quinta-feira, 28 de abril de 2016

Reflexão lamentosa de um brasileiro


 Chegando perto dos sessenta e tomado por inevitável melancolia que o outono da vida normalmente pode nos despertar, nada me enche mais de tristeza do que o desdobrar dos acontecimentos no Brasil.Seria o eterno retorno, o avanço reduzido- sempre tudo avançando devagar- ou a resignação com aquela frase de sempre: ah, as coisas por aqui sempre são assim?Ah, o problema da falta de caráter e coerência!Difícil manter a coerência por aqui.Mas não impossível.Salvar a alma antes de tentar conquistar o mundo? Passam os anos e conseguimos pequenas conquistas, as quais parecem poder desaparecer como uma névoa tão tênue quanto os ideais de amor ou beleza.E agora, não bastasse tudo isso, essa auto-desmoralização atingindo todo o âmago de nossa sociedade pelos lamentáveis eventos políticos que lançaram toda essa pseudo-luminosa nação aos porões de sua própria indigência.Muita, muita preocupação..Menos para os poderosos de sempre, esses que não pensam em coisas como justiça, racionalidade, mais igualdade, em nada mais humanitário ou ético que vá  além da ponta de seus estreitos narizes que miram apenas o lucro ou o poder. 
      Sempre me interessei pelo fascismo, além de seu passado histórico, como um fenômeno psicológico, social e político.Os três níveis sempre se entrelaçam nesse fenômeno que pode desaguar, facilmente, na famosa banalidade do mal, conceito tão caro e belamente estudado pela filósofa Hannah Arendt, ela mesma uma vítima do fascismo.Dizia-se que o fascismo em terras brasileiras era sempre um "pastiche" do original.Essa é uma visão reducionista e simplista.O fascismo é apenas um forma social e política de se exercer a violência.Por isso tem tantos vieses, nunca completamente elididos.Não poderíamos encarnar um fascismo do estilo desenvolvido na Alemanha ou na Itália, mas os elementos básicos de sua gênese, enquanto fato histórico, estão presentes em nossa cultura e formação.A base dele é o autoritarismo- algo tão evidentemente desenvolvido em nossa história e cultura, desde a época de colônia-, aliado, provavelmente, a fenômenos psicológicos neuróticos que podem ser capitalizados por interesses político e econômicos de poderosos.A cadela que gera a besta sempre está no cio.A manipulação extremista, a propaganda política de nossos meios de comunicação, com papagaios fascistóides- ainda que banquem os liberais por contradições evidentemente propositais em seus discursos- que vão além do "nós contra eles", com demonização de adversários , isso tudo pode criar um potencial de liberação de uma agressividade desmedida e irracional, alicerçada por nacionalismos sem sentido(tão fundamentais ao fascismo clássico) que, em última instância, podem demolir com qualquer edifício democrático construído., sem que haja a necessidade de se montar um estado policial escancarado como o que ocorreu por aqui na ditadura militar, ou em outros tempos de Hitler, Mussolini ou Stalin(esse mais devedor de uma gênese autoritária do czarismo russo que, permeando o regime socialista degradado, desenvolveu a burocracia soviética, continuando agora com as plutocracias de um Putin).Ignorar o autoritarismo que pode se estabelecer por aqui , usando leis e aparelhos do estado, é de uma insanidade cruel, assustadora.O ódio é irracional, sempre tolo como dizia Russell, muito mais fácil de se desenvolver que a solidariedade social.Essa última , por sinal, é desenvolvida e cultivada por pequena parte de nossa população, a qual continua presa de obscurantismo, preconceito, ignorância, manipulada por nossas mídias de plutocratas defensores de golpes e ditaduras que, depois de algum tempo, começaram a posar de bonzinhos.A única coisa boa para o político carreirista, sem ideologia, princípios ou sem escrúpulos é o poder, bancado, enquanto lacaio servil que é, à outra única coisa boa para o capitalista-pelo menos o médio, brasileiro, medíocre e degenerescente em relação capitalistas de outros países- em sua visão tacanha e estreita de nação ou comunidade: o lucro.O egoísmo não tem limite e o capitalismo, no fundo, foi o modo de produção que mais deu espaço para o melhor aproveitamento desse sentimento.Sem limite, regras, respeito a leis, ganancioso e sem escrúpulos ou visão mínima de democracia, só pode resultar numa "república de bananas" como temos visto a imprensa internacional nos tratar.Sem criarmos uma nova forma de ver o país e seu desenvolvimento, com novas relações sociais de convivência e desenvolvimento econômico,ficaremos assim, andando na base do arraste, dirigidos por políticos vermiformes de ocasião, rezando para escaparmos da tutelagem de baionetas, andando um passo para a frente, dois para trás.É o ritmo do bolero brasileiro, criado pela tragédia onde ainda chafurdamos, por vezes tomando um ar, no final intoxicados no miasma de injustiça e irracionalidade sociais que fazem o tecido ainda muito sombrio dessa grande ferida tropical que chamamos de Brasil.Nessa terra de tanto sol, vejo nossos rios feitos de lágrimas e sangue, nossas vastas praias de desalento e falta de esperança.Minha naturalmente lamentosa subjetividade apenas é agudizada pela crueldade de nossa realidade.O pouco que se ganha pode se perder mais facilmente do que o intentar em se ganhar algo de novo.E voltamos para o buraco, para a latrina perfumada onde sobrevivemos sob o sol do carnaval e de nosso etos cordial , aliviados um pouco pela neutralidade da tecnologia sempre crescente no mundo.E a violência uma pústula que sempre reaparece em nossa pele.Precisamos reinventar nossa genética histórica.Ou se acaba com o regime de Casa Grande e Senzala, ou a fazenda será essa eterna melancolia dourada de alegrias fugazes com que nos iludimos nessa "terra abençoada por deus" mas no fundo organizada e dominada pelo demônio.Ou isso, ou o fim.Mas fim de quê, se nem ao menos começamos um início?Talvez esteja eu doente da cabeça.Talvez a doença seja maior em todo nosso país, degradado a partir de um passado sombrio que sempre renasce em trevas de tempos em tempos.Maldita essa esperança que me prolonga o suplício!

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