Já faz tempo que não levo a sério esse negócio de patriotismo, definido por um escritor como o último refúgio de um canalha.Em realidade, vivendo em grupo, temos que fazer concessões.Uma das grandes que faço, ao conviver com meus compatriotas, é fazer de conta que levo o Brasil a sério.Sim, nasci e me criei aqui, uso sua língua nativa, amo muita coisa de sua cultura ou arte, devo ter muita coisa interna proveniente dessa matriz nacional em que me forjei.Mas confesso que me sinto um apátrida na própria terra em que nasci.Talvez seja algo mais grave, proveniente,quem sabe de uma incompatibilidade com a civilização.Mas não dá para viver sem ela,civilização, esse é o fato.Costumes, família, amigos, amores idos e vindos, arte, língua, isso é minha nação.O resto é injunção, circunstância.Agora passando a meia idade e se aproximando o outono de minha vida, decidi de vez desistir do Brasil.Não da vida, porque essa é maior que países ou nações.Daí que eu tanto acredita na mais universal das linguagens humanas, a arte.De mim tenho certeza que o país desistiu há tempos.Politicamente o país é inexequível.Não se forjam grandes nações, provavelmente, sem grandes revoluções ou convulsões.Mas já perdemos para nós, na História, a possibilidade de algo assim.Diz-se que democracia é um processo lento.Mas exige, provavelmente, um mínimo de caráter.À esquerda ou direita, isso parece ser algo um tanto abstrato por aqui.Porque tudo vira esculacho ou pastiche.
Agora vivemos essa situação do impeachment.Espetáculo lamentável, transformado num circo servindo, como sempre, aos interesses dos poderosos.A Casa Grande quer mudar a administração da Senzala.Chega de feitor bonzinho.Vamos voltar ao angu de sempre.Reconstruir a unidade das forças progressistas, reordenar os planos de hegemonia, unidade na ação, se contrapor aos interesses dos grandes grupos ou da tibieza de nossa burguesada tapuia.Haja!Acho que entreguei os pontos e retornarei à minha subjetividade egoísta e pequeno burguesa.Afinal, não tenho grana, poder ou carreira, logo não existo por aqui; existo tanto quanto o proleta que leva uma vida de idiotia e exploração, satisfazendo-se com as migalhas do capital.Vejam só: nem ao menos aproveitei a bonança lulista econômica e conheci Miami!Tem gente que acredita em democracia por aqui.Eu não.Acredito em estado de "não ditadura", o que já é muito por nossa tradição, história e cultura.Confesso sinceramente: cansei.Só de ver sessões nesse plenário de Câmara já me desalento.Há décadas, por sinal.
É claro que o impeachment não se define hoje.É um encaminhamento para futuras resoluções.Mas a imprensa vai explorar a situação e confundir a opinião pública para influenciar votações futuras em outras instâncias.Isso é claro.As pessoas não apenas, em media ou maioria, são desinformadas sobre nossas leis como são analfabetizadas em política, por tradição e cultura nacional.Bertrand Russell, num ensaio chamado Ceticismo e Política, dizia que em política pesa mais o irracional, o emotivo que o racional.Daí a ingenuidade do temperamento credo no constitucionalismo.E quanto mais a leis mudam ou são interpretadas de forma contraditória, mais frágeis e inconsistentes ficam para reger os povos que as criam.Bem, quem as criam sempre são as elites desses povos.E o que seriam as elites brasileiras.Caiamos na real: uma burguesia medíocre(a cara dela é mesmo o pato da Fiesp), uma classe média aparvalhada e precária(intelectualmente em média) e um povão disperso, inculto, desorganizado.Os ensaios de superação disso foram abortados, infelizmente, precocemente.Pequenos passos de reconstituição foram dados, mas isso é facilmente perdível em pouco tempo.E o PT, claro, foi cúmplice nessa tragédia que poderia ter um outro desenrolar.Do resto pouco se esperava mesmo.Eu, não espero nada.Minhas expectativas são realistas, as utopias apenas reservadas às regiões do espírito.Sabe-se lá com que cacos vamos reconstituir.Sem ampliação da consciência política, de todos estratos sociais, principalmente dos mais "populares", nada vai mudar.Ou a sociedade brasileira se "despaternaliza" ou não vai adiantar muito, afora o fato de que a tecnologia e recursos modernos vão facilitar a vida de todos, mas essa vida , no geral, vai continuar uma merda de absurdos inenarráveis, como a própria vida em si mesma o é.
Quem se apega apenas à visão constitucionalista dos textos e palavras legais(não esquecer que leis são escritas por homens que representam grupos, classes ou tendências sociais), sem tentar ver os interesses e forças econômicas que agem por meio de influências e representações nas instâncias, ou é ingênuo ou mal intencionado.Pode até ser as duas coisas ao mesmo tempo.Nós, povo brasileiro-essa abstração indefinida em textos , imaginações e discursos- temos sementes autoritárias e anti-democráticas visíveis em nossa "alma tropical".Há muita coisa de ditadura e preconceito embutida, em nossas leis, em nosso etos, em nossa forma de ser e se relacionar com o próprio semelhante..Falta algum tipo de superego coletivo para moldar nossa forma de agir, em pequenas e grandes coisas,sem precisarmos da tutoria de grandes pais, de salvadores da pátria ou de políticos inescrupulosos que dizem nos representar, representando na verdade a nossa ausência constante no universo político; talvez expressões de nossa imagem e semelhança.Sempre achei suspeita a ética dos fins que justificam os meios.Mas certos meios podem definir os fins.Os passos de um processo delimitam os resultados finais.E se forem torpes, o resultado não pode ser nada melhor que o abominável.
Vão dizer que lutar é o mais importante.Bem, aos jovens, que peguem o bastão.Consigo apenas manter minha indignação, a qual certamente levarei para o túmulo; não poderei nem ao menos usá-la como moeda a negociar com Caronte.
Passam os dias e chegam as rugas, apenas o tempo me faz, ao longo relento, mais e mais desistir do Brasil.Mas tenho eu o direito de desistir da humanidade?Não, a humanidade é maior do que o Brasil.O país é apenas um acidente a mais, na acidental existência do planeta no cosmo.
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