É, acho que o Pessoa tinha razão: a vida ou
não presta , ou é insuficiente; daí haver arte.Poderia acrescentar: arte ruim
em massa, para sensibilidades arruinadas em massa pelo sentido de massa.Mas
isto é significativo da condição humana, a qual só escapa do sofrimento pelo
trabalho(argh!), pela ilusão ou pela intoxicação.Seria a tal bebida, poesia ou
virtude do poema de Baudelaire?
Excesso de expectativa acalenta desilusão; falta
total de expectativa mortificação.
Para bom pessimista, meia tragédia basta.
O problema do pessimista é levar a vida a
sério demais; ainda que, em demasia, a vida seja mesmo um caso sério.
Os filmes de zumbis são a auto-crítica
cinematográfica do mundo moderno?Um aspecto em que o mundo moderno continua
como o antigo?
Fascínio pelo velho, o velho fascínio pela
ausência do fascinante?
Toda violência reprimida acaba sendo vomitada
ou dejetada por algum organismo excretor da consciência.
Às vezes me pergunto se não vivo algum tipo de
evasão imaginária criando um mundo imaginário, onde não passo de um ser
imaginário de minha imaginação.Fico imaginando isso...
A pergunta que não quer calar é sempre algo
que, em algum momento, já nos calou.
Pensamento sobre o nosso maio que veio em
junho:
Podemos até transformar a utopia numa
distopia, mas nunca acabar com a lei da entropia.As leis da história – se é que
as há – para nós são mais enigmáticas que as próprias leis da natureza, essas
por nós apenas resvaladas pelo
conhecimento.Tentamos avaliar fenômenos espontâneos com o mesmo
determinismo com que julgamos um
fenômeno sub-atômico com recursos apenas da mecânica newtoniana, esquecendo os
pressupostos da mecânica quântica.Por isso, a falta de reflexão na ação
política é como a falta de projeto de um partido: dá em nada.Mas há a situação
do partido que quer que tudo fique mesmo no nada, assim como há aquele para o
qual é o tudo ou nada.E assim ficamos nadando na nadificação.
Saio da
servidão das companhias e entro para o claustro de meu reinado, meu quarto, meu
reino e mundo.O mundo lá fora explodindo, abro a janela estranha que é o
computador.Tudo corre e arrepia, serpenteando de desejo a minha inércia.Então,
pouco me basta este silêncio em que me julgo rei e lá me jogo, aos portões
sombrios da realidade. Sinto-me solitário no mundo, mas o mundo corre lá fora
em sua solidão maior em meio ao cosmo gigantesco. Posso sonhar ser o senhor do
castelo mas ainda sou servo.Exatamente, não sei de quê....
A
bela noite tem uma lua ornamentando de pérola a indescritível massa de carne
humana, não consegue abafar os gritos.Multidão
e gente, juventude iridescente em hormônios e insatisfação, essa carne e alma
que fazem dela própria juventude. Nunca se sabe exatamente onde se vai, ninguém
sabe exceto os poderosos em sua arrogância de pretensa imortalidade,seja lá em
multidão ou solidão, na multidão em que somos sempre solidão acompanhada.Tanto
faz: de riso e ruído, grito e revolta, sonho e ilusão também se faz a
vida.Ainda que multidão possa rimar com ilusão, nada de mal ao se ver o irreal
desmanchado no ar.Nossa vida pode mudar por uma simples casca de banana que nos
colhe em desaviso, o que se pode dizer de asneira de político em sobreaviso?Tudo
pode ser um castelo de cartas, ainda que haja sempre a tentativa de engessar e
colar essas cartas.
E
corro para multidão que hoje me recebe, amanhã me rejeita,assim sempre são as
coisas nesse mundo em que sempre somos um outro entre outros, uma solidão que
sempre mergulha na multidão; e corre lá o mar de gente, um conluio
erótico-ilusório de corpos e mentes numa busca de algo além das
palavras.Simples, algo como a vida, uma ação e reação constante, como uma
grande ameba que se tornou autônoma de tudo e voou aos céu como astronauta.Porque
não? Até amebas sonham.E tantos nos tratam como amebas...Sem sonhos, lógico.
E que
essa multidão seja uma ilusão em que mergulho, pouco me importo, no curto espaço que pode existir entre esse
momento e a morte, essa grande democracia do tudo que acaba de vez com os
absurdos que os homens criam para si. A multidão que reina em mim me transforma
no rei da multidão.E viro vassalo da alegria.E que seja mesmo um sonho, sem
problema: talvez tudo nessa vida não passe de um sonho rumando ao grande sonho
indescritível que se sonha maior que tudo.E nisso todos nós somos, tenhamos
talento e treinamento ou não, artistas: temos dever de salvar nosso sonho.Salvar
o sonho da ilusão de realidade que empedra nossa alma.O resto não passa de pura
morte.
E
quando voltar de alma lavada, às plagas solitárias do reino em que me imagino
me encontrar, tolo que sou por sonhar em
me encontrar,quem sabe sinta os sonhos meus dentro do grande sonho do mundo,
essa grande ameba que encerra a luta da vida contra a morte, ao movimento
amoroso de uma eterna multidão.
Ditados latinos são bonitos como forma de
citação mas, com frequência, encerram dentro de si erros e falseamentos da
realidade.Um exemplo é um , frequentemente citado, que diz que a natureza nunca
dá saltos.Isto funciona para certas margens de nossos universo sensível, como
no caso de biologia ou história natural, mecânica newtoniana; não funciona para
física quântica, senão não usaríamos telefones celulares ou lâmpadas
fluorescentes ou de led.A explicação é complexa.Mesmo no caso de pessoas,
muitas não dão saltos mas também não passam por transformações contínuas; não
crescem, apenas fenecem.Aliás, como muitas espécies vegetais, muita vida
"vegetativa" só difere da morte por certo acaso circunstancial.
Mas,
afinal, o que é a realidade? E o que é concretamente real nas relações humanas,
no discurso que enviesa as coisas e não define a precisão, apenas imprecisa os
fatos e os sentimentos?Difícil saber, já que não temos laboratório para isso,
instrumento matemático que quantize os afetos, os impulsos, as irracionalidades
que produzem a energia de nossas atitudes, do trabalho ao sexo, do amor ao
ódio, todas essas coisas construídas por trás de tecidos ilusórios de
convenções sociais. Construções mentais.O homem é fruto de uma abstração que
cria para si mesmo, daí quem sabe, a busca desesperada pelo que é incorporal,
seja usando a ilusão, o sonho, a intoxicação, a sensação perene da morte da
alma e um fingimento de uma não existência dela.
Não
vemos coisas como o elétron, fóton, essas partículas malucas, sejam elas de
Deus ou do Diabo, que os físicos tentam esmiuçar em misteriosas e complexas
pesquisas.Todos lidam apenas com as emanações das mesmas, com os traços de
energia que elas deixam no espaço. O espaço que é decorrência de um tempo não
mais medido em intervalos mas sim em espacializações incorpóreas.O sentido convencional de matéria
foi para o espaço.O que ocorre nessa
relação entre ciência e realidade pesquisada, também ocorre no dia a dia, no
trato com as pessoas, entre as pessoas.As emanações intercambiam-se, não os
centros de irradiação dessas emanações( entenda-se: dimensão inconsciente dos
seres ou de sua coletividade).No final, temos os efeitos dos processos, os
quais são sempre imprevisíveis.Ainda que, dentro de um laboratório ou de um
atelier, apesar de toda indeterminação envolvida, posso ter mais controle da
situação do que frente à indeterminação que envolve relacionamentos
humanos.Esta só diminui se for envolvida em regras estritas, em restrições, em
suma, em castrações assumidas que venham a podar o inesgotável egoísmo das
partes.Assim é que é, assim é que foi; assim até quando será? Temos margens
estreitadas dentro de nossas intencionalidades.O que sou , o que somos, tudo
pode ser apenas projeção num espelho de nossa consciência adaptada às relações
interpessoais.Construir a casa até que é fácil, difícil mesmo é colocar as
pessoas lá dentro convivendo.Por isso há os que buscam refúgio em laboratórios,
ateliers, palavras,etc,etc,etc.Mais fácil de lidar.
A fama é como o vento: passa e não traz
nenhuma resposta; desfaz-se como o próprio vento, este que pouco sabemos de
onde surgiu nem onde vai acabar.
Fato estranho é que todas, absolutamente todas
as pessoas são diferenciadas; em suma, são diversidades que têm dificuldade em
manter a unidade, apesar de todas as pessoas serem feitas da mesma matéria. Mas
não dos mesmos sonhos ou objetivos, já que não nos moldamos apenas às
necessidades dos instintos.Mais fácil conseguir unidade organizando
notas(sons), cores(luz) ou palavras(simbolos), para se conseguir uma
unidade.Apesar de, assim como ocorre entre as pessoas, as combinações dessas
coisas ainda continue um mistério.Mas essas coisas só funcionam em conjunto, como
a humanidade.Atualmente, ainda vivemos em estilo Quadrado Branco sobre Fundo
Branco de Malevich. A humanidade tem um bom chassi , uma boa tela e boa
moldura; só não conseguiu ainda fazer a pintura.
Temos que cair na real e
colocar de lado o conceito antigo de "homem cordial", usado no
passado em referência ao brasileiro.Nossa sociedade é mais urbanizada, o país é
mais capitalista do que nos anos vinte ou trinta do século passado, trazendo
com isso todas as neuroses e violências urbanas e modernas.Nossa sociedade é
tão violenta quanto qualquer outra por aí; não é porque é mais fácil se
arrancar um sorriso do rosto por essas bandas, porque diz-se que somos mais
"descontraídos", que devemos desconsiderar a violência que pode
pairar em todos os estratos sociais.Acrescente-se a isso uma dose de
irracionalidade meio anárquica e , pronto, está feito o cenário para uma grande
"bi-polaridade" nacional, indo da euforia à depressão, da soberba à
auto-depreciação em segundos. Confesso que isto me assusta, assim como o baixo
nível médio cultural e educacional das grandes massas; setores
"formadores" de opinião que pouco formam e são alienados, um certo
ressentimento "fascistóide" disseminado por aí - podendo facilmente
ser alavancado por uma ciclotimia emocional coletiva -, uma maneira inercial de
comportamento que se torna muito perigosa numa nação com tanta gente .O que
acontece na seara política, isso não dá para desvincular do resto do tecido
social e cultural do país.Até onde a "gente vai levando"? Mas, enfim,
já houve épocas piores no passado...
Todo dia acordo como quem vai para uma
batalha.Na verdade, quem sabe a guerra real fosse assim; em parte, uma
monotonia cercada de cotidiano de incertezas. De onde vim, nessa face estranha
da vida que é o sono – uma sombra da morte, talvez? -, para onde vou, depois de
escovar os dentes e estabelecer uma rota(?) para os afazeres, isso é sempre um
projeto indefinido.Posso pensar que defini algo, quando a definição, em si
mesma, foi a indefinição de uma outra parte minha que se definia pelo
alheamento confuso dos sentimentos e da razão construída por estratégias por
mim não concebidas, a não ser pelo acaso que nos rege.Mas isso tudo é confusão
indefinida, uma fusão com a própria vida.
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