segunda-feira, 30 de setembro de 2013

pensamentos do falecido setembro

    Ah, a velhice, a velhice...Como se fala nela!Deveríamos falar, quem sabe, mais na morte, para que a contraposição dela, a vida, se mostrasse mais como é, não idealizada, porque a idealização é sempre a prova de que a vida só não nos basta. Pavor da velhice ou das dores da velhice? Tudo existe para que em algum momento seja extinto.O sonho de eternidade é uma abstração humana, a criação de um sujeito imaginário que rompe os padrões da existência.Dentro de nós, o potencial da criação e da extinção.O sonho de que a ciência nos poupe das dores da degradação física; porque das morais e psicológicas, parece que o negócio vai demorar um pouco mais...
     Que me desculpem os marxistas, mas a história não se desenvolve em função da luta de classes, entre burguesia e proletariado; que me perdoem os freudianos, tampouco creio que a mesma gire em torno da luta entre eros e tanatos.Acho que as coisas decorrem mesmo em termos da luta entre gerencialistas e utopistas.Os primeiros adestram-se na arte de administrar as coisas, mudando-as aos poucos para que tudo fique como está, quando muito  um pouco melhor.Os segundos esmeram-se na luta para que, pelo menos na imaginação e vontade, tudo deixe de ser como está.Um embate, diria eu, entre catabolismo e anabolismo, para nos valermos de jargão biológico.Acho que tenho mais a ver com os segundos, caso contrário teria seguido a carreira de engenharia, cujos estudos larguei no terceiro ano.E talvez acredite mesmo que a utopia só se resolve na imaginação, já que esse mundo não nos dá muito pedal para irmos além da modorrice nossa de cada dia.Daí que a liberdade real está em fugir dos grilhões que, cotidianamente e pela servidão voluntária, são polidos pelas convenções e pelo senso comum.Mas nem com isso estaremos garantindo nossa felicidade.

A forma mais impactante de anarquia se dá através dos costumes e hábitos sociais.Porque através do comportamento cultural que foge às regras dominantes, assumido de forma consciente, não somos vítimas dos instintos destrutivos descontrolados, os quais são facilmente absorvidos ou   reprimidos pelos sistemas econômicos vigentes.Por isso, não adianta: como método político, o anarquismo sempre será um fracasso.Contudo, a arte, sem anarquia, alguma que seja, não produz nada de novo.O verdadeiro território, o habitat cultural perfeito para o anarquismo é o espírito e a imaginação.Senão o anarquismo cai na vala comum do materialismo vulgar, tão cultivado por essa civilização hipócrita.Deixemos estas coisas para os cultuadores da matéria vil e das coisas sem espírito.

A mocidade é como um grande porre, uma febre que atinge a racionalidade estrita.O problema é que nunca se leva em conta a possível ressaca, daí tanta bílis e cara azeda em muita gente mais velha.Mas querer tomar muito porre quando o fígado já foi para o espaço, aí já é falta de senso.Bom senso?Não sei bem se é o caso, nem se as pessoas ditas razoáveis algum dia se deliciaram com os prazeres etílicos da juventude, simbolicamente falando.Daí surgem a inveja e o ressentimento.Sim, porque muita gente passa pela vida de maneira tal que a morte física não passa de uma formalidade jurídico-médica.Vida não se mede por quantidade e sim por intensidade.Daí poder ser gloriosa curta ou longa.E não podemos esquecer que muita coisa boa é como névoa, que assusta por encobrir, entusiasma ao descobrir, mas se desfaz com facilidade.E muitas pessoas são como a névoa, inapreensíveis.

O maior luxo a que nos podemos dar, quando ficamos mais velhos, é falar um pouco mais claramente sobre o que se está pensando.Menos coisas a se perder.Um pouco mais de franqueza e desprendimento, no frigir dos ovos.Algo perigoso e socialmente passível de marginalização.Cansado de ser hipócrita comigo mesmo.Doloroso.Por outro lado, acho que, nas conversas que entabulo por aí, minha visão crítica sobre a obsolescência do casamento convencional como instituição, inclusive do ponto de vista psicológico, está restringindo bastante minha vida afetiva, ah,ah,ah.Mas que fazer, se as pessoas tendem sempre a manter um pé- ou alguns outros membros do corpo- sempre no passado.

O narcisismo é como um espelho que carregamos dentro do bolso, para nos lembrarmos que temos uma imagem.Por outro lado, o senso crítico são os óculos que carregamos  e que, desatualizados,  podem deformar essa imagem, aparecendo então  a imaginação forjando uma imagem de acordo com nossa vontade ou circunstância.Somos sempre um conjunto de circunstâncias em atuação.Podemos sacar do bolso esse espelho, a qualquer momento, mirando-nos nele enquanto falamos ou nos expomos.O que ocorreria se, ao contrário, voltássemos a face espelhada para nossos interlocutores? Veriam eles que imagem nossa espelhada?E se o espelho estiver envelhecido, com manchas, sombras e espectros mal refletidos?A luz segue as leis da ótica, mas a luz das sensações humanas seguem leis ainda desconhecidas.Em um mundo, evidentemente, cheio de espelhos partidos.
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Quem vive sem loucura não imagina o quão louco já está.A maior parte da loucura está escondida pela ignorância dela por parte dos que nunca se julgariam loucos.Maior loucura é não aceitar a própria.O seu reconhecimento revela consciência; consciência de que somos dominados por coisas inconscientes.


Podemos pensar sempre com moderação, pela moderação.Mas precisamos moderar a moderação, por assim dizer, já que ela pode funcionar não apenas para conter o ímpeto de ambição dos gananciosos como também para nos condicionar à mediocridade.Moderação demais dá uma boa rima com tédio. Está aí uma virtude sobre a qual sempre levanto dúvidas.Como sempre, também, as levanto sobre os homens "virtuosos". Por isso gosto de ponderar sobre o moderar.Ainda que esteja totalmente equivocado.

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