apenas se lida com suas "emanações".Mas como não somos animais e não vivemos sob o primado do instinto - muito ao contrário, sobrevivemos a partir de seu controle, para nossa alegria ou tristeza, de acordo com o caso - , as coisas se complicam, transitamos no mundo através dos meandros da cultura, da convivência social, da poda constante de coisas do nosso interior, as cobras e lagartos que habitam essas dimensões profundas das quais temos um breve acesso por meio dos sonhos.E da imaginação que, no fundo, não passa da expressão simbolizada dos sonhos por meio da ação.

       Quando falo de minhas atribulações amorosas, tudo se transforma em roteiro, em ficção que pode ter ou não vínculo com a realidadel.As soluções poéticas parecem resolver melhor o problema.Saber como devemos agir com pessoas sempre me confunde, já que praticamente não tocamos as pessoas, apenas as ferimos com nosso estabanamento.
      Melhor seria não pensar, agir de acordo não com o instinto bruto, mas com o meio intermédio entre o que sou e o que aspiro ser, entre o potencial e o real, entre o desejo e o amor(seja carnal ou não), entre a morte em meu interior e o desejo de vida no mesmo.No fundo, tal como em poema de Manuel Bandeira, gostaria mesmo de ter a paixão dos suicidas que se matam sem nenhuma razão.Pudesse vir essa ânsia de absoluto a partir do que fosse, sexo, amor, arte, mas sem cobrança interna.Mas o homem não é um ser absoluto , é uma limitação concreta, um sonho que sempre se frustra, por mais que se faça.
    Daí não ouvir mais conselhos, estes sempre implicam em padrões.Os padrões eram marcas que indicavam por onde seguiam as naus, mas os oceanos são vastos e indevassáveis à nossa vontade, as naus navegam à deriva.
    Posso vestir vários papéis, posso até ser bonzinho ou cafajeste, dependendo da situação, situação que pode ser tão enfadonha quanto forçar a barra para ser uma coisa ou outra, ou as duas.Por que não mil outras?Enfim, cansei de ouvir os outros ou outras, o melhor é ouvir um outro silenciado dentro de nós.Errando ou não, pelo menos seu erro é a única certeza de agir tão certo quanto a presença da morte e do acaso que nos devora a existência, aos caprichos dos deuses e dos elementos que sempre fazem pouco de nós.O resto é conversa de bar, que gera aquela filosofia de bar, etilicamente temperada de absurdo e bobagem.Mas, afinal, é uma forma de não pensar.E como é bom às vezes não pensar....




sábado, 27 de abril de 2013

meditação 27/4


  Olho para o alto, vejo a fumaça do cachimbo flutuar com meus pensamentos.O mundo lá fora continua,  descontinua-se no que é, naquilo que ele é, naquilo que sou ou que deixei de ser.Volta então a constante vontade de se olhar pelo avesso. Reinventar-me?Todo dia procuro elaborar alguma forma de projeto para me reinventar; todo dia busco, por trás , não das nuvens de fumo flutuante mas das névoas do pensamento, algum léxico de causa e efeito além daquilo que, hoje chamo de mente, outros chamam de alma, sabe-se lá o que se compreende nesse tudo entre o falar e  as impressões do falar ,puras intenções que se associam ao sentimento.
     Como qualquer um no planeta, como qualquer um nessa cidade, nesse interregno de espaço tempo que se virtualiza como um ir e vir de um ponto a outro na espacialidade do acaso, sei que posso fazer muitas coisas, posso nada fazer, o que já não é pouca coisa.Restrito ao que sou de fora, para dentro me recolho na imensidão do que sou, mas esta nem sempre é clara, tinge-se de cinza num mar de apreensões.Afinal, como sempre, defino-me indefinidamente na ansiedade que circunda o mundo.
    Poderia procurar um amigo, dos poucos que me restaram das sobras de confiança,  confidenciar-lhe algo, lançar as velhas ladainhas invectivas sobre a vida, o amor, as frustrações.A morte é sempre uma presença, como um filete de água que se infiltra pela superfície dura das pedras.E meu coração até parece essas pedras, granítico, endurecido, antes amolecido.Ontem, sentia-me suave e mole por dentro, hoje, certo envoltório de pessimismo  uma quase mortificação budista,anovela-se ao tudo que vejo.Endurecer e ausentar-se de tudo, de todos, ser apenas como uma rocha que se protrou na própria imobilidade.Não me agrada, mas tem lá sua conveniência.
     Outro dia, esmaecido por dentro, derramei-me , dentro de mim, em choros por uma moça.No dia seguinte, as lágrimas cristalizadas pelo senso de realidade pouco me renderam, as que tombaram ao chão pouco frutificaram e voltei à realidade fria da humanidade, do comum, do dia  a dia que constrói a solidão de todos.Chorarei algum dia de novo?Ou tudo o que sonhava ser amor não passa de devaneio?Sei apenas que o sentimento não se viabiliza completamente em palavras, os signos sempre são esfacelados por suas limitações.
    A fumaça sobe, o cachimbo acende e apaga, mais ou menos como minha alma que se acende e vai do luzir à escuridão em poucos segundos.Olho pela janela e o crepúsculo lançou-se sobre a cidade, sobre mim, sobre o mundo e o universo.O mundo continuará, com ou sem minha presença; talvez me entretenha, talvez não faça mais nada  a não ser subir para o nada da fumaça, ela que paira sobre o  nada que vislumbro além das margens do futuro, num presente de incertezas que nem ao menos me assusta, pois penso nele como sucessão de acasos.E o barqueiro do rio que nos conduz às terras de ninguém nem ao menos aceita pagamento adiantado.
   E, no acaso desse quarto, serei apenas um acaso que se compraz em se desfazer da face interior que não se reconstrói, só destrói um tecido vago de silêncio que se junta à fumaça que sobe.A vida, como essa fumaça que sobe indiferente e se desfaz no teto.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

pequena nota sobre a mentira


Sou um farsante amador, de modo que a mentira não me é particularmente administrável como forma de sobrevivência.Ainda que considere que a mentira em si funcione como cimento na construção social, eu nunca soube dosar corretamente a composição dessa argamassa.Claro que em matéria de mentira as mulheres me parecem mais profissionalizadas do que os homens.A mentira normalmente existe a partir de alguém que se predispõe a ser envolvido por ela ou a envolver-se a partir dela, numa diagonal enganatória que vai do que somos ao que podemos ser, imaginária linha que une as inponderabilidades do ser e do estar, a mentira sendo então a realidade fictícia forjada pelo medo e pela hesitação humana.
     Fato é que todos mentem mais hora, menos hora.Somos obrigados a nos comunicar por pistas, pistas deixadas por construções simbólicas, em tudo quanto nos relacionamos na vida, seja trabalho, amor ou relações de amizade.
     Querer mentir pouco é administrar certa dose de ânsia por pureza e isso, num mundo como o nosso, pode produzir raiva de outros; a diferenciação sempre cria hostilidade, a intolerância é um dom muito comum cultivado pelos homens.O extremamente sincero desperta antagonismo, visto quase como um subversivo civilizatório.Ou melhor, anti-civilizatório.
     Não mentir alivia, desmascarar uma mentira, seja em nós ou em outros, pode também nos produzir certa sensação de significação nessa vida.E significação na vida não é pouco.
     A mentira pode funcionar como uma catalisador negativo de reação química: pode apenas retardar os processos mas, mais hora, menos hora, o somatório de reagentes de nossos comportamentos e afirmações enganatórias produzirá o efeito do ressentimento ou do remorso.Processo irreversível.O que se sedimenta em cima da mentira logo se desfaz por falta de base segura.E, dentre outras coisas, mentir para o próprio coração é envolvê-lo numa couraça de convencionalismo e hipocrisia; com o tempo ele perde capacidade de circular bem o sangue das emoções, enrigece, apodrece, com o tempo transformado num fragmento pétreo que apenas pulsa e nos deixa vivos por ser a vida uma fatalidade, uma teimosia.Sim, a vida é uma grande teimosia articulada por algum ou alguns jogadores misteriosos que nos usam como cartas num  jogo em que se blefa muito.E como sempre se diz: as cartas sempre são mentirosas.Derrubá-las e cair fora da mesa não é mole não.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Dez mandamentos de Eros

Eros não pode ser pessimista
Eros é sempre arrivista
Eros não pode ser consumista
Eros não pode ser realista
Eros tem que ser sensorialista
Eros ao coração é missivista
Eros a esse coração é ativista
Eros tem que ter algo a si em que invista
Eros não nega a si ser permissivista.
Eros tem mais que ser infinitista.

domingo, 21 de abril de 2013

estranha beleza


Estranha Beleza


Esfinge
escorres pela noite
deslizas tua silhueta de cristal
sob o arco de sobrancelhas de vestal.

Bom ver na vida que não se perde
o olhar à toa , na sombra, na sobra
do vulto de mistério que não se dobra
ao frio do mundo um sorriso que não cede.

E se o tempo me rouba a vida em cada segundo
dessa beleza estranha de original feitura,
 oh, misteriosa e leptossômica figura!
como vale ver-te tão bela nesse mundo.

Diário de Bordo 21 de abril

Sou levado a crer que um excesso de loucura não pode, necessariamente, no dia a dia ou na noite a noite, acrescentar algo de criativo em relação à própria loucura de tudo.Vagueio pela madrugada, seja ela fria ou quente , estendo os olhos além dos limites que ocultam minha alma, vejo tudo estendido em comportamentos que, se não são padrões, são alternativas que se transformam em padrões.Em todo caso, o retorno desses périplos de noctívago pouco me informa, quando muito deforma, a projeção de vontades que construíam expectativas.Retornar sóbrio ou vivo já é lucro, já que o tempo firmado entre o sair a troco de nada e a causalidade de algo fixa-se em segundos, a decepção pode se estender por horas.De resto, uma noite nada mais é que uma noite, a face oculta que se revela por trás do sonho constante de loucura.

alguns poemas cometidos


Interrogação
A vida é sombra e sobra
do que se tem, do que se teve, do que nunca se terá
Desavizado passeia o que somos
na sombra de um desejo que se é
sem ao menos saber se o pomos
onde se deve sem a mínima  dor ou fé.
E de passo em passo se escapa do abismo
de tudo que se faz por carne ou sentimento
que do mundo o engenho e sonho humano
faz a volta de tudo que se tem em pensamento
Nessa hora em que as estrelas escarnecem de nós
viajantes transitórios nas paragens de suas terras
caímos no silêncio indiviso da dor e do pavor
sem ao menos entender de tudo o amor.
                       

   ALGUNS LABIOS

Esse mundo anda cheio de flores
não tanto quanto essa vida de amores
Esse mundo anda cheio de sonhos sábios
mas não tantos nem belos como seus lábios
Esses são frutos que não se acha em qualquer canto
sumo e licor róseo  com que a alma sonha  leve encanto.

A moça dançando
                                        sobre uma moça dançando numa foto

A moça serpenteia a graça no espaço
olhos brilhando livres como pérolas no ar
No mar, ainda que sob o vento baço
sereias enrubescem de ciúme
marinheiros às rochas em cume
Quem resiste ao suave cantar?

A moça enlaça sua graça no ar
braços em ideogramas de raro longo arco
plástica de mistério a sempre ornar
a proa invisível daquele distante marco

Braços no espaço, movimento congelado no tempo
mas quem congela a beleza , ela tão sem temperatura
solta sempre como todas as folhas livres no vento
afirmando sobre o caos a cálida presença  criatura?

Os olhos brilhantes, diamantes roubados fulvos
de que templo voltado do coração atilado
agora albergados entre braços erguidos e curvos
felina figura, mítico sonho quem sabe alado

A moça passeia sua alegria no largo espaço
no silêncio da foto estrondeia o imóvel fato

ainda que nossa turva visão marque passo
nada perece agora nessa luz que se faz de fato.

Porque de foto fez-se a moça dançando no espaço
na memória a glória da lembrança,enigma do ato.



ESQUECIMENTO

Ás vezes
nas flores do tempo me esqueço quem sou
de um lado a outro,
do verso ao reverso da alma
mal me encontro onde vou, onde estou.

Às vezes
nas nuvens da mente me perco, me vou
sem rumo, sem nada
a direção, diz-me o insondável vento
aos cansados ouvidos que ele perdoou.

E esse vento é meu pensamento,
o pensamento que não pensa, só sente
o futuro que não sei sob triste lamento,
o coração só, suspenso em  sonho demente.





A dialética perdida
entre o feijão e o sonho
ah, isso não sei onde ponho.

A consistência da verdade
 dessa mentira que todo mundo é
cair nisso, é coisa simples de mané?

Se penso sempre no real
e fujo, apresso o passo no ideal
seria isso a solução bestial?

Mas cair na rima boba e fácil
não só do poema mas da vida.Basta!
Que essa nunca larga de ser madrasta




2
Ser servo da beleza em todo assédio
nada custa à inteligência marca passo.
Mas se mesmo essa beleza causa tédio...
Torpe e cruel destino, esse erro crasso!

Em contraponto ao conhecido poema: que me perdoem as belas  a que não me furto o assédio, mas a falta de loucura...Nossa, que terrível tédio!

Contraponto sobre a Rua Aurora

Na Rua Aurora eu nasci
Na aurora da minha vida
E numa aurora cresci
                M. de Andrade

Na Rua Aurora não nasci
Mas uma aurora em minha vida
Nessa Aurora descobri

Mas nessa aurora em que nasci
Ah, aurora!  logo a vi,
               partida   
Na Aurora em que me perdi.
              

Uma humilde e singela homenagem ao poeta grande e universal da Rua Lopes Chaves, e à Rua Aurora( onde não perdi a virgindade como o grande , eu tão pequeno; apenas tentei vender alguns quadros em sua esquina), por onde tantas vezes passei nas horas roubadas às andanças pelas melancolias da cidade.


sábado, 20 de abril de 2013

a insustentável leveza da ilusão


Ah, que no fundo sempre caio no mesmo erro de todo mundo, projetando nos outros as ilusões e sonhos meus, esperando que os outros respondam a estas minhas expectavivas.Mas os outros são os outros, dos átomos às pessoas, tudo sempre é um pequeno universo à parte, esse universo que foi (in)criado à revelia desse acidente que sou.
      Não adianta projetar um sonho em você.Você apenas é o que é, finitude de todo ser que se apóia na própria insustentabilidade.O que você é reflete, espectralmente, o que sonho, volta para mim e se instala como ilusão, como desilusão que se constrói por quem não quer ver o real.Você apenas é, realidade intransponível além da carne, além desses meus sentidos que tanto me enganam.E, em sendo, além do sonho projetado, apenas um tipo de eletricidade diferente da minha, nada mais.O resto é arte, poesia, sonho, a busca de uma realidade além dessa vida que não nos satisfaz.Nada mais...
     Os papéis forjados, as letras enganosas, palavras que nos situam nas superfícies das verdades, estas bem mais fundas do que imaginamos.Ficções criadas para a vontade que nunca se satisfaz.
     A deusa, a virtuosa, a serena, a maternal, a maluca, a lasciva, a gostosa, a burra, a cerebrina, a talentosa, a tresloucada, a de boa alma, o demônio,a vagabunda, a vaca, a puta, a doçura encarnada em ser humano.....
    Papéis imaginários, projeções da vontade que não se encontram, desencontro do que vai de mim para o mundo que não me responde, seja pela carne ou pela alma.Ficção além de meu sonho imaginado, da beleza ao silêncio da morte, uma forma de se sentir viver em algo que foi o cerne desse meu viver.Ficções, nada mais.
    Caiu o pano, eterna atriz-bailarina de meus desejos e anseios de impossível compreensão esqueceu a fala, eu esqueci o roteiro, a mudez  está no palco disso tudo; o papel que lhe impus não  serve mais, nem para mim, nem para você; as engrenagens da máquina do mundo passando por nós, destroçando todo amor imaginário, por não mais poder me servir, por não mais poder servi-la, além das ilusões do "véu de maia"....Tanta beleza e horror escondidos no mundo e eu sonhando você uma coisa que não é, uma perenidade de mistério que sou eu em você, você em mim, na duplicidade de carne e palavra que faz o tecido ilusório da própria vida.
      Além do que projeto, uma verdade inescrutável escondida em você, um enervamento de meus devaneios.Você, apenas mulher, eu, apenas homem, nessa estranha e indevassável situação de humanidade.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O papo furado nas artes plásticas

Adoro arte, mas há certas coisas que me causam um certo entojo, quando se envolve as artes plásticas no meio, o papo furado badalativo de vernissage, essa picaretagem de críticos- que, em verdade não são críticos coisa nenhuma, não passam de uns promoters  disfarçados -,uma afetação que não disfarça a falta de profundidade por baixo de uma superfície fria, jogadas fajutas de corporativismo jornalístico, esses pseudo-intelectuais ornados de hipocrisia. Cansei disso.Talvez o problema seja eu mesmo, saco cheio do mundo; mas vou privar o mundo de encher o saco dele com papo estéril.Não engulo.Acho que na verdade nunca engoli, apesar de não me considerar um cara burro, insensível ou destituído de certa cultura.E essa pose de que o cara é vanguarda, citações a mil de Duchamp, estilização  à la Dali, uma excentricidade forçada?Esse epigonismo duchampiano realmente é enfadante, já que não tem nada a ver com o contexto histórico atual.Moro em São Paulo, mas quase que me esforço para não frequentar essas rodinhas de pedantaria conceitual sem profundidade.Pura imagem falsificada.É bem colocada a afirmação de que imitar Duchamp é ser anti-Duchamp.Mas isto exigiria avaliação histórica; a maior parte dos artistas pouco se importa com isso, são muito ignorantes e se comprazem numa cultura "fake" que para mim não passa de um decadentismo anacrônico e sintomático.Hoje em dia tem muita gente posando de vanguarda, os professores de faculdades de artes entopem os alunos de conceitos frívolos, não há uma vivência desse processo longo, doloroso e sério que é o fazer artístico(como atingir o grande prazer sem um pouco de dor?).Tô fora! Hoje em dia gosto mais de levar papo com grafiteiros do que com artista em vernissagem.Essas bienais são um tédio, o público também acha mas tem vergonha de falar para não dar aparência de burrice ou ignorância.A arte está muito acima disto, de mim, dessa falsificação conceitual, desse racionalismo exacerbado e estiolante, de todos os grupos e interesses comerciais de circulação de dinheiro , de lavagem de dinheiro(no fundo, é para isso que existe o tal mercado!), que passam, passarão porque "só a arte fica, porque só a arte é"(Pessoa). Vou continuar pintando, mais por necessidade pessoal do que por qualquer coisa, pelo simples fato de que artes plásticas não são a arte de nossa época e sim o cinema.E com isso a gente leva a vida, preserva o coração e alma.Mas assim como a poesia, sempre vai ter gente fazendo coisa de qualidade  nas chamadas "linguagens tradicionais", pouco importando o sucesso comercial nisso tudo.O negócio é seguir fazendo, porque o tempo tudo devora e a vida é muito breve.

domingo, 14 de abril de 2013

Céus, que mistério!


Eu tenho lá um fraco por mulheres bonitas, confesso.Mas o problema nessa vida não são as bonitas mas as interessantes. Essas a gente olha e se defronta com a situação edipiana, só não havendo, contudo, a possibilidade da resposta porque, ao ver, já fomos devorados pela esfinge.E a esfinge fica desfilando por aí, mais ou menos como uma estrela que resolveu passear nos reinos da superfície terrestre; quem sabe os deuses e deusas existam mesmo e brinquem de andar no meio de nós.De minha parte, já criei mitologia particular, um Olimpo só meu em que sou o Zeus-borra-botas, em busca de um Parnasso-água-furtada em que se enclausure a beleza adejante de ninfas e coisas parecidas com que cruzo nessa minha vida.E, talvez saibam os deuses - ou os metidos a - das coisas do sem pensar,  do sem falar, apenas na base daquilo que se chama  intuição, coisa tão essencial para artistas, enigma para cientistas, desespero para os psicólogos que, em vão, tentam descrever padrões e explicações para o mistério que se chama da alma humana.Não sabendo se  tenho esta  ou não, tenho meus olhos, portas imprecisas para ver e conjecturar, principalmente quando se vê algo como um enigma, uma mulher, por exemplo, ainda a coisa mais enigmática nesse universo para qualquer homem, seja ela de carne e osso ou imaginária.Podemos não falar com tanta coisa nesse mundo , tanto faz que sejam  árvores, flores, por de sol, silêncios inescrutáveis na noite ou uma simples silhueta feminina que atravessa a treva iluminada da noite, lança um sorriso, arqueia uma sobrancelha delicadamente, aquele sorriso onde cabe todo o borbulhar do mundo.E, além da beleza, com a qual não se dialoga, apenas se contempla, existe sempre o mistério do que não se decifra, a imagem simples e cativante de um sorriso deambulante, um simples mexer no cabelo, mãos se agitando como pincéis nervosos numa superfície de tela.Que fazer? Pode ser o que nos resta, neste hiato de tempo que vai do momento encantatório em que se vê ao imaginário do que se encerra no que se vê.E aí vai, pela noite encantada do mundo ou de minha alma, o silêncio de esfinge  dourada de alegria, a esfinge que não conheço, com que nunca falei, talvez nunca fale, mas encerra , naquele instante em que o tempo pára - em algum momento o tempo tem que parar! - e apenas dizemos : céus, que mistério!

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Esquecimento(pequeno poema)

Ás vezes
nas flores do tempo me esqueço quem sou
de um lado a outro,
do verso ao reverso da alma
mal me encontro onde vou, onde estou.

Às vezes
nas nuvens da mente me perco, me vou
sem rumo, sem nada
a direção, diz-me o insondável vento
aos cansados ouvidos que ele perdoou.

E esse vento é meu pensamento,
o pensamento que não pensa, só sente
o futuro que não sei sob triste lamento,
o coração só, suspenso em  sonho demente.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

desejo e vontade na terra do nada


E se o que chamamos de vontade não passar de ser apenas uma inteligência do impulso?O que sou é a face perdida de uma massa de matéria inexistente a que chamo emoções.Fora disso, fora desse meio nada sou além daquilo que se chama morte. Não sentir é estar morto, tudo é morte além da inexistência do sentir, daí tanta morte fingindo ser vida.Entre o que sou e o que projeto ser, fixa-se um hiato de tempo que se perde no pensamento, essa ilusão de Apolo que, talvez para nos ludibriar, a inteligência infinita e impalpável do universo nos dotou.Mas, na superfície do que sou, tangenciando o mundo como um arco a tocar uma esfera, estreita-se uma verdade de sonho e imagem, eu,  a pura imagem de mim criada pela exterioridade das coisas que pouco comunicam de verdade além da transparência das imposições sociais, das convenções, da carne do próprio tempo dos homens, da carne viva dos instintos, a pele, os humores, calor extremo de dentro se transformando em frieza naquilo que imagino ser alma, a turbulência dos sentidos aturdindo o que resta de mim, o desejo infindo de ser muito mais do que se pode ser, muito menos do que se deseja ser.Meus olhos, prismas que não conseguem projetar a luz.Desejo de ser, vontade de ter...O mundo, janela estreita por onde se espreme o ímpeto de prazer e dor, como uma massa amorfa de matéria e luz que se lançasse aos vales infinitos de sombras e sóis escondidos por trás dessa janela.
       Logrado pela própria imensidão de uma verdade forjada, imerso em sombras de memória, envolto pelos sopros dos mortos e bafejos sombrios do mundo, do preto e branco do presente buscando a cor inatingível do que se é.Eu, metafisicamente recomposto pela imagem do prisma opaco da própria alma, decomposto pela frustração das linhas de desejo que não se equacionam....Ah, onde a matemática oculta desse universo a me revelar as álgebras amorosas e criativas, além da permanência curta da carne em efusão?Entre o desejo e a vontade o lapso do sonho.Nem aqui, nem ali, apenas uma explosão para dentro em silêncio invernal, à espera de uma aurora além de um rio de margens inatingíveis.Não serei o portador de meu próprio desejo, ninguém o será.Ele existe além do que me projeto ou sonho, frustração de ser eu mesmo um deus para si próprio que se estiola em imensidões de caprichos.Além de um Parnasso imaginário de ninfas e carnes e seios e coxas e sexos flutuantes e ondulantes, onde me perderei, talvez, no silêncio absconso de tudo, onde me verterei a mim mesmo na simples lágrima que não despejei e guardei nos cantos escuros do coração empedernido.Entre a vontade e o desejo, do que sou a partir do que sonhava ser, o instante em que em meus lábios uma palavra, uma simples sílaba me revele o peso do universo que me é indiferente, assim como eu a ele, enquanto a relva por aqui crescer, a esperar na terra fria o depósito sereno das cinzas que um dia serei.Vontade e desejo no reino do nada, do nada que fui, do nada que sempre serei.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

4/4/58 nascimento de Cazuza

Pois é, Cazuza nasceu no dia de hoje.Morreu cedo aos trinta e dois.Cometa pela luz, meteoro que queima rápido quando entra na atmosfera.Estivesse vivo estaria na meia idade, mas duvido que se comportasse como um senhor acomodado, aquele ar de boi resignado que toma conta da maior parte do pessoal nessa faixa etária.Afinal, seu pacto com o demônio não era com o do capital.
      Acho que nem ao menos é trágico que certas almas poéticas partam tão cedo, tão limitante a vida normal é para elas.
No caso dele, o trágico foi o doloroso processo da morte.Que faria ele estivesse vivo, nessa modorrice de rebanho imposta pelo comercialismo triunfante?Provavelmente continuaria chutando o balde e fazendo música bonita.E, claro, por dentro sofrendo com a guerra constante contra a hipocrisia necrosante imposta pelo cotidiano estúpido que nos rodeia.
     Em verdade, todos os poetas já estão mortos, mesmo quando vivos.A diferença apenas é imposta pela cronologia que demarca a passagem desse estágio de aquém-morte para as terras distantes de onde ninguém voltou.Podem até envelhecer, ao invés da morte precoce, mas sempre já estão mortos para a vida comum, esse lado de fora das coisas de dentro da alma que ninguém decifra, e que os poetas tentam resolver com suas matemáticas inusuais de versos e músicas.
    Dizem os físicos que podem haver vários universos.Por que então não mais do que um simples céu?Lá, quem sabe, no céu dos poetas, Cazuza apronta a esbórnia com seus pares, talvez com a paz que a vida aqui de baixo nunca lhe permitiu.Lá, sem precisar de ideologia para viver.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Eu, misógino?!

Ora, vejamos as coisas de um ponto de vista filológico-psíquico: muita gente, injustamente, me acusa de misógino quando, em verdade, não passo de um infeliz filógino dependente.Edipiano?Talvez, mas em que medida, já que só me relacionei com mulheres que sempre foram a antípoda do que minha mãe era?Então, sinto dizer, tudo errado!Essa maldita mania de enquadrar.
     Mais ou menos como Orson Welles(infelizmente ou felizmente sem a genialidade do  gajo), a coisa que mais fiz na vida foi pensar em mulher.No restinho de tempo que o homem teve, fez coisas como o cidadão Kane.Hoje divido meu tempo pensante entre mulher e morte.As duas inescrutáveis, as duas podendo abalar a vida de um homem como nenhuma outra coisa nessa madrasta vida.Porém, o cidadão pode ser um misógino e ter sempre uma mulher ao lado.Quer dizer, tem antipatia pelo gênero oposto , mas não pode viver sem o mesmo.Para mim, este sim é um edipiano.Não vive sem mulher, não apenas por causa do sexo  mas por outras carências.E usa essa presença para se justificar enquanto homem frente aos demais.Grandes gênios sempre tiveram mulher ao lado e não estavam nem aí para elas, quase um objeto de decoração; Welles, Chaplin, Bergman(as mulheres sempre foram os personagens principais de seus filmes, ainda que na vida particular o sueco pouco se importasse com o que sentissem),Picasso(nesse caso, objeto-modelo para criação).Muitos deles só amaram uma mulher, no sentido amplo de se amar um ser vivo ou uma coisa qualquer, quando envelheceram e tiveram a sexualidade(a básica, condicionada) minguando.Claro que sempre há exceções, generalização é sempre um erro, vai contra o nosso conhecimento científico adquirido a duras penas.Aquele amor terno dos homens velhos, inacessível aos mais jovens.Será que, então, a alma atrapalha o amor, como dizia um poema famoso de Bandeira?Ah, não sei, sabendo que tentar saber já seria loucura e enterraria de vez o amor.
      Estou envelhecendo e me resignando com muita coisa, inclusive no que tange a entender o que se passa na cabeça(alma, para se usar um simbolismo metafórico) de mulher.Muita da chamada ânsia de amor que julgava ter na juventude estava ligada a clamor sexual, do tipo aflito, friccional mais que ficcional.Agora não sei bem.Não sei se as tocava de fato, além dos limites do corpo, este mais simples e automático ao contrário dos meandros daquela alma.Nesse ponto sou igual a qualquer homem: falhei com todas.Até os que casam e são companhia constante falham porque as limitam.Quem sabe, como diz o tal poema do Bandeira que tanto amo, somente após esse limite de aquém morte em que estamos possamos fazer as almas se entenderem.Por aqui ficamos no limite do físico e corporal.E nos limites do intelecto, onde a abstração derruba as barreiras de gênero.Sem contar, óbvio,  a arte, essa atividade sem sexo, ainda que o realizado por homens ou mulheres tenha lá suas idiossincrasias.

      O negócio é ir levando, aproveitando o contemplar, na medida em que o cansaço e o envelhecimento vão chegando.Vai lá saber o que nos reserva o futuro.Mas sempre tenho medo de que alguma portadora da maçã me tire da rota, talvez porque me iludo de ter alguma rota nesse mundo, nesse planeta de rota balouçante no universo.Mistério sempre há de pintar, como disse a canção.Por isso, não sou misógino, apenas reservado.Não posso antipatizar com nenhum mistério nesse mundo.Não posso simplesmente me dar a esse luxo.
 

pensamentos de março passado


Diálogo:
-Ora, não exagere, não viaje!Você pode estar idealizando tudo e, no fundo, não goste dela além da página dois.
-Mas, e se meu livro não tiver mais que duas páginas?
-Rasgue uma página.
-Mas sempre sobra a capa...

Parece que a maioria das mulheres consegue beber mais do que eu.O que, aparentemente,  constituiria  uma vantagem para mim, no final das contas, em meu caso específico, transfigura-se numa tremenda desvantagem.

Pensando bem, chega um tempo em que não há mais razão de você esconder suas inseguranças, já que você já constatou que não está seguro de nada.

Há de se cair na real: as mulheres são seres inescrutáveis.Física clássica não funciona para entender a cabeça delas, quando muito a relativística funciona melhor.Isso é fato, conhecido de muito tempo, agora mais evidenciado pela emancipação e pelo caos reinante nos relacionamentos.Estes eram estáveis, organizados e repressores no passado e, obviamente, monótonos.Sem senso de humor , a gente não leva isso para a frente.Que fazer: a vida é assim, as mulheres são assim.Quem diz que entende as mulheres já está mais é desentendido de tudo.Presunção pode ser sinônimo de idiotice em certas coisas.Sim, são inescrutáveis. Fato. Pode-se odiar ou simplesmente se resignar com ele. Questão de humor.

2- Aí fico pensando: se as dificuldades que o artista impõe a si mesmo fazem desabrochar a beleza, porque as dificuldades impostas à conquista do objeto de desejo não fazem brotar o amor?Pode ser que façam, pelo menos para românticos( os verdadeiros, que são platônicos e tendem ao masoquismo; ser emotivo não é ser necessariamente romântico).Talvez porque o objeto básico da arte seja a viabilização de alguma "pulsão" amorosa, um tipo de energia mais difusa espalhada pelo mundo, enquanto outras formas de relacionamento com o mundo são concentradas, esgotam-se mais facilmente.A arte seria um substituto para a vida, uma forma de transformá-la, "consertá-la".Algo como o sexo existe para a continuidade da vida.Mas, em última instância, toda forma de amor acaba surgindo a partir do sexo, seja realizado ou não, seja sentimento difuso ou concentrado; daí toda arte ter origem sexual, coisa que muita gente não aceita, acha uma tremenda besteira.Ora, mas se o sentimento mais básico de ligação com a matéria e o próprio fluxo da vida é o sexo, como poderia esse básico primário estar desligado de uma atividade secundária transformada em símbolos e abstrações, como a arte? Claro que isso impõe acusação de ser freudiano.Sem problemas: estando errado ou não- e pouco me importa isso-, com vida sexual ou sem vida sexual, o que os humanos produzem culturalmente arranca vida dessa coisa toda aí.Ninguém sabe, ninguém vai saber mesmo.No fundo, é tudo um pouco substituição de uma coisa por outra porque, primariamente, a gente nasceu para procriar e continuar vivo, só isso; enquanto o grosso das pessoas se mobiliza nessa vida por poder, sexo ou dinheiro, coisas que podem perfeitamente se ligar.Tem gente que vai atrás de outras coisas; são os desviacionismos malucos dessa maluquice maior que é a vida.O resto é este equívoco entrópico que chamamos de humanidade.

3-Pode haver gente que diga que não gosta de dilemas.Desconfio disso, sou condenado a ter sempre uma dúvida sistematizada, ainda que todos os meus sistemas não funcionem de acordo com um sistema maior do universo; afinal, sou homem, um violador de princípios desse universo.Digo que não vejo como viver sem estar mergulhado em algum dilema, a todo momento.O dilema não é simples dúvida, pois implica numa decisão de ordem ética e moral(desde que a tenhamos, cada um com a sua, específica).A decisão sempre se dá por ação ou inação.Podemos estar num estado em que, artificialmente ou não(droga,transe emocional,etc), por exemplo, somos presas de instintos quase incontroláveis.Controlá-los ou não já é um dilema. Aquela faceta de lobo que se antepõe à candidez da razão pura, homens divididos sempre.O que se deixa de fazer sempre levantará uma dúvida de acerto ou não.Se, cartesianamente, a alma fosse distinta do corpo,materialmente concebido pelas percepção da mente, no plano das idéias poderíamos resolver dilemas num plano idealizado.Mas uma ação de ordem puramente emocional não tem um corolário perfeitamente justificável.Deixei de fazer: estava certo ou errado?Os dilemas só vão se aclarando nas relações com outros dilemas; como sempre surge um novo, a vida é um tecido de ações combinadas com dilemas.Quem foge do dilema, abstém-se de ser o que o homem é: um ser trágico que sabe não possuir todas as cordas ou chaves que regem seu destino.De dilema em dilema se caminha em direção à morte.O que deixei ou não de fazer é a transposição de um dilema para outro dilema que alimenta o tecido do destino.Contradição ambulante.É isso aí.

Não percebemos, mas o mundo exterior é sempre como um país estrangeiro para nós.É só despertar e relacionar isso com o resto do dia, até que as sombras de Morfeu despejem seu manto de silêncio, nessa outra face do espelho da existência que é o sono.Estrangeiros nesse mundo exterior, estranhos sempre nele, com passaportes falsificados passamos pelas alfândegas da razão, fingindo-nos, uns melhor que outros, ambientados nas hostilidades da vida.Mas em realidade - uma outra, não essa nossa - sonhamos com terras prometidas de onde nós mesmos rumamos a um exílio desconhecido, um pouco por desleixo, um pouco por capricho do que somos.