Há pessoas que nos confundem, em certos
momentos, não sabendo nós se elas são loucas ou estão momentaneante
enlouquecidas.Vai lá saber....Passei por
isso no final de semana.Uma experiência
sem par em minha vida.Na madrugada do dia trinta e um, fiquei, entre as quatro
e as dez da manhã, em companhia de uma moça, menos de trinta anos, loquaz,
bonita e cativante.Falava sem parar.Inteligente, misturava conceitos, idéias, nomes, citações,
coisas de memória de seu passado, num fluxo contínuo de causar inveja a qualquer
surrealista ou a qualquer monólogo introspectivo; no caso, extrospectivo, já
que eu apenas me resignei em ouvir.Afinal, já mais maduro, pareço ter
desenvolvido mais paciência para discursos femininos, de todos os matizes.Vinha
de tudo: coisas do budismo e sua nomenclatura exótica, urbanismo, economia(a
moça dizia ser formada em arquitetura e economia), autores acadêmicos,
cantorias constantes(inclusive em hebraico, já que ela era judia), não dava
tempo de interromper.No meio da madrugada terminando, dançou de forma harmoniosa, fez posições de
ioga, em plena praça pública, sob o sereno e o frio, com um vigor físico
impressionante.Dizia ter tido uma formação esquizofrênica na infância e
juventude.Nem precisava me dizer...Um autêntico furacão progesterônico.Sabe-se
como homem é carne fraca, iludível facilmente por complexidades hormonais
primitivas.Do jeito dela, algum tipo de mecanismo sedutor era desenvolvido pela
moça.Depois de um interminável café matinal, onde falou e falou e falou, mostrou-me
sua Lilith particular; não a demoníaca que a mitologia dizia haver enclausurada
em toda mulher, mas sim uma árvore encravada em um parque próximo.Chorou muito
ao tocá-la, depois de longa conversa animal-vegetal com a mesma.Também chorou
em outros momentos de sua histérica , ao mesmo tempo serena,discursividade.Seria
louca mesmo ou estaria chapada?Acho que nunca saberei.Olhos vivos mas um tanto
indecifráveis.Vejo agora porque Modigliani se furtou a pintar o olhar de tantas
de suas retratadas.Dizem que todo olhar diz alguma coisa.Mas o olhar da moça me
parecia algo muito distante dali, quem sabe em outro mundo inapreensível de sua
complexa mente.
Uma
mulher a cativar e a assustar ao mesmo tempo.Como pode uma mente trabalhar de
forma tão on-line?Dizia-me que eu era maravilhoso, aéreo.Mas eu não falei nada
, ou muito menos do que ela durante todo o tempo!Talvez maravilhoso por
simplesmente ouvi-la.Maravilhado, sem
dúvida.Contudo, confesso não saber explicar se a moça era mesmo louca ou
estava viajando por algum efeito de droga ou situação particular.Pouco
importa.De toda maneira, durante algumas horas estive mergulhado nessa situação
de loucura, consciente de estar consciente.Um misto de excitação sexual com
curiosidade, naquele fascínio em que espírito e carne parecem duelar dentro do
próprio ser.Ou teria sido tudo uma ilusão?Não, porque algum tipo de contato
físico tinha havido, além do fluxo contínuo de palavras da moça.
Então
me perguntaram, depois, porque eu tinha tido tanta paciência em ouvi-la.Não sei
explicar.Isso foi além da simples atração ou da possibilidade de algum
desdobramento afetivo ou prático(?).Eu não iria muito longe porque, confesso,
teria medo.Agisse eu de forma mais convencional e logo me desvincularia dessa
"maluca".A loucura me fascina, mas tenho consciência do risco que
corremos ao mergulhar em certos rios de águas estranhas.Em todo caso, dia a dia
mais me certifico de que essa loucura, feminina à sua maneira, me causa
interesse, daí que hoje converso mais com mulheres do que com homens, um pouco
por circunstância, um pouco por tédio do imaginário repetitivo do mundo
masculino.Sem contar que há um número infindo de beleza feminina a se olhar por
aí.
Uma
amiga minha, curiosamente, já me disse
que tenho tido um tipo de atitude que ela qualifica de hétero-gay, onde, mesmo
mantendo minha heterossexualidade convencional, acabo por ter atitudes de gay
confessor, muito comum entre algumas mulheres.Ou teria eu me transformado num
grande ouvido?Todo mundo quer um grande ouvido para despejar o que se passa na
própria mente.Principalmente na relação entre homens e mulheres, paciência
parece não ser uma marca presente no comportamento masculino.Exceto quanto aos
profissionais da psicologia.Eu, não passo de um amador.No caso daquela moça,
seria necessário algo mais, mais próximo da psiquiatria?Não sei, nem
saberei.Pouco provável que a encontre nessa dimensão, quem sabe após cumprir o
caminho que me leve ao "dharma" mais ajustado ao devir do próprio
karma, usando a terminologia budista tão citada pela moça ao longo de seu
vastíssimo solilóquio acompanhado de minha presença.Afinal, deixei-a no parque,
fazendo exercícios, um corpo forte e ágil de dançarina brincando com barras,
após perceber que ela repetia o longo discurso de novo, pela enésima vez.Sem
qualquer troca de informações mais precisas,disse-me para que eu seguisse meu
caminho e fizesse de conta que ela não existia.Então percebi que o grande
"ouvido" não era mais necessário.Mas, provavelmente, jamais irei
esquecê-la.
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