segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Noctívago por vocação

     Não tem jeito mesmo, sou um noctívago por vocação; boêmio, ocasionalmente por opção. Talvez minha única e real vocação.A noite, o ruído silencioso que envolve a escuridão ou as luzes noturnas, as figuras noturnas, tudo isso me fascina.Tanto faz que esteja em cidade grande, campo, praia.Nada contra a luz solar, nenhuma neura com relação a câncer de pele.Simplesmente uma questão de afinidade. Uma criatura da noite é o que sou. Um zumbi com tendências vegetarianas, ainda que eu tenha dificuldade com dietas à base de frutas.E quanta dificuldade para fazer coisas de manhã, quão pouca disposição para tal, exceto para certas funções biológicas ligadas à continuidade da vida ou da espécie.
     Sempre me julguei um pouco severamente a respeito disso, por vezes me auto-acusando de tendências insalubres.Claro que sempre pesou  o fato de não ser lá muito dorminhoco.Apenas o normal, umas seis horas diárias,  mais do que o suficiente.Além de oito é como se tivesse passado por um estado de coma.A máquina só "desperta" mesmo depois das onze, meia noite.Faço programa matinal apenas quando estritamente necessário, uma penitência.Afinal, por que museus e coisas afins não ficam abertos durante a madruga?E olhem que fui professor de segundo grau por muitos e muitos anos; aulas matinais, um calvário para mim.Um sonâmbulo dando aula.Adorei meu antigo período ginasial , quando as aulas eram de tarde.Faculdade de manhã, isso sim era outro calvário.Só funciono para aula de noite ou fim de tarde.Como seria minha vida se vivesse no polo norte?
     Talvez isso me tenha levado, além de certas preferências estranhas de cunho estético e filosófico, a ter um certo fascínio pelo estranho, pelo irreal, pelo universo simbólico da penumbra desfeita em consciência e sensação.E, obviamente, a um fascínio pelas pessoas de espírito "meia-noite".Daí meu fascínio, quem sabe, pelos azuis ultra-mar profundos, pelos azuis da prússia  cavernosos, pelos azuis de Chagall e pelos violetas estremecidos e transcendentes ou pelas penumbras poéticas baudelairianas.Por exemplo: toda mulher que me fascina parece que veio direto da Lua, toda beleza dela parece algo desprendido da Lua.Ainda que toda mulher desse tipo sempre nos queime pior que o sol. Mulher que não nos queima não existe.Traços e traços de chamuscar nessa vida...
     Outro dia, um conhecido de muito tempo me diz que frequento ambientes "insalubres".Não entendi direito o que ele queria dizer, depois aferindo que se referia a certas vivências menos convencionais ou desregradas. Embora eu não seja tanto um desregrado tanto quanto um desregulado.Aí me lembrei dos tempos de "racionalidade" de academias universitárias, ambientes de discussões teóricas ou políticas, de outros ambientes de política institucional, da convivência com "lideranças" políticas institucionais, das reuniões em sala de cafezinho durante pausas em empregos institucionais e outros habitats humanos(?) em que convivi.Cheguei à conclusão de que, depois de passar por tanto tipo de insalubridade normal, prefiro mesmo a insalubridade anormal.Tem vezes que passo na frente de um sanatório de doenças(?) mentais, olho a porta dele e fico pensando o que ela está separando do quê.Afinal, aquilo é entrada ou saída de quê? O livre arbítrio me diz que cada um escolhe a insalubridade que lhe convém.O problema é quando essa insalubridade é imposta de fora. Eu acho que no fundo essa conversa é que não é muito salubre.Coisa de discussão noturna, de conversa jogada fora.Coisas da noite, esse meu habitat natural, já que o inferno é o habitat natural de todo mundo.Mas a noite sempre nos salva...ou não.E isso já virou jargão.

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