E vêm aquelas horas em que precisamos derramar
lágrimas, mas o choro vai para dentro da gente, como um vento mergulhando no
corredor escuro da alma.Para onde vai esse rio de dores, em que oceano de nosso
interior ele deságua?Em que recesso interior vai se esconder essa liquidez de
melancolia que se furtou de florir do lado de fora do que somos?
Uma amiga minha, muito espirituosa, me diz
que “ se você quiser ter felicidade
afetiva, cai fora dessa cidade, porque aqui só tem mulher louca, daquelas que
querem tudo e não sabem o que querem”. Eu retruco que “essa é minha cidade,
onde nasci e onde me acostumei, que faço então?”; ela não perde o fio e me diz que
“essa cidade não te pertence mais!”.Tem
ela razão : muitas coisas já não mais me pertencem, inclusive essas
“mulheres loucas” dessa cidade mais louca ainda, local muito diferente da
infância que vivi, mesmo sendo bicho de metrópole como sou.Embora eu já tenha
me acostumado com todos esses tipos de loucura,tanto citadinos como feminis,
inclusive com a minha própria forma familiar e particular de loucura.
Ainda sobre o tema dos botões, um amigo me diz
que o problema fundamental da falta de consciência dominante está na descoberta
do zíper e do velcro, porque com isso houve uma diminuição no número de botões
usados. Tese controversa, claro.Mas, por enquanto, não vi alguém dizendo coisa
como “outro dia, pensando com a tela de
meu computador” ou “falando com a tela”.Na verdade, você pode falar com a tela,
com outra pessoa, não com ela em abstrato como um objeto sem sentido
significante como um botão.O botão é inercial, a tela dinâmica. Mas falar com
botões demanda tempo e pouca expectativa de resposta, mais ou menos como o que
ocorre com relação à maioria das pessoas que conhecemos, haja tela ou não
envolvida no caso. Meio é mensagem, ainda que a maioria das mensagens ainda não
tenha encontrado o meio adequado.
Procurei e procurei, em todos os manuais de anatomia;
não achei onde ficam os canais lacrimais que usamos quando “choramos para
dentro”.Talvez porque nossa anatomia às vezes fique louca e não caiba nos
manuais.Por exemplo: existe uma cardiologia dos afetos, além dos fluxos de
sangue, das carótidas e coisas assim?
Todo mundo sempre fala "nas grandes dores e sofrimentos" dos
grandes artistas.Ninguém fala das dores e sofrimentos dos pequenos artistas.No
fundo , são as mesmas, com o fato agravante do não reconhecimento ou do
esquecimento.Que fazer: são apenas pequenos artistas.Muitas vezes, o grande nem
sabe que é grande, o pequeno se imagina maior do que é.Mas a insatisfação pode
contemplar tanto o grande quanto o pequeno talento.Porque o básico do processo
criativo é o mesmo para os dois.
Me
envolvi numa discussão interessante com uma amiga sobre tipologia de distúrbios
mentais.Ela é inteligente e seus argumentos se baseiam em reflexões envolvendo
conceitos psicológicos.Mas sinto dizer que não consigo acreditar nas
compartimentações definidas ou em muitos modelos e conceitos desenvolvidos
pelas psicologias: hipomania, neurose, bipolaridade, complexos disso e daquilo e
tantos nomes outros dados aos bois e outros bichos do pasto humano.São modelos
e, como todo modelo, pode ser alterado.Acho que a gente até conhece mais sobre
o mundo sub-atômico, que não vemos, do que sobre o sub-humano, que não queremos
ver.No fundo, sou partidário de uma idéia que li, em um pequeno texto de
Fernando Pessoa, em seu livro chamado Autognose(bem, o título já diz tudo...).Ele
defende que todos nós somos loucos; varia apenas a quantidade de loucura e a
consciência maior ou menor sobre essa quantidade.Exemplo: se a pessoa tem alta
dose de loucura e nenhuma consciência sobre isso, seu destino é mesmo o
hospício; alta consciência produziria genialidade; por outro lado, baixa
loucura e inconsciência disso implicaria na mediocridade(o que, segundo ele,
seria o mais comum de se achar).Se o fulano tiver pouca loucura e for
consciente disso, poderá ser um frustrado.Bem, a partir disso,não podendo quantizar a loucura,poderíamos
estabelecer um “quantum delirius”, uma nova grandeza de medida de loucura que
poderia, por exemplo, ajudar no currículo Lattes ou nas seleções de emprego.Oh,
“Brave new world”!
Um ser humano é um conjunto de possibilidades,
a arte sendo uma delas.Todavia, não se explica totalmente um homem por sua
arte, apenas uma parte significativa do que ele é ou poderia ser.Para alguns, a
folhagem mais rica e cheia de flores, mas ainda não sendo o tronco.Essa imagem
acho que retirei de alguma reflexão do meu amor Paul Klee.
Van
Gogh não era um “virtuose”, não nasceu com o dom de desenhar ou pintar
como um Picasso ou Toulouse-Lautrec. Tanto que começou tarde na arte, beirando
os trinta(no século XIX , isso era considerado muito tarde).O que me causa
espanto não é tanto a carga emocional, afetiva e amorosa, dolorosa,passional,uma
generosidade imensa exposta através do colorido e da forma colocada em suas
pinturas, mas o fato de, num prazo curto e às custas de um enorme sacrifício de
estudos e desenhos(milhares e milhares, perdidos em sua maior parte!), ter
desenvolvido recursos técnicos auto-didáticos, a ponto de ser considerado um
dos renovadores do desenho moderno, além de ter aberto , junto com Gauguin e
Cézanne, caminho para a pintura moderna.Milagres da vontade humana!Como diz uma
letra de canção do Chico Buarque: “amar é iluminar a dor, como um
missionário”.Tudo a ver com esse pintor.
Experiência interessante:sábado fiquei horas
passeando no meio da multidão, jovens em sua maioria: confusão, ruído- um tanto
álcool, outro tanto hormônio-, aquela barafunda toda dos demônios que envolve
um microcosmo, esse particular que sempre encerra um universal.Pescando uma
fala ali, outra aqui, uma briga cá ou acolá, ouvidos abertos tanto quanto os
olhos.Mais ou menos como a situação dos
anjos daquele filme , "Asas do Desejo".Aliás, seria até bom ser um
anjo, fugindo um pouco das caceteações diabólicas e egoístas do cotidiano.Tem o
problema de que os anjos são assexuados.Será?Ou seria apenas uma versão de
anjo?Em todo caso, é fascinante ver
tanto caos e sentimento disperso pela multidão.Pouco entendemos disso tudo, mas
acabamos por nos entender com esse
tudo.Ou ,pelo menos, nos solidarizamos com isso.
Passa o tempo e descobrimos que nossa vida é
um cemitério de afetos, por onde peregrinamos com flores murchas- esperançosas
quem sabe-, à procura de uma tumba esquecida. Mais o tempo passa, mais as
tumbas se confundem, o cemitério vira um grande descampado e nos esquecemos
nele, no próprio esquecimento que tudo é.
Tarde quente, sol indecentemente derramado pela tarde.Uma longa
caminhada; a moça que caminha ao meu lado é jovem e bela, advinha-se uma
guirlanda de esperanças e possibilidades em volta dela, tanta coisa ela ainda
pode fazer nessa vida, se a morte e sua detestável corruptibilidade não a
roubar dela.Mas certamente não roubará,também
tenho lá minhas esperanças: irei antes, felizmente, me poupando de ver o
universo um pouco menos bonito.Ela me conta coisas, desde a infância até suas
inquietações de momento.E toda essa esperança que pode se realizar, apesar de
tanta ansiedade sendo esqueleto do mundo.A moça caminha sob o sol e o universo
está aberto para ela, a esperança em sua matéria aérea, bem longe dos
conformismos que a tudo petrificam, inclusive a própria alma na dura lida do
cotidiano.Acho que a vida vale por momentos assim, a beleza e juventude
caminhando sob o sol.Que ainda nem é o “ sol de dezembro” mas o de novembro.
Aí, uma moça, beirando os trinta, me pergunta
sobre o que acho da geração dela.Respondo que não faço mais juízos sobre isso,
já que desconfio de todos os meus próprios juízos, atualmente; mas desconfio
que a geração dela, assim como a minha e outras que a precederam, têm uma coisa
em comum: a vocação para o fracasso.Os pais de hoje têm tanta dificuldade de
comunicação com os filhos quanto os meus tiveram comigo, principalmente a
partir do momento em que perdem o controle econômico sobre eles.Avançou mais a
tecnologia, inclusive a de comunicação, do que a comunicação humana, naquele
estágio que podemos chamar de aprofundado.Desconfio até que o sistema, tal como
é montado em seu funcionamento, nem quer muito que haja uma ampliação dessa
comunicação.Claro, melhor do que em outros séculos, porque os direitos se
ampliaram, a tolerância também, ainda que haja muita intolerância.Essa se faz
mais presente contra os que não seguem os roteiros.Sobram as bebedeiras, as
loucuras programadas e o consumo.Isso ainda é pouco.E fico pensando nos
futurólogos que falam na singularidade, um estágio no futuro em que homem e
máquina serão uma só coisa.Talvez sem pais, famílias ou mesmo comunicação.Ou
não.Quem sabe?Não tenho muito certo, para mim, dos limites entre o possível e o
impossível.
Só queria saber para onde vão as lágrimas
quando choramos “para dentro”.Em que manual de anatomia se explica como agem
esses invisíveis canais lacrimais, onde ficam , como são?Lágrimas que vão para
dentro são como um rio que nasce próximo do mar mas teima em ir para o
interior, para dentro da “terra dos homens”. E duro e áspero é o choro para
dentro; não é choro de líquido e sal, mas de rigidez e metal. É um choro de
silêncios pedregosos, daqueles que pesam na alma como pesos que carregamos
morro acima. Em que ventrículo do coração escondem-se aquelas lágrimas que
deveriam ir para fora, agora empoçadas e criando mosquitos, desilusão e
desalento.
Ah, essas minhas mãos teimosas, mal educadas!
Andando pela rua, elas abanando sem sentido e reclamando: onde está aquele
corpo que envolvíamos ou por ele éramos envolvidas, numa hora em que nós, agora
mãos desviventes, tanto nos sentíamos
mãos vivas? Mãos aflitas que passearam pelo paraíso, agora presas a este
solitário corpo. “Não é justo!”,
reclamam essas malcriadas mal traçadas mãos.
Um conhecido meu tem uma pequena livraria, no
saguão de uma faculdade de ciências sociais , na USP.Toda vez que a estudantada
se reúne no espaço, reclamando contra autoritarismos, burocracia, polícia no
campus, um monte de coisas, com discursos aparentemente esquerdistas e
politizados, esse meu amigo reclama, reclama e reclama.Já tem idade, por muito
tempo foi militante do antigo pc, agora transformado nessa coisa que é o pps,
além de usina fornecedora de alguns tucanos de sucesso, mais do que petistas.Diz
ele, com a rabugice de quem diz ter-se livrado das ilusões: como podem esses
jovens falar e defender tanta besteira, falar de revolução e mobilização das
massas, etc,etc.E reclama, reclama...Eu então lhe pergunto: que autoridade
moral e ética tem você para julgar o comportamento deles?Pergunte-se sobre
quanta coisa idiota e sem sentido você defendeu ao longo da vida, você , um
cara que defendeu uma coisa como a União Soviética , por exemplo, já apodrecida
e longe dos sonhos de liberdade revolucionária.Silêncio.
É,
parece ser o destino da maioria dos que conheci naqueles tempos, principalmente
dos mais velhos que eu: a rabugice, a desilusão, o acomodamento na vida
medíocre, o espiritual voltado para o essencialmente material, a luta pelo
hediondo poder pragmático das políticas institucionais, e por aí afora, coisas
piores. Por isso, faço questão de não
rever meus antigos companheiros, camaradas ou comparsas, salvo um ou outro com
que mantive amizade, essa bem mais importante que qualquer convicção política(amizade,o
maior dom do homem , segundo Montaigne).Eu gosto do meu amigo livreiro, mas
para envelhecer assim, prefiro morrer mais cedo.Afinal, a vida não é mais nada
que uma sombra...Ou sobra de uma juventude morta totalmente, em alguns casos.
Picasso disse, de uma certa feita, que nunca
acabava uma pintura, apenas assinava no fim para evitar uma falsificação.Talvez
as pessoas sejam como essas pinturas, sempre um processo em andamento.Claro,
muita gente, como muita pintura, não passa de falsificação, algumas até
baratas.Depois de algum tempo, um retoque aqui ou acolá, ou vem algum tipo de
restauração;algumas emboloram, outras
apodrecem, outras vão para o museu(ou se tornam museu ambulante), a maior parte
das pinturas, como ocorre com a maior parte das pessoas, esquecidas.Ou olhadas com indiferença, como o
que ocorre em vista de visitantes
apressados.Entrar numa pintura ou numa pessoa(claro, psicologicamente
falando...) exige um pouco de trabalho da sensibilidade.Mas a vantagem é que as
pinturas, assim como os cachorros, nunca reclamam se fazemos pouco caso delas.
E aí, adentrando a passagem do tempo, na
“curva perigosa” da maturidade –ah, que maldade! – pode-se derrapar num amor.Ai
que dor, ai que dor! Exercita-se a razão para se domar a emoção, mas tanta
sublimação só dá mesmo embromação. Um animal agonizante ainda uiva, uma lâmpada
ainda dá um brilho estertorante antes do filamento virar resíduo. De algumas
coisas já abri mão, definitivamente, de entender. Arte, filosofia, sabedoria e
tantas outras coisas para driblar o imponderável. O roteiro geral da peça é mal
escrito, “fábula contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando
absolutamente nada”, como dizia o autor de Hamlet.Erudição ou verniz para polir
o instinto bruto, a animalidade que nunca se perde completamente. Estetizar
tudo para se atribuir um sentido a tudo que se sente? Por que não?Sem contar o
faz de conta de que morte não chega ou não existe, apenas em acontecimentos
como velórios ou enterros. Só os outros morrem? Podemos sofisticar a ilusão,
mas isso não implica em solução, quando muito em dissolução de mentiras que não
encaramos. Essas questões e dilemas “outonais” são mesmo de difícil solução, no
meio de um mangue afetivo que se situa entre o otimismo primaveril e o pessimismo invernal(ou seria infernal?). Mas,
que fazer? O amor, tanto quanto a morte,
não marca hora ou, pelo menos, o relógio onde se marcou a dita cuja se perdeu
em algum canto inacessível; sem contar que quase sempre estamos atrasados e já
perdemos o metrô da história(porque não se usa mais bonde), a bateria( a nossa
ou do relógio, tanto faz) já foi pro brejo e não há recarregador disponível. No
fim, a mesma correria atrás de coisas que começamos a perder desde do início,
sem que venhamos a perceber. E vamos tocando, vamos tocando...Apesar das
derrapagens, o negócio é rezar para que haja acostamento.
Um grande problema na
vida é quando esta se transforma num hábito. Eis um problema que surge, a
partir do momento em que tudo assume o status banalizado de se escovar os
dentes. Podem surgir os métodos artificiais, as "paraisações" dos
paraísos artificiais(em nossa época, acrescem-se os virtuais).Mas as melhores
soluções paradisíacas surgem mesmo da imaginação, inclusive daquela que imagina
a inexistência do hábito.Mas lidar com as rotinas é sempre um caminhar sobre a
navalha, uma navalha sem fio; ao contrário daquela que se enfrenta em estado
passional, esta cortante ao extremo.Mas temos que sangrar um pouco para
continuar a vida.Aliás, as mulheres que o digam...
Céus, como é espantosa a
capacidade de uma mulher mentir de forma convincente!Homens sempre serão
amadores nisso: em geral, na hora de engatar uma mentira, produzem uma forma de
hiato de resposta estimulada, denotando um vacilo perceptível por pequenas marcas
de expressão, interrupção na fala, olhar débil(uma mulher, senão todas, a
grande maioria, consegue mentir com um brilho cristalino no
olhar.Fantástico!).No telefone, então, homens
são uma desgraça maior;a voz perde precisão, a não ser que a mentira seja
ensaiada ou o fulano seja um mentiroso profissional, no caso , um ator.Ah,
"o dom de iludir", realmente um dom!Durante décadas pensei que
mulheres mentissem pouco por viverem mais no "universo" do emotivo,
vendo a mentira como um ardil da cavilosa razão.Como sempre ,não fui lá muito
bem com questões práticas, um pouco por ingenuidade, um pouco por burrice
mesmo, caindo, um pouco com honra, um
pouco com vergonha, em muitas falácias.Por segurança, hoje vejo todo mundo como
mentiroso, inclusive eu mesmo, mais comigo do que com os outros.A mentira tem
função prática, de sobrevivência civilizatória, exceto na arte que, por não ter
utilidade prática, pode usá-la de outra maneira.E NUNCA vou acreditar no que um
político diz, a não ser que tenha provas e dados concretos! Questão de
sobrevivência. Bom viver nessa homérica mentira que é a imaginação.Algumas
pessoas nasceram mesmo para o engano...
Nenhum comentário:
Postar um comentário