E se o amor for, tal como vi tantas vezes em imagens poéticas, como uma bruma?Uma bruma que se desfaz com os primeiros raios de sol que a atingem.Frágil, diáfano, inapreensível, essência volátil da transitoriedade de todas as coisas, de todas as brumas,imagens de brumas, todas as inespecificidades aquosas de todas as névoas em que nos mergulhamos e delas saímoas sem tocá-las, sem que sua aérea imparmaência se mantenha dentro de nós.Será isso o amor?Uma névoa , uma bruma por onde passamos mergulhados por momentos no véu gasoso que nos inebria, ao mesmo tempo aflitos, uma estranha sensação de sufocamento, a visão turva, a esperança de encontrar algo seguro por trás dos vultos que emergem do seio da branquitude? E se a própria matéria nevoenta for ilusão, projeção de devaneios criados por outras brumas ocultas, vaporosamente passeando por nosso sangue e nossos nervos?
Perdidos, sem norte ou sul, sem farol de neblina a esclarecer o caminho, nosso coração nunca tem um radar adequado, nosso sonar mental não funciona para certos meios gasosos de sentimentos.Seria então, na perdição dessa bruma que se desfaz tão fácil, como um sopro caprichoso da meteorologia do acaso de nossas vontades, seria na absoluta incopreensão do que se faz no vazio branco a nos toldar a visão, seria por aí o destino nosso?Caminhar em meio a brumas, esperando que o sol venha e nos ilumine a razão e...depois, depois,depois.Depois o quê, após o sol?Ele trará mesmo a luz por trás da névoa?Na esperança de outra cegueira por nova bruma, quem sabe.Quanto tempo mais até a próxima, quanto durará?Nunca se sabe.Assim é, assim somos: vocacionados aos silêncios brancos das atemporalidades das brumas, das cegueiras brancas das brumas.
Nas brumas, onde não vemos as estrelas - onde o céu, onde o brilho delas no alto? -, onde se respira e se sufoca o mesmo e todo branco de tudo, como um nirvânico firmamento onde podemos sonhar uma paz branca, leve e frágil como a própria matéria brumosa, facilmente desfeita pelo calor do sol da razão ou do cotidiano.Na bruma, nunca a visão, apenas o aroma esbranquiçado roçando nossos olhos e nossa pele, a umidade envolvendo esta como um tecido de desejo perdido.
Sim, o amor é como uma bruma.Algumas duram mais, outras menos.Talvez algumas partam mas voltem, atravessando oceanos de incertezas e mares afoitos, retornem a nós com pássaros delicados perdidos em suas entranhas brancas, naus desgovernadas guiadas por almas aflitas, dores flutuando em sargaços, restos de naufrágios que ocorreram em outros recintos brumosos.Restos de restos nossos, quem sabe.Talvez essas brumas sejam um pouco do que chamamos arte, uma bruma mais consistente, cheia de matéria densa e colorida flutando em meio ao vento capilarizado pelos caprichos do branco brumoso.
Onde estão as brumas do mundo? Que o que quero mais é a cegueira do branco, que o turvo e preciso da vida me arde aos olhos; o silêncio do branco é o ruído maior que nenhum oceano ou vulcão comportaria.Quero fugir da secura dos desertos, minha alma já oscila muito entre eles, entre o frio gelado da noite e o calor infernal do dia.
Sei que o sol virá, a bruma irá findar.Tudo finda, nessa vida que a todos nós nos parece infinda.Pudesse eu me desfazer como bruma que se desfaz sob o peso do sol, da vida porejando pelo calor e a luz deste sol.Que a bruma desfeita é outra forma de luz; perde-se no céu de verdades imprecisas, reflete e refaz aquela luz do sol que a matou, a ela, bruma, vaporosamente esbranquiçada na etérea matéria porejante do ar e do próprio amor que sempre foi e será nada mais que uma bruma que não se enxerga, não se toca ou cheira, mas sempre se sonha.
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