segunda-feira, 10 de junho de 2013

Sobre artista e ideologia

Em artigo, recentemente publicado em jornal alemão, acusa-se Joseph Beuys, mais famoso artista plástico alemão do pós-guerra, de nunca ter-se desvinculado ideologicamente do nazismo, tendo inclusive falseado dados e fatos de sua biografia para, por assim dizer, limpar sua barra; ainda que, segundo a publicação, ele nunca tenha demonstrado anti-semitismo, por exemplo.Virou moda, entre artistas conceituais, referir-se ao alemão como uma deidade.Mas os conceituais, confesso, são epigonais  demais para meu gosto.Mas dá para separar o homem da obra?Só dá para ser artista se houver integração absoluta entre obra e vida, entre o que se faz e o que se é.O que se faz sempre revela um pouco do que se é, mesmo quando tentamos ocultar.Ação e reação; a natureza pode não dar saltos(há o problema da mecânica quântica, onde existe a descontinuidade), o homem por vezes finge agir aos saltos.No final, o tempo revela a grandeza ou qualidade das coisas.Algo criado há quarenta anos significa um mero segundo na história.Afinal, qual a relação objetiva entre a subjetividade do artista e a sociedade?Será que isso importa?Bem, há sempre a concretude das ações...
     Essas coisas são complexas.A ligação entre a obra do artista e seu comportamento político na realidade social sempre causa polêmica, principalmente quando ele, artista, produziu algo avançado em termos de obra  mas, em termos políticos, sempre foi um retrógrado.Exemplos não nos faltam..No final, o que fica é a obra; esta, no frigir dos ovos, é sempre uma despersonalização para a expressão de uma personalidade.Com frequência, o essencial dessa personalidade revelada não é o viés político da mesma.
    Politicamente, pelo que li e sei, Picasso sempre foi ligado a figuras de esquerda.Quando aderiu ao partido comunista, Breton rompeu a amizade com ele por ser anti-estalinista até a medula.Picasso pintou Guernica, um libelo plástico anti-fascista.Já houve artista assassino como Villon, poeta francês importante do passado.Caravaggio era um out-sider para a época, um marginal no sentido moral e ético, coisa que não depõe contra ele, já o que o domínio político era de autocracias aristocráticas.Dali sim, que teve um passado político sombrio, apoiando Hitler, Mussolini e Franco; mas quem é que podia levar a sério o pensamento de Dali? Daí quem sabe a pintura, excelente tecnicamente, pobre moralmente.Miró dizia admirar o artista, desprezar o homem, quando falava de Dali; mas aí, o espírito catalão anti-franquista falava mais alto.
     Não sei bem; consigo separar as coisas, mas às vezes percebo que, no interior da obra do artista, certas sutilezas do caráter se percebem por trás da elaboração formal.Particularmente, a obra de Beuys nunca me comoveu; esse tipo de proposta nunca me sensibilizou, ainda que não seja tolo de negar a relevância dentro da história da arte.Revi muita coisa que antes dizia apreciar, apenas para não parecer deslocado das modernidades.Para ficar por dentro, para não dar a idéia de ir contra algo referendado pelo senso comum ou pela valoração histórica, já declarei apreciar coisa que, no fundo, pouco me tocava a alma.Ainda que se tenha que dar um tempo para se ver a coisa, a obra tocando fundo nas dimensões mais escondidas de nossa sensibilidade.Tolice: a gente tem que expressar as empatias do coração com as coisas que nos tocam.Já chorei ouvindo Wagner e Debussy me deixava frio; hoje, Wagner me causa tédio, Debussy me eleva para fora do mundo; ambos eram conservadores, politicamente, o primeiro, provavelmente, um péssimo caráter; mas gênios, os dois, reconheço.
     Para mim, o passado do artista pode ser curioso , mas o que pesa mesmo é  o resultado, a forma elaborada.Mas eu acho que muito do conteúdo moral passa para a forma.É só pensarmos no quanto de amor à natureza e aos homens que havia dentro de Van Gogh e passou para sua pintura, o quanto de revolta contra a bestialidade da civilização burguesa em Gauguin que este passou para sua pintura.Nem sempre o conteúdo da alma se materializa pela concretude da obra, qualquer que seja o veículo.Mas tenho dúvidas sobre tudo, confesso.Sei apenas que o homem vem antes da arte; esta apenas expressa parte do que o homem é no mundo.Artista, qualquer que seja, tem a tendência de estar por cima de tudo e de todos; uma arrogância que é decorrente, um pouco e às vezes, de mecanismos de defesa contra os sistemas opressores da civilização.Possível de se entender.Inaceitável é qualquer idealismo justificando desumanidade, seja ele político ou estético.A árvore só floresce quando houve um solo onde ela pode brotar.

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