segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Inspiração ou transpiração?

Não acredito muito em inspiração, mas sim em momentos inspirados.A criação, qualquer que seja, exige muita transpiração.Perde-se grande parcela de vida para se criar este corretor da insuficiência da própria vida que é a arte.Todo grande criador dispende energia enorme no que faz, se sua obra resulta em algo significativo.Apenas pode gastá-la de forma maior ou menor, de acordo com o intervalo de tempo em que produz a obra.E, claro, quantidade não resulta automaticamente em qualidade.O processo de feitura da obra não deixa de ser algo estranho, meio louco, por vezes anti-social.Todo artista é meio anti-social; mesmo os do passado mais antigo, mais artesãos na sua forma de viver, já que viviam comunitariamente de maneira diferente do resto da população.E este assunto nos remete à relação entre o que chamamos de "loucura" e a criação.Normalmente, usa-se muito a figura de Van Gogh, sua loucura(até hoje não muito bem decifrada, nem sei se a será) e sua extraordinária obra.Mas loucura, loucos e estranhezas, essas coisas não nos faltam na história da arte.
   O holandês foi da primeira geração de pintores que começou a usar tinta em tubos, caríssimas na época.Isso dispensava a necessidade de um auxiliar para a feitura de tintas, coisa imprescindível no passado.Mas , como novidade tecnológica que era, isso apresentava alguns problemas de qualidade, no que resultou que muitas de suas pinturas perderam força de "saturação" com o tempo, principalmente os vermelhos.O uso de tubo, por outro lado, propiciava novas possibilidades técnicas de aplicação da tinta na tela.Mas toda técnica exige aprendizado e método do artista, seja ele maluco ou não.O artista é um grande laborador, alguém que pode usar laboratórios experimentais de técnicas ou materiais, mesmo que sejam imaginários.
     Interessante este assunto.Mas não é necessário fazer-se uma grande e complexa pesquisa para se concluir que Van Gogh era metódico e aplicado no que fazia.Qualquer pessoa que se dedica ao desenho ou a pintura vê isso , na maneira como o conjunto de sua obra é elaborado.Exemplo: poderíamos perder um tempão discutindo a relação entre os exaustivos desenhos que ele fazia com técnica de caneta de bambu e a aplicação disso numa técnica que ele desenvolveu de pincelada , misturando um pouco do que usou de sua fase meio pontilhista.Todo artista que produz algo de valor sempre é metódico e aplicado; apenas cada um desenvolve seu próprio método, por vezes um tanto louco ou "anárquico", com lógica própria, baseando-se em outros, de acordo com suas características psicológicas e subjetivas, de acordo com os problemas técnicos que surgem. Numa carta, Van Gogh diz: " não deixar passar um dia sem fazer uma linha...".E é claro que ele era maníaco; ninguém produz nada de valor se não for maníaco por isso.Picasso dizia achar que todas as pessoas tinham a mesma quantidade de energia; só que no caso dele, toda ela era direcionada à pintura.Dizia de si mesmo que era um maníaco: por pintura.Van Gogh não era um gênio por ser "louco", mas apesar de ser "louco", ainda que loucura seja algo subjetivo em termos de análise.Antes de mais nada , antes de ser "louco" ou "explosivo", era uma pessoa de extraordinária sensibilidade e dotado de  um profundo amor pela pintura, um estudioso da pintura, um rato de museu, um amante das tradições e dos mestres.Dizia, usando  uma frase de Millet, um pintor cuja obra ele idolatrava, que "temos que ter a paciência de um boi".Muita, muita "transpiração", concentrada num curto espaço de mais ou menos dez anos de produção intensa.Como dizia Pessoa:"Deus quer, o homem sonha, nasce a obra".Gente maluca que se dedica às artes, tenho-as conhecido aos montes ao longo da vida; mas com real talento e disciplina, poucos, confesso. O mito romântico do artista possuído por forças estranha que o fazem criar é algo proveniente do século dezenove, mas ainda muito forte, hoje em dia, no imaginário popular.A maior parte do que se faz se perde, vira poeira no tempo , como dizia Drummond(aliás, achava ele próprio que sua obra não duraria, vejam só).Mas, o próprio Picasso dizia que o importante não é a obra, mas sim o homem que está por trás dela.Por outro lado, os artistas mais modernos se preocupavam menos com a conservação futura da obra, agiam mais no "atacado" que no "varejo"; daí que vão dar muito trabalho aos restauradores no futuro.E grande parte dessa gigantesca produção moderna, pelo menos em suas obras originais, será perdida definitivamente.Afinal, tudo se perde, nada é eterno.Como um grande organismo, o universo pulsa e transpira coisas que se vêem ou não, mas são frutos de inspirações silenciosas que nunca serão decifradas.

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