Se a vida imita a arte, o que diríamos então da mitologia?
Quem já não topou com uma Fedra na vida?Poderíamos transcrever o mito como sendo “como você pode se estrumbicar na vida por causa de mulher” ou “mesmo quando você está na sua, sempre aparece uma zinha no meio do caminho para atazanar seu destino”.
Um conhecido meu diz que os helenos enfatizavam o amor homossexual por horror às tranqueiras do relacionamento entre homem e mulher.Seriam eles mais sábios que nós?Contudo, eles mantinham as mulheres em rédeas curtas, elas valiam menos que um cão de Ulisses(aquele sortudo que tinha inclusive uma mulher de fidelidade canina).Realmente não era mole ser fêmea na Grécia, exceto se fosse mitologia como deusa ou amazona, ou hetaira, pitonisa ou mulher de Péricles(dizem que ela era boa nos negócios do marido).
No fundo, acho que a tal de Fedra não aceitava aquele tipo de rejeição e usou do artifício da calúnia, quase que imaginando o pobrezinho do Hipólito se ferrar.A versão teatral de D’Annunzio vai mais por essa via.A de Racine é mais idealizada.Gostei muito de um filme de Jules Dassin sobre o tema, com Melina Mercuri(que nunca ouviu nada parecido com a axé-music) e Anthony Perkins(um ar entre sinistro e trágico, Norman Bates em clima grego).
O mito vai mais pelo heróico trágico do destino inexorável.Mas seria mesmo?Essa Fedra realmente era uma mulher à beira de um ataque de nervos!Muitas Fedras transitaram por filmes de Almodóvar.
Até que ponto vai a resposta a uma rejeição por parte de uma mulher? Senão , vejamos:
Pintura de Fedra por Alexandre Cabanel
Na mitologia, Fedra é a filha de Minos (rei de Creta) e Pasífae (filha de Helio, mãe do Minotauro), irmã de Ariadne, Deucalião e Catreu.Deucalião, rei de Creta, como sucessor do irmão mais velho Catreu, decide que ela se casará com Teseu (rei de Atenas), que, segundo algumas versões, já era casado com uma amazona (Antíopa, Hipólita), a quem aparentemente tinha raptado. No dia da boda entre Teseu e Fedra, irrompeu uma guerra com as Amazonas, e estas foram derrotadas.
Antíopa e Teseu teriam tido um filho, Hipólito. O jovem era formoso e casto e Fedra apaixonou-se perdidamente por ele. Hipólito, devido á sua castidade e ao respeito pelo pai, rechaça Fedra.
Fedra começa então a preocupar-se de que Teseu venha a ter conhecimento do seu amor secreto e acredita que Hipólito é capaz de contar-lhe tudo num ato de fidelidade e honestidade. Para evitar que isso acontecesse, Fedra levanta uma calúnia contra Hipólito, fazendo parecer que ele é que a ultrajara e se mata por enforcamento. Teseu acha a mulher e vê que na sua mão existe uma placa onde fala sobre o ultraje.
Teseu, levado pela ira, manda desterrar o filho e pede a Poseidon a sua morte. Hipólito morre arrastado pelos seus cavalos. O trágico grego Eurípides encarregou-se de mostrar duas versões desta tragédia, da qual se conserva uma, que é a fonte mais conhecida do mito.
Imagino que a outra versão de Eurípedes fosse bem diferente mas, evidentemente, sem final feliz porque ainda não havia cinema nem novela entre os helenos da antiguidade.
Hipólito seria um bom prato para psicanalistas, gastaria muita grana em consultório e só se resolveria, quem sabe, num monastério ou algum emprego para nerds.
Será que a vingança vem a cavalo?Mas muitos diriam que Fedra não intentava vingança.Eu, hein, é que não caio nessa...Mulher rejeitada, creio eu, poderia, caso tivesse poder, destruir o mundo!Claro: Medéia era muito mais decidida...
Mas a questão central mesmo está no problema do incesto, essa proibição convencional civilizatória da nossa cultura, amparada pela lei estabelecida.Ainda que não houvesse relações de sangue entre Fedra e Hipólito.E embora para os gregos as questões incestuosas fossem problemáticas por questões de dinastia, no cotidiano, entre a plebe, elas não eram muito interditas, mais ou menos como nos recantos mais atrasados de nossa terrinha.Não consigo imaginar uma Fedra no reino do matriarcado.No reino dos deuses vingava aquela “putaria” toda que conhecemos, o famoso desregramento dionisíaco que fazia até rolar um sexo animal(zoofilia na forma de transformação em bichos.Vide exemplo de Zeus virando cisne para comer Leda.Mas alguém já viu o tamanho do membro de um cisne?)
Outro conhecido meu dá todos os dias, diz-me ele, louvações à proibição do incesto, porque só de imaginar-se sexualmente com a mãe tinha engulhos por ser ela a criatura mais chata(sic) do mundo.Bem, ele que seja bem vindo ao clube...Todos se queixando da mãe e, no fundo, procurando por uma.E na velhice por uma enfermeira.Ai, ai,ai,ai!
Ele que espere para casar para ver o que é chatice: transar com uma mãe imaginária para salvar os problemas edipianos não é mole, não.Mas o caso aqui não tem a ver com Édipo e sim com Electra, digo, Fedra.Ou do desejo independente da cultura e seus valores.Ou da rejeição, da necessidade de salvar a honra(?!), do “mané” que não aproveitou, do cara que não quis ser Lancelot, do orgulhoso rei que repudia o filho por mulher(sendo que para o grego o roubo de mulher equivalia a um roubo de propriedade, quase que uma espoliação de valores morais e espirituais).
Mas, afinal, Fedra se apaixonou por Hipólito , pela castidade dele ou pela vingança por Teseu não ter produzido o tesão necessário?Teseu, entendido de Minotauros e não de vacas, agiu da forma mais convencional possível; não levou na esportiva e não enxergou a vantagem de ter-se livrado daquela maluca!
A civilização grega findou sem responder a questão e empurrou o problema para os divãs da nossa, já devidamente complicada pelo judaísmo e cristianismo.Mas livrai-nos das Fedras do mundo, amém!
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