quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

pensamentos e reflexões de novembro 2012


E vêm aquelas horas em que precisamos derramar lágrimas, mas o choro vai para dentro da gente, como um vento mergulhando no corredor escuro da alma.Para onde vai esse rio de dores, em que oceano de nosso interior ele deságua?Em que recesso interior vai se esconder essa liquidez de melancolia que se furtou de florir do lado de fora do que somos?

Uma amiga minha, muito espirituosa, me diz que  “ se você quiser ter felicidade afetiva, cai fora dessa cidade, porque aqui só tem mulher louca, daquelas que querem tudo e não sabem o que querem”. Eu retruco que “essa é minha cidade, onde nasci e onde me acostumei, que faço então?”; ela não perde o fio e me diz que “essa cidade não te pertence mais!”.Tem  ela razão : muitas coisas já não mais me pertencem, inclusive essas “mulheres loucas” dessa cidade mais louca ainda, local muito diferente da infância que vivi, mesmo sendo bicho de metrópole como sou.Embora eu já tenha me acostumado com todos esses tipos de loucura,tanto citadinos como feminis, inclusive com a minha própria forma familiar e particular de loucura.

Ainda sobre o tema dos botões, um amigo me diz que o problema fundamental da falta de consciência dominante está na descoberta do zíper e do velcro, porque com isso houve uma diminuição no número de botões usados. Tese controversa, claro.Mas, por enquanto, não vi alguém dizendo coisa como  “outro dia, pensando com a tela de meu computador” ou “falando com a tela”.Na verdade, você pode falar com a tela, com outra pessoa, não com ela em abstrato como um objeto sem sentido significante como um botão.O botão é inercial, a tela dinâmica. Mas falar com botões demanda tempo e pouca expectativa de resposta, mais ou menos como o que ocorre com relação à maioria das pessoas que conhecemos, haja tela ou não envolvida no caso. Meio é mensagem, ainda que a maioria das mensagens ainda não tenha encontrado o meio adequado.

Procurei e procurei, em todos os manuais de anatomia; não achei onde ficam os canais lacrimais que usamos quando “choramos para dentro”.Talvez porque nossa anatomia às vezes fique louca e não caiba nos manuais.Por exemplo: existe uma cardiologia dos afetos, além dos fluxos de sangue, das carótidas e coisas assim?

Todo mundo sempre fala "nas grandes dores e sofrimentos" dos grandes artistas.Ninguém fala das dores e sofrimentos dos pequenos artistas.No fundo , são as mesmas, com o fato agravante do não reconhecimento ou do esquecimento.Que fazer: são apenas pequenos artistas.Muitas vezes, o grande nem sabe que é grande, o pequeno se imagina maior do que é.Mas a insatisfação pode contemplar tanto o grande quanto o pequeno talento.Porque o básico do processo criativo é o mesmo para os dois.

   Me envolvi numa discussão interessante com uma amiga sobre tipologia de distúrbios mentais.Ela é inteligente e seus argumentos se baseiam em reflexões envolvendo conceitos psicológicos.Mas sinto dizer que não consigo acreditar nas compartimentações definidas ou em muitos modelos e conceitos desenvolvidos pelas psicologias: hipomania, neurose, bipolaridade, complexos disso e daquilo e tantos nomes outros dados aos bois e outros bichos do pasto humano.São modelos e, como todo modelo, pode ser alterado.Acho que a gente até conhece mais sobre o mundo sub-atômico, que não vemos, do que sobre o sub-humano, que não queremos ver.No fundo, sou partidário de uma idéia que li, em um pequeno texto de Fernando Pessoa, em seu livro chamado Autognose(bem, o título já diz tudo...).Ele defende que todos nós somos loucos; varia apenas a quantidade de loucura e a consciência maior ou menor sobre essa quantidade.Exemplo: se a pessoa tem alta dose de loucura e nenhuma consciência sobre isso, seu destino é mesmo o hospício; alta consciência produziria genialidade; por outro lado, baixa loucura e inconsciência disso implicaria na mediocridade(o que, segundo ele, seria o mais comum de se achar).Se o fulano tiver pouca loucura e for consciente disso, poderá ser um frustrado.Bem, a partir disso,não  podendo quantizar a loucura,poderíamos estabelecer um “quantum delirius”, uma nova grandeza de medida de loucura que poderia, por exemplo, ajudar no currículo Lattes ou nas seleções de emprego.Oh, “Brave new world”!

Um ser humano é um conjunto de possibilidades, a arte sendo uma delas.Todavia, não se explica totalmente um homem por sua arte, apenas uma parte significativa do que ele é ou poderia ser.Para alguns, a folhagem mais rica e cheia de flores, mas ainda não sendo o tronco.Essa imagem acho que retirei de alguma reflexão do meu amor Paul Klee.

Van  Gogh não era um “virtuose”, não nasceu com o dom de desenhar ou pintar como um Picasso ou Toulouse-Lautrec. Tanto que começou tarde na arte, beirando os trinta(no século XIX , isso era considerado muito tarde).O que me causa espanto não é tanto a carga emocional, afetiva e amorosa, dolorosa,passional,uma generosidade imensa exposta através do colorido e da forma colocada em suas pinturas, mas o fato de, num prazo curto e às custas de um enorme sacrifício de estudos e desenhos(milhares e milhares, perdidos em sua maior parte!), ter desenvolvido recursos técnicos auto-didáticos, a ponto de ser considerado um dos renovadores do desenho moderno, além de ter aberto , junto com Gauguin e Cézanne, caminho para a pintura moderna.Milagres da vontade humana!Como diz uma letra de canção do Chico Buarque: “amar é iluminar a dor, como um missionário”.Tudo a ver com esse pintor.

Experiência interessante:sábado fiquei horas passeando no meio da multidão, jovens em sua maioria: confusão, ruído- um tanto álcool, outro tanto hormônio-, aquela barafunda toda dos demônios que envolve um microcosmo, esse particular que sempre encerra um universal.Pescando uma fala ali, outra aqui, uma briga cá ou acolá, ouvidos abertos tanto quanto os olhos.Mais ou menos como a  situação dos anjos daquele filme , "Asas do Desejo".Aliás, seria até bom ser um anjo, fugindo um pouco das caceteações diabólicas e egoístas do cotidiano.Tem o problema de que os anjos são assexuados.Será?Ou seria apenas uma versão de anjo?Em todo caso, é fascinante  ver tanto caos e sentimento disperso pela multidão.Pouco entendemos disso tudo, mas acabamos por nos entender  com esse tudo.Ou ,pelo menos, nos solidarizamos com isso.

Passa o tempo e descobrimos que nossa vida é um cemitério de afetos, por onde peregrinamos com flores murchas- esperançosas quem sabe-, à procura de uma tumba esquecida. Mais o tempo passa, mais as tumbas se confundem, o cemitério vira um grande descampado e nos esquecemos nele, no próprio esquecimento que tudo é.

     Tarde quente, sol indecentemente derramado pela tarde.Uma longa caminhada; a moça que caminha ao meu lado é jovem e bela, advinha-se uma guirlanda de esperanças e possibilidades em volta dela, tanta coisa ela ainda pode fazer nessa vida, se a morte e sua detestável corruptibilidade não a roubar dela.Mas certamente  não roubará,também tenho lá minhas esperanças: irei antes, felizmente, me poupando de ver o universo um pouco menos bonito.Ela me conta coisas, desde a infância até suas inquietações de momento.E toda essa esperança que pode se realizar, apesar de tanta ansiedade sendo esqueleto do mundo.A moça caminha sob o sol e o universo está aberto para ela, a esperança em sua matéria aérea, bem longe dos conformismos que a tudo petrificam, inclusive a própria alma na dura lida do cotidiano.Acho que a vida vale por momentos assim, a beleza e juventude caminhando sob o sol.Que ainda nem é o “ sol de dezembro” mas o de novembro.


Aí, uma moça, beirando os trinta, me pergunta sobre o que acho da geração dela.Respondo que não faço mais juízos sobre isso, já que desconfio de todos os meus próprios juízos, atualmente; mas desconfio que a geração dela, assim como a minha e outras que a precederam, têm uma coisa em comum: a vocação para o fracasso.Os pais de hoje têm tanta dificuldade de comunicação com os filhos quanto os meus tiveram comigo, principalmente a partir do momento em que perdem o controle econômico sobre eles.Avançou mais a tecnologia, inclusive a de comunicação, do que a comunicação humana, naquele estágio que podemos chamar de aprofundado.Desconfio até que o sistema, tal como é montado em seu funcionamento, nem quer muito que haja uma ampliação dessa comunicação.Claro, melhor do que em outros séculos, porque os direitos se ampliaram, a tolerância também, ainda que haja muita intolerância.Essa se faz mais presente contra os que não seguem os roteiros.Sobram as bebedeiras, as loucuras programadas e o consumo.Isso ainda é pouco.E fico pensando nos futurólogos que falam na singularidade, um estágio no futuro em que homem e máquina serão uma só coisa.Talvez sem pais, famílias ou mesmo comunicação.Ou não.Quem sabe?Não tenho muito certo, para mim, dos limites entre o possível e o impossível.

Só queria saber para onde vão as lágrimas quando choramos “para dentro”.Em que manual de anatomia se explica como agem esses invisíveis canais lacrimais, onde ficam , como são?Lágrimas que vão para dentro são como um rio que nasce próximo do mar mas teima em ir para o interior, para dentro da “terra dos homens”. E duro e áspero é o choro para dentro; não é choro de líquido e sal, mas de rigidez e metal. É um choro de silêncios pedregosos, daqueles que pesam na alma como pesos que carregamos morro acima. Em que ventrículo do coração escondem-se aquelas lágrimas que deveriam ir para fora, agora empoçadas e criando mosquitos, desilusão e desalento.

Ah, essas minhas mãos teimosas, mal educadas! Andando pela rua, elas abanando sem sentido e reclamando: onde está aquele corpo que envolvíamos ou por ele éramos envolvidas, numa hora em que nós, agora mãos desviventes,  tanto nos sentíamos mãos vivas? Mãos aflitas que passearam pelo paraíso, agora presas a este solitário corpo. “Não é justo!”,  reclamam essas malcriadas mal traçadas mãos.

Um conhecido meu tem uma pequena livraria, no saguão de uma faculdade de ciências sociais , na USP.Toda vez que a estudantada se reúne no espaço, reclamando contra autoritarismos, burocracia, polícia no campus, um monte de coisas, com discursos aparentemente esquerdistas e politizados, esse meu amigo reclama, reclama e reclama.Já tem idade, por muito tempo foi militante do antigo pc, agora transformado nessa coisa que é o pps, além de usina fornecedora de alguns tucanos de sucesso, mais do que petistas.Diz ele, com a rabugice de quem diz ter-se livrado das ilusões: como podem esses jovens falar e defender tanta besteira, falar de revolução e mobilização das massas, etc,etc.E reclama, reclama...Eu então lhe pergunto: que autoridade moral e ética tem você para julgar o comportamento deles?Pergunte-se sobre quanta coisa idiota e sem sentido você defendeu ao longo da vida, você , um cara que defendeu uma coisa como a União Soviética , por exemplo, já apodrecida e longe dos sonhos de liberdade revolucionária.Silêncio.
   É, parece ser o destino da maioria dos que conheci naqueles tempos, principalmente dos mais velhos que eu: a rabugice, a desilusão, o acomodamento na vida medíocre, o espiritual voltado para o essencialmente material, a luta pelo hediondo poder pragmático das políticas institucionais, e por aí afora, coisas piores. Por isso, faço questão de  não rever meus antigos companheiros, camaradas ou comparsas, salvo um ou outro com que mantive amizade, essa bem mais importante que qualquer convicção política(amizade,o maior dom do homem , segundo Montaigne).Eu gosto do meu amigo livreiro, mas para envelhecer assim, prefiro morrer mais cedo.Afinal, a vida não é mais nada que uma sombra...Ou sobra de uma juventude morta totalmente, em alguns casos.

Picasso disse, de uma certa feita, que nunca acabava uma pintura, apenas assinava no fim para evitar uma falsificação.Talvez as pessoas sejam como essas pinturas, sempre um processo em andamento.Claro, muita gente, como muita pintura, não passa de falsificação, algumas até baratas.Depois de algum tempo, um retoque aqui ou acolá, ou vem algum tipo de restauração;algumas emboloram,  outras apodrecem, outras vão para o museu(ou se tornam museu ambulante), a maior parte das pinturas, como ocorre com a maior parte das pessoas,  esquecidas.Ou olhadas com indiferença, como o que ocorre  em vista de visitantes apressados.Entrar numa pintura ou numa pessoa(claro, psicologicamente falando...) exige um pouco de trabalho da sensibilidade.Mas a vantagem é que as pinturas, assim como os cachorros, nunca reclamam se fazemos pouco caso delas.

E aí, adentrando a passagem do tempo, na “curva perigosa” da maturidade –ah, que maldade! – pode-se derrapar num amor.Ai que dor, ai que dor! Exercita-se a razão para se domar a emoção, mas tanta sublimação só dá mesmo embromação. Um animal agonizante ainda uiva, uma lâmpada ainda dá um brilho estertorante antes do filamento virar resíduo. De algumas coisas já abri mão, definitivamente, de entender. Arte, filosofia, sabedoria e tantas outras coisas para driblar o imponderável. O roteiro geral da peça é mal escrito, “fábula contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando absolutamente nada”, como dizia o autor de Hamlet.Erudição ou verniz para polir o instinto bruto, a animalidade que nunca se perde completamente. Estetizar tudo para se atribuir um sentido a tudo que se sente? Por que não?Sem contar o faz de conta de que morte não chega ou não existe, apenas em acontecimentos como velórios ou enterros. Só os outros morrem? Podemos sofisticar a ilusão, mas isso não implica em solução, quando muito em dissolução de mentiras que não encaramos. Essas questões e dilemas “outonais” são mesmo de difícil solução, no meio de um mangue afetivo que se situa entre o otimismo primaveril  e o pessimismo invernal(ou seria infernal?). Mas, que fazer?  O amor, tanto quanto a morte, não marca hora ou, pelo menos, o relógio onde se marcou a dita cuja se perdeu em algum canto inacessível; sem contar que quase sempre estamos atrasados e já perdemos o metrô da história(porque não se usa mais bonde), a bateria( a nossa ou do relógio, tanto faz) já foi pro brejo e não há recarregador disponível. No fim, a mesma correria atrás de coisas que começamos a perder desde do início, sem que venhamos a perceber. E vamos tocando, vamos tocando...Apesar das derrapagens, o negócio é rezar para que haja acostamento.

Um grande problema na vida é quando esta se transforma num hábito. Eis um problema que surge, a partir do momento em que tudo assume o status banalizado de se escovar os dentes. Podem surgir os métodos artificiais, as "paraisações" dos paraísos artificiais(em nossa época, acrescem-se os virtuais).Mas as melhores soluções paradisíacas surgem mesmo da imaginação, inclusive daquela que imagina a inexistência do hábito.Mas lidar com as rotinas é sempre um caminhar sobre a navalha, uma navalha sem fio; ao contrário daquela que se enfrenta em estado passional, esta cortante ao extremo.Mas temos que sangrar um pouco para continuar a vida.Aliás, as mulheres que o digam...



Céus, como é espantosa a capacidade de uma mulher mentir de forma convincente!Homens sempre serão amadores nisso: em geral, na hora de engatar uma mentira, produzem uma forma de hiato de resposta estimulada, denotando um vacilo perceptível por pequenas marcas de expressão, interrupção na fala, olhar débil(uma mulher, senão todas, a grande maioria, consegue mentir com um brilho cristalino no olhar.Fantástico!).No telefone, então, homens  são uma desgraça maior;a voz perde precisão, a não ser que a mentira seja ensaiada ou o fulano seja um mentiroso profissional, no caso , um ator.Ah, "o dom de iludir", realmente um dom!Durante décadas pensei que mulheres mentissem pouco por viverem mais no "universo" do emotivo, vendo a mentira como um ardil da cavilosa razão.Como sempre ,não fui lá muito bem com questões práticas, um pouco por ingenuidade, um pouco por burrice mesmo,  caindo, um pouco com honra, um pouco com vergonha, em muitas falácias.Por segurança, hoje vejo todo mundo como mentiroso, inclusive eu mesmo, mais comigo do que com os outros.A mentira tem função prática, de sobrevivência civilizatória, exceto na arte que, por não ter utilidade prática, pode usá-la de outra maneira.E NUNCA vou acreditar no que um político diz, a não ser que tenha provas e dados concretos! Questão de sobrevivência. Bom viver nessa homérica mentira que é a imaginação.Algumas pessoas nasceram mesmo para o engano...



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