Bem, se então todas as cartas de amor são
ridículas, todos os discursos políticos também o são...ridículos.As primeiras
visam a sedução, os segundos, a embromação.Apelo à emoção, não à razão, os dois
feitos daquilo são.Já se imaginou carta de amor racional, toda levada na base
da lógica construída?Melhor mesmo ser destruída.Amor psicanalisado em texto
foge mesmo ao contexto.E os discursos políticos feitos de verdade, sem vaidade,
seria isso possível? Tem mais coisa louca nesse mundo para mim crível.Chamem
Moisés e seu bastão para dividir o mar em duas partes que seria mais fácil do
que o discurso cheio de vero.Sincero?Só
mesmo o que faz as cartas de amor, ainda que sejam ruins ou, por sua própria
natureza, ridículas na sua própria emoção perdida ou pedida.Na política, a
verdade sempre fendida, fedida.Os amantes, tenham esses ou não suas cartas
dirigidas entre si, refestelam-se,naturalmente, no ridículo natural que
são.Políticos, naquele eterno ar
malsão.Para mim, no fundo, nada são.
Ah,
cartas ridículas de amantes ridículos, nos salvem do ridículo maior de levar
daqueles mentirosos algo a sério!Que os
de fala empolada me parecem assombração de cemitério.Sem que nada eu veja nelas de mistério.Prefiro mesmo ser ridículo a me
falsear pelo prosador do ridículo.Cartas de amor, livrai-nos do mal, amém!
Se realmente devemos julgar um homem por suas
ações concretas e não pelo que ele diz de si próprio, devemos relativizar a
utilização do conceito de caráter, quando este é aplicado a políticos.Para
estes, aquele conceito tem outro significado, distinto do utilizado pelo senso
comum.Como conjunto de características psicológicas das relações mais profundas
da mente humana, expressas no contato com o exterior sócio-ambiental, além
daquilo que chamamos de ego, podemos até arriscar que políticos não têm
caráter. Quem sabe não possam se dar ao luxo de tê-lo.Ou pelo menos o têm de
forma mais plástica, moldável e transigente.Daí a sensação de “oco” por trás de
suas falas e discursos, quando somos levados a pensar se realmente ele,
político, está acreditando no que fala.Um ator pode acreditar no que o
personagem fala através dele; o personagem é uma criação abstrata forjada pela
imaginação humana.Mas qual o personagem que age por trás das palavras do
político, esta variação de ator(em geral sempre canastrão, pleno de maneirismos
de mau gosto) misturado a um personagem social?Um agente “coletivo”, uma idéia
pura ou uma circunstância dinâmica que o envolve? O narcisismo do ator pode
residir na auto-apreciação de sua capacidade ou talento.O narcisismo do
político reside no próprio aparato de seu ego, no fundo, independente de
interesses de terceiro; age um pouco por sua vontade, um pouco à revelia de sua
vontade , apenas para reafirmar sua vontade original.Por isso, não é de
surpreender a mudança de posição ou fala do político ao longo do tempo, de
acordo com os ventos da conveniência que se bandeiam para as planícies do poder;
não é um problema de caráter, pelo simples fato de que ele raramente trabalha
com esse conceito, salvo quando é um profundo idealista, revolucionário ou
visionário, coisa mais afeita a santos, profetas, loucos ou artistas do que a políticos convencionais.Os
quais continuam e devem continuar preponderando em nossa época de democracia de
massas e propaganda política.
Aí, quando Freud falava
na luta titânica entre os instintos de vida e de morte , no interior do ser
humano, os lógicos e racionalistas o acusavam de enveredar por especulações
metafísicas.Como se a violência humana fosse algo pouco físico, no dia a dia, na
história em geral...Por outro lado, uma proeminente personalidade lógica, um
filósofo lógico como Bertrand Russel, dizia sentir uma luta interna no ser
humano, entre as forças do ódio e do amor.Dá na mesma; e ninguém acusaria esse
pensador de ser metafísico.Podemos conviver com um monstro ao lado,
cotidianamente, e nem imaginamos.Sem contar as pequenas monstruosidades que
cometemos com nossos semelhantes ou outras monstruosidades que nos são
perpetradas por outros.É só olharmos ao redor e ver o tanto de relacionamentos
sado-masoquistas, não apenas no plano sexual, que abundam em nosso cotidiano,
em meio ao nosso círculo de conhecidos.Daí a sabedoria profunda da fala do
personagem sartreano ao dizer que o inferno são os outros.
Que para mim é estranho o tal sentimento
associado a patriotismo, ah, sem dúvida que o é.Não consigo sentir tal coisa,
ainda que já o tenha sentido outrora, bem mais jovem.Patriotismo.Que seria
isto? Impossível fazer retornar esse
sentimento, como também me é impossível fazer retornar o amor que já senti por
outrem e já foi desmilinguido pelas
circunstância e pelo tempo.Li de um autor, Cioran, que o patriotismo é um
visco.Acho que concordo com isso. Já li algo parecido em outros autores.Para mim, é algo meio estranho
esse sentimento de patriotismo.O que seria: a língua em que me expresso, o meio
, a terra e as pessoas com que convivo nessa terra? Quantas mortes em nome do
patriotismo. Mas a humanidade não é uma só coisa? Já vivi fora daqui, falando
outra língua, ainda que sempre pensando na minha original, vendo pessoas que
julgava estranhas por ter hábitos diferentes dos meus. Sim, hábitos definem
nossa vida; nem percebemos isto, os condicionamentos que mecanicamente nos
manipulam, além dos vestígios da consciência.Mas as pessoas sempre são
estranhas, sempre imprevisíveis, até mesmo as imaginárias que podemos projetar
existir em outro planeta.No fundo, sinto-me apátrida, um pouco exilado de tudo,
um pouco exilado da própria vida que me traga.Pátria, para mim, não passa de
abstração, criada em torno do fetiche de símbolos e imagens.Definitivamente, só
acredito na pátria do espírito.E essa não tem bandeira ou hino.
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