Já faz tempo que penso nisso: não vou encarar degradação na velhice, para o meu bem estar e o dos outros.Não vou empurrar para ninguém o ônus de arcar com a devastação do tempo.Para isso, é importante bater de frente com a morte; isso não é nem um pouco agradável, ainda mais agora quando ela se configura como algo concreto, não como uma abstração de juventude.Sim, porque , quando somos jovens, falamos da morte e de viver perigosamente sem receio dela, morte, por não vermos o sentido da passagem do tempo dentro de nós mesmos.Há vários despertadores biológicos dentro de nós e as mulheres parecem ter mais sensibilidade à presença deles; os homens, frequentemente, esquecem de dar corda e, repentinamente, parecem prisioneiros de sua própria decadência, perecem pela inobservância da fragilidade de todas as coisas, da própria vida.Mas todos os humanos envelhecem e morrem.
Viver é pensar na morte.E no amor, contraponto a essa última, o qual se manifesta de muitas maneiras, não apenas pelo lado sexual, esse muito mais transitório do que se imagina; ainda que tudo pareça dele se originar.Questões hormonais e celulares.Podem vir os tratamentos, reposições e viagras da vida, isso não evitará que nos defrontemos com o fato: viver é aprender a morrer.E, sendo mortais, precisamos de elencar o que é relevante, que diabo fazemos de nossa vida nessa curta passagem por essas planícies estranhas da vida, rumo aos planaltos(ou abismos?) vazios que nos esperam; acreditemos ou não em sua existência.Vivemos através de miragens, escondidos em algum outro que finge ser um eu no qual me identifico com algo que chamo de eu.
Mas o tempo passa, a juventude é um sopro, a infância é uma constante nostalgia, boa ou ruim, que define muito do que somos ou planejamos, do que intentamos ou intentávamos ser.
Qualquer amor, qualquer tipo de amor, só é realmente forte se nos coloca a sensação de proximidade com o medo e a morte, sensação de que estamos correndo o risco de perder tempo, espaço, uma vida. O resto são impulsos primários; mas, humanizados na forma de agir com os instintos, para nós qualquer forma de impulso parece ter, por si próprio, a vocação de ir além do que é.Somos enigmas forjados por nossas próprias dúvidas.A esfinge sempre nos desperta do sono e pouco teme o risco de ter que se jogar no abismo: sabe que não temos a resposta.
Sim, não vou permitir que a degradação me colha.A não ser que algum milagre da ciência evite isso, a não ser que essa mesma ciência ressuscite a beleza, como sonhava Maiakovski.Ah, os poetas, esses sonhadores da realidade inexistente que criamos pela nossa vontade de amar...
Dentro de meus limites, não vejo sentido em continuar vivendo se não fizer algo que vá além dos limites próprios do que sou.Na luta entre vida e morte que se trava dentro de nós, temos que ir no sentido da agregação, mesmo que isto nos imponha tanto sofrimento vivendo em civilização.Afinal, as pessoas me ferem tanto, os meus sentimentos - os mesmos que me dão o céu e o inferno, de dentro ou de fora - me ferem tanto, as mulheres me ferem tanto, mesmo quando não querem.Que fazer; viver é assim mesmo, convivendo com sonho de felicidade e tendo que se defrontar com as arestas perigosas da realidade. Tantos, sejam homens ou mulheres ,me ferem sem querer, apenas pelo agir de seus limites de sobrevivência delimitados por suas estratégias naturalmente egoístas. A civilização é um monstro onde nos apegamos à cauda para não cair no espaço sem fundo da barbárie. Não há como fugir disso.
Daí que a saúde, sem que saibamos ou finjamos não saber, é o maior dom da vida.De resto, a esperança de ter paz de espírito.Mas aí já é pedir muito!
Se o universo pouco se importa comigo, se o projeto de felicidade não faz parte dos planos desse universo ou da natureza, pouco me importa.Tenho que criar uma felicidade para mim, tenha pouco ou muito tempo de vida, sem depender dos outros, mas sem esquecer dos outros, já que, queira ou não, é impossível viver sem outros.Mas talvez, contradizendo a canção, seja possível a felicidade na solidão.Por que não?
E se Deus não existe, não caio nessa de personagem - obviamente cristão vítima de culpa - de romance de Dostoievski, a dizer que estamos perdidos.Se Deus não existe, então, para mim, tudo é ou deve ser sagrado.Ou seja: inventei algo à minha imagem e semelhança.
Todo dia acordo e espero que uma tragédia se abata sobre mim.Todo dia, quando saio à rua, imagino ainda que poderei encontrar um grande amor; vejam só, nessa idade! Todo dia imagino que farei algo de significância dentro de minhas margens de insignificância.Sou condenado à esperança, que fazer...Passei mais um dia em branco, mas estou vivo, estou no lucro.Não faço mais planos, os planos se fazem através das possibilidades que sou.Implanejavelmente livre, até que a morte, a falta de dinheiro ou saúde me permitam.Mas, irremediavelmente solitário.Assim como todo mundo, morrerei solitário.Quem sabe uma vida além morte melhor que essa d'aquém? Sei lá...O vazio me espera, mas muito vazio também me separa de todos os outros, como franjas de luz num espectro atômico.A vida é contínua ou descontínua?
Mas, definitivamente, não deixarei que a degradação física não me permita uma despedida honrosa do jogo. Essa ainda não chegou, mas tudo é possível, não é mesmo?
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