Ah,
a velhice, a velhice...Como se fala nela!Deveríamos falar, quem sabe, mais na
morte, para que a contraposição dela, a vida, se mostrasse mais como é, não
idealizada, porque a idealização é sempre a prova de que a vida só não nos basta.
Pavor da velhice ou das dores da velhice? Tudo existe para que em algum momento
seja extinto.O sonho de eternidade é uma abstração humana, a criação de um
sujeito imaginário que rompe os padrões da existência.Dentro de nós, o
potencial da criação e da extinção.O sonho de que a ciência nos poupe das dores
da degradação física; porque das morais e psicológicas, parece que o negócio
vai demorar um pouco mais...
Que
me desculpem os marxistas, mas a história não se desenvolve em função da luta
de classes, entre burguesia e proletariado; que me perdoem os freudianos,
tampouco creio que a mesma gire em torno da luta entre eros e tanatos.Acho que
as coisas decorrem mesmo em termos da luta entre gerencialistas e utopistas.Os
primeiros adestram-se na arte de administrar as coisas, mudando-as aos poucos
para que tudo fique como está, quando muito
um pouco melhor.Os segundos esmeram-se na luta para que, pelo menos na
imaginação e vontade, tudo deixe de ser como está.Um embate, diria eu, entre
catabolismo e anabolismo, para nos valermos de jargão biológico.Acho que tenho
mais a ver com os segundos, caso contrário teria seguido a carreira de
engenharia, cujos estudos larguei no terceiro ano.E talvez acredite mesmo que a
utopia só se resolve na imaginação, já que esse mundo não nos dá muito pedal
para irmos além da modorrice nossa de cada dia.Daí que a liberdade real está em
fugir dos grilhões que, cotidianamente e pela servidão voluntária, são polidos
pelas convenções e pelo senso comum.Mas nem com isso estaremos garantindo nossa
felicidade.
A forma mais impactante de anarquia se dá através dos costumes e hábitos
sociais.Porque através do comportamento cultural que foge às regras dominantes,
assumido de forma consciente, não somos vítimas dos instintos destrutivos
descontrolados, os quais são facilmente absorvidos ou reprimidos pelos sistemas econômicos
vigentes.Por isso, não adianta: como método político, o anarquismo sempre será
um fracasso.Contudo, a arte, sem anarquia, alguma que seja, não produz nada de
novo.O verdadeiro território, o habitat cultural perfeito para o anarquismo é o
espírito e a imaginação.Senão o anarquismo cai na vala comum do materialismo
vulgar, tão cultivado por essa civilização hipócrita.Deixemos estas coisas para
os cultuadores da matéria vil e das coisas sem espírito.
A mocidade é como um
grande porre, uma febre que atinge a racionalidade estrita.O problema é que
nunca se leva em conta a possível ressaca, daí tanta bílis e cara azeda em
muita gente mais velha.Mas querer tomar muito porre quando o fígado já foi para
o espaço, aí já é falta de senso.Bom senso?Não sei bem se é o caso, nem se as
pessoas ditas razoáveis algum dia se deliciaram com os prazeres etílicos da
juventude, simbolicamente falando.Daí surgem a inveja e o ressentimento.Sim,
porque muita gente passa pela vida de maneira tal que a morte física não passa
de uma formalidade jurídico-médica.Vida não se mede por quantidade e sim por
intensidade.Daí poder ser gloriosa curta ou longa.E não podemos esquecer que
muita coisa boa é como névoa, que assusta por encobrir, entusiasma ao
descobrir, mas se desfaz com facilidade.E muitas pessoas são como a névoa,
inapreensíveis.
O maior luxo a que nos
podemos dar, quando ficamos mais velhos, é falar um pouco mais claramente sobre
o que se está pensando.Menos coisas a se perder.Um pouco mais de franqueza e
desprendimento, no frigir dos ovos.Algo perigoso e socialmente passível de
marginalização.Cansado de ser hipócrita comigo mesmo.Doloroso.Por outro lado, acho
que, nas conversas que entabulo por aí, minha visão crítica sobre a
obsolescência do casamento convencional como instituição, inclusive do ponto de
vista psicológico, está restringindo bastante minha vida afetiva, ah,ah,ah.Mas
que fazer, se as pessoas tendem sempre a manter um pé- ou alguns outros membros
do corpo- sempre no passado.
O narcisismo é como um espelho que carregamos dentro do bolso, para nos
lembrarmos que temos uma imagem.Por outro lado, o senso crítico são os óculos
que carregamos e que, desatualizados, podem deformar essa imagem, aparecendo
então a imaginação forjando uma imagem
de acordo com nossa vontade ou circunstância.Somos sempre um conjunto de
circunstâncias em atuação.Podemos sacar do bolso esse espelho, a qualquer
momento, mirando-nos nele enquanto falamos ou nos expomos.O que ocorreria se,
ao contrário, voltássemos a face espelhada para nossos interlocutores? Veriam
eles que imagem nossa espelhada?E se o espelho estiver envelhecido, com
manchas, sombras e espectros mal refletidos?A luz segue as leis da ótica, mas a
luz das sensações humanas seguem leis ainda desconhecidas.Em um mundo,
evidentemente, cheio de espelhos partidos.
Quem vive sem loucura não
imagina o quão louco já está.A maior parte da loucura está escondida pela
ignorância dela por parte dos que nunca se julgariam loucos.Maior loucura é não
aceitar a própria.O seu reconhecimento revela consciência; consciência de que
somos dominados por coisas inconscientes.
Podemos pensar sempre com
moderação, pela moderação.Mas precisamos moderar a moderação, por assim dizer,
já que ela pode funcionar não apenas para conter o ímpeto de ambição dos
gananciosos como também para nos condicionar à mediocridade.Moderação demais dá
uma boa rima com tédio. Está aí uma virtude sobre a qual sempre levanto
dúvidas.Como sempre, também, as levanto sobre os homens "virtuosos".
Por isso gosto de ponderar sobre o moderar.Ainda que esteja totalmente
equivocado.