ntas quebras, anti-convencional assumir certas convenções.Isto é meio paradoxal, como em geral são paradoxos as grandes consequências das convenções.Mas a vida social acaba sendo sempre um tecido de convenções e conveniências.Ou seja: paradoxal em essência.
VICISSITUDES POLÍTICAS NA VIDA DE UM ARTISTA
Vi um documentário francês sobre o compositor russo Serguei Prokofiev, um dos grandes compositores do século vinte e um de seus maiores virtuoses do piano.Saiu ainda jovem e promissor da Rússia, perigrinando por Estados Unidos e França em busca de reconhecimento, glória e, eventualmente, fortuna.Mal recebido no primeiro e muito bem no segundo, acabou por retornar à pátria russa,depois de muito tempo fora do país, sabe-se lá se por não conseguir se ambientar no estrangeiro ou por saudade de amigos e do povo; em suma, não conseguiu se auto-extraditar em pró da carreira.Prokofiev era genial, talentoso e temperamental, difícil de fazer amizades ou política, coisa que ajuda na convivência nos eventuais covis que se formam no meio artístico.Voltou para a pátria em busca de reconhecimento, com esperança de ser saudado por seu sucesso e fama alcançados no exterior.Sempre se auto-afirmou como apolítico, julgando que o artista deve estar por fora dessas coisas materiais que nada têm a ver com o estético.Ledo engano!Embora justo, esse pensamento às vezes, ou melhor, frequentemente, causa danos por vezes imenso aos artista; não no que tange à criatividade, mas sim à sobrevivência.O mundo não é feito por artistas, nem para artistas e seus mundos construídos em sonhos, idealismos e óticas pessoais.Uma certa tendência anti-social os coloca contra os valores dominantes e, dependendo das circunstâncias, represálias de ordem social podem fazer com que eles comam o pão que o diabo amassou e cuspiu.A funcionalidade social impõe obrigações que podem violar as tendências e vontades profundas da alma.Sociedade, estado, preconceitos e perseguição tendem a barrar aquilo que ameaça os valores dos sistemas estabelecidos, variando o grau de tolerabilidade.E a tão essencial liberdade de criação pode até mesmo levar à prisão, quando não ao exílio ou loucura.O ser-homem-estético é distinto do ser-homem-político, embora possa haver influências múltiplas.Mas é o segundo que convive em sociedade, se alimenta e interage com o ciclo produtivo da riqueza e da materialidade do mundo e das coisas.Daí poder ser tratado como excentricidade ou perigo.No estado ideal de Platão o artista seria exilado, no fascista ou comunista-estalinista ,eliminado , a menos que colaborasse com a ideologia dominante do estado.De forma que o artista tem que ser “esperto” para perceber se o mar não está para peixe e de que forma ele pode nadar de acordo com a corrente.Caso contrário, pode entrar numa fria e, no caso de muitos russo, num frio siberiano de gulag , na época sombria do estalinismo.Hitler acabou, por exemplo, por produzir o maior êxodo de artistas criativos de que se tem notícia na História da Alemanha.Moscou era um dos grandes centros de vanguarda artística do mundo, durante os primeiros anos da revolução socialista, e tudo isso foi desmontado pelo “realismo socialista” imposto pelo novo czar bigodudo de discurso pseudo-marxista e seu bando de lacaios obscurantistas.Na vida é sempre assim, uma constante luta entre as forças da vida e as forças da morte.
Prokofiev devia ser muito emotivo, pessoal e sem travas na língua.Mas teve que travar sua música e sua experimentação ao voltar à Russia soviética, em pleno reino do realismo socialista, da obrigação dos artistas fazerem coisas construtivas para o povo e de acordo com uma linguagem do povo(no fundo, linguagem dos burocratas que estavam no poder).Poderia ter ficado na França e, depois, emigrado de novo para os Estados Unidos com a guerra.Lá, em função do novo momento artístico por lá vivido, quem sabe fizesse sucesso e alcançasse reconhecimento.Mas, que fazer(por sinal, título de obra famosa de Lênin): as opções que tomamos são sempre cobertas de incertezas e imprecisões.O indivíduo é sempre tragado pela História, seja ele comum ou genial, como no caso de Prokofiev.Que, por sinal, em virtude de seu enorme talento, ainda conseguiu criar coisas de valor inestimável e excelente música, apesar da censura e perseguição do regime; coisa que só os grandes artistas conseguem fazer.Muitos outros desapareceram ou se mediocrizaram em função do medo e da conveniência.Prokofiev teve muitos afagos e rusgas com o sistema soviético.Imagino os tempos sombrios de pré-guerra, segunda guerra, guerra fria depois do fim dessa ...Parou de fazer seus diários por questões de segurança.Calou nas palavras mas não nos sons.
Prokofiev teve, inclusive, a própria mulher – que , por sinal, era por ele quase que idolatrada; um pouco menos, é lógico, do que seu enorme ego – por ligações políticas suspeitas(tudo era suspeito naquela época sombria de guerra fria, pós segunda guerra!).Foi mandada a um gulag e Prokofiev nunca mais a reencontrou, já que quando ele morreu, aos 62 anos e de derrame, ela ainda estava presa.Foi solta três anos após a morte do marido, três anos após a morte de Stalin que, curiosamente, morreu no mesmo dia em que o grande compositor russo partiu desse mundo para as esferas musicais do desconhecido.Ironias da História.
Após a morte do czar socialista, com a denúncia dos crimes estalinistas, com uma certa liberalização do regime(muito, muito relativa!) e com o fracasso estético absoluto do realismo socialista, Prokofiev foi colocado em seu lugar de direito na ordem correta de valores, dentro da história musical russa.No ocidente era mais valorizado do que na própria União Soviética, onde muitos artistas bajuladores e de talento infinitamente menor, gozavam de fama e regalias do regime burocrático.Admiro muito esses artistas criadores e inovadores que conseguiram resistir e criar durante anos negros de censura, de guerra, de fome, a demonstrarem o quão indomável é o espírito humano.
Todavia, não podemos esquecer da ingenuidade de Prokofiev por meio de seu voluntário apoliticismo.Não conseguiu perceber para onde voltava e o que pagaria por isso.Levou para o túmulo as mazelas de seu sofrimento de artista censurado, embora tivesse acumulado sucessos na Rússia soviética.Mas o importante é que deixou música.Essa sobrevive a regimes e ditadores.
Mário de Andrade dizia, em carta a outro Andrade, Carlos Drumond , que não adiantava mesmo, que o artista tem mais é que criar sua torre de marfim e dela não pode arredar pé, com risco de vê-la invadida, ocupada, devastada, saindo de vez quando dela, ora para jogar uma bomba aqui, outra lá, fazer um terrorismo esporádico, vociferar contra um outro ali, mas nunca deixando-a vazia, desocupada, aquele pedaço de universo onde podia se safar do caos do resto.O velho problema da contradição entre o caos sangrento e a alma pura.
Mas quantos e quantos feneceram ao relento sob os escombros de suas torres destruídas?Qual torre não está sujeita a um ataque?
Mas que a ingenuidade pode prejudicar um artista, ah, isso pode sim.Principalmente quando ele imagina que seu apoliticismo servirá como salvaguarda contra as hostilidades de um mundo que não funciona de acordo com leis estéticas.Não precisa ser engajado, embora tenha que ter um outro engajamento: com a realidade.Isso é duro, é verdade.Mas é a vida como tal: sempre menos do que se quer, sempre mais do que se pode ter.
Nenhum comentário:
Postar um comentário