quinta-feira, 26 de junho de 2014

Os "selfs" e o mundo

    Em época de copa, a febre dos selfs.Outrora era difícil tirar foto, tinha-se que pensar muito antes de "queimar o filme".Agora, inclusive, essa expressão perdeu o seu poder de outrora.E, no meio da farra das torcidas, um festival de exibicionismos, muitos engraçados e originais, muitos patéticos e sem gosto.Fotos mal tiradas, porque mal pensadas.O olho tem sua forma própria de pensar o que vê, diria Merleau Ponty.Um self que oculta o próprio self.
   Diz-se que o brasileiro é descontraído.Também se diz que o mesmo é mal educado.Como conciliar educação com descontração?.Obviamente as duas coisas não são incompatíveis.Por outro lado, o excesso das duas coisas pode se transformar em coisas pouco agradáveis: secura e grosseria.Como tudo na vida, a convivência é um andar no fio da navalha, onde o controle, pouco ou grande, sobre as formas expressivas pode determinar uma conduta mais ou menos educada.Isto deveria ser em tudo.Até mesmo na arte.Nós, brasileiros, temos a fama e, em realidade, a praxis da descontração.Mas muito dela é originada de certa falta de "modos". Mas pelo menos numa coisa todo mundo, como se vê nessas condutas de torcedores de vários países, participa da mesma unicidade: o ridículo.Sim porque o ridículo é universal e democrático, atinge tudo o mais.Veja-se que nessa copa todo mundo parece posar, de fato.Todo mundo exagerando ao limite, num estilo expressionista, esteticamente falando, mais próximo do circo do que daquele famoso estilo de  pintura trágica.O mundo como um circo, eternamente pegando fogo.Enquanto jogadores e torcedores se aprimoram ao máximo para aparecer na tela.A tela da tv é o grande irmão de hoje, abstrato, muito maior que o imaginado por Orwell.Um grande útero consumidor de imagens e, como útero, reproduzindo-as ao infinito.E nisso tudo, com frequência a educação vai para a cova. Pelo menos em seus componentes de formalidade.Todos irmanados no ridículo, de autoridades à patuléia.Democracia maior , apenas na morte.
     Ah, o brasileiro não é educado!E não é mesmo, em média.Democraticamente em todas as classes, alguns mais, outros menos.O brasileiro meio fechado, introspectivo, não muito festivo, sempre é visto como estranho.Fora de São Paulo, como  um ...paulista.Afinal é o país do carnaval.Não a Grécia tropicalizada das utopias antropofágicas oswaldianas, apenas o lugar onde certos desregramentos de conduta não são tão condenados .Yes, nós temos bananas, carnaval, descontração e linchamentos.Como seria possível em qualquer lugar do planeta, até no polo norte.
     Mas agora, agora é hora de copa, de bola, histeria e....selfs.Nem sei quantos milhões foram mandados do Itaquerão para o resto do mundo.São tantas , tantas imagens, as quais, em sua maioria, jamais serão introjetadas em nossa memória.Diria que há excesso de exposição de todo mundo, até de quem não é famoso.Todo mundo de , usando a velha expressão, "filme queimado".
     Dentre outras coisas, uma copa é um excelente espaço para o congraçamento de todos os ridículos.Sem a sensação de culpa, a qual sempre inibe o ridículo.Ou será que, no fundo, quando nos embebedamos, por exemplo, aspiramos a um ridículo espontâneo?São em horas assim que vejo como a existência humana é um padecimento.Uma simples sala de aula já revela o que é o mundo: são tantos os temperamentos quanto são as formas de agir de vários povos.Povo de sangue quente, de sangue frio?Mas no fim, o mais pacífico cidadão pode virar um monstro.
      Mas para a criança não existe o ridículo.Um pouco de nossa nostalgia infantil vem daí, quem sabe.Ou não seria a atitude ridícula o primeiro sopro do comportamento histérico?Mas os selfs nos induzem ao ridículo consentido.Nessa hora, somos todos irmãos.Na copa e nos selfs.A velha ilusão da catarse.A ilusão de ser individualizado em meio à massa.Mas não seria melhor então ser meramente massa, sem ilusão ou self?Pelo menos por um momento.Um momento de copa.E educadamente, na medida do possível.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Irracionalismo Pré-eleitoral ou a TPM do voto

Vivemos um radicalismo de período pré-eleitoral. Melhor seria dizer: irracionalismo pré-eleitoral.Como em estágio de guerra, defende-se o "estar a favor ou contra".Nesses períodos, de contaminação psíquica de multidões por elementos emocionais manipuláveis, o clima torna-se um tanto insuportável.Na guerra, a proposta básica é a eliminação de seu opositor.Antes disso, passa-se pelos preâmbulos da diplomacia.A democracia tenta resolver os problemas a partir do diálogo.Mas diálogo exige exposição de idéias, argumentação.Hoje, prepondera a difamação.Sempre é mais fácil pensar de menos.Todo esforço, inclusive o pensar ou fazer amor, implica em certa dor, não é mesmo?Subir aos altos cumes para sorver a infinita pureza do ar demanda o padecer da escalada.Mas lá do alto, divisa-se melhor as coisas.
      Esse jogo louco de calúnia e ofensas que ocupa as redes sociais , para mim é algo alarmante, denotando a baixa cultura política da expressiva maioria.Mas a despolitização já é, em si, algo de político.A difamação e o ódios podem se transformar em ferramentas políticas.Mas a quem pode servir? A politização de uma sociedade ou grupo é algo difícil.Em geral, os que estão no poder não gostam muito disso, preferem sempre a massa burra, a raia miúda boçal, o Zé Ninguém de Reich, que pouco sabe o que faz por não querer sabê-lo.
     Enfim, clima de copa, de jogo, de bem contra o mal, de juízo de valor sobre argumento.Meu deus, que perdição!Seria a falência da democracia moderna?Não à toa, vejo tantos defender volta a regimes ditatoriais, obviamente inclinados a isso por ódios repressores de seus inconscientes.A vida, em tudo, é sempre uma constante luta de impulso de vida contra impulso de  morte,o  que não significa a luta do bem contra o mal, porque estes são coisas abstratas e relativizáveis, contextualizáveis.Defender uma proposta ou ideia de um grupo ou partido, não o torna discípulo ou membro desse grupo ou partido.A concepção, em si, é simples, mas muita gente se recusa a pensar dessa foma.Somente a forma de pensar primária, regida pelo irracionalismo emotivo- este, por sinal, facilmente manipulável pelos que detêm o poder- pode acatar esse mecanicismo crítico.Infelizmente, as pessoas são, em média, mais regidas pelos preconceitos do que pelos conceitos.Estes últimos exigem reflexão, sob o domínio de dados históricos.Por isso a democracia representativa que temos no país não funciona adequadamente..Porque a maioria da população, praticamente em todas as classes sociais, tem pouca cultura histórica e quase nenhuma de diálogo político, seja em casa, no trabalho ou nas ruas.Daí que o terreno é mais fértil para o ódio destrutivo do que para qualquer forma de amor( em seus elementos de fraternidade humana) socialmente desenvolvível. Nessa toada, a coisa que mais vai crescer nesse país, muito além da cara de pau de muito político, é o niilismo.Daí esta pestilência de declarações políticas por aí.Conheço pessoas, com as quais travo relações aprazíveis que , talvez, se vissem como inimigas minhas se eu viesse a expor minhas convicções políticas ou sociais.Política e sexo podem afastar as pessoas com a mesma velocidade com que as aproximam.Porque as duas coisas estão sempre, direta ou indiretamente, metidas em todas as atividades cotidianas humanas.E ainda há gente que não acredita no inconsciente!.É só dar uma olhada em facebook para constatar.Inclusive, curiosamente, de minha aparente sanidade nisso tudo.Justamente eu, dos mais insanos seres de que tenho conhecimento.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Copa do Mundo: uma breve reflexão

Sempre gostei de futebol, acompanhando campeonatos e indo a estádios desde 1966(uau, como estou velho!).Sempre fui ruim de bola; acabava mais jogando no gol, em geral por ser o dono da bola.
     Não vou mais a estádios há décadas.Virei torcedor de tv, malgrado o fato de aguentar a insuportável presença de locutores irritantes.Prefiro ouvir a tagarelice do rádio, onde se usa mais a imaginação.Todo mundo lá falando como se fosse dono da verdade, como se princípios de lógica e justiça fossem aplicados ao esporte dito bretão.
     Ando meio desligado dos times e escalações, muitas vezes até do meu.Para me informar, por vezes, à guisa de ver como se manifesta o imaginário popular de baixa cultura, ouço alguns programas esportivos, plenos de baixarias e preconceitos.Lá acabo por me informar, inclusive acabando por me inteirar dos aspectos primitivos do torcedor de futebol.Assim como em política, o que prepondera em futebol é a paixão, não a razão.Um universo particular encerrado num mar de preconceitos e valores conservadores.A presença feminina nesse meio parece ter atenuado um pouco essas coisas.Mas o futebol parece ser uma dimensão primitiva de um universo mágico.Daí que as manias e o raciocínio mágico preponderem na cabeça do torcedor.Futebol, no fundo, é um jogo de guerra imaginário.Termos como mata, destrói, arrasa, ferra ou fode são comuns, acrescidos do estranhíssimo "chupa", usado até por mocinhas durante o frenesi da torcida.Pura paixão, com frequência de baixo nível, nesse esporte que se desenvolve a partir do nível mais  baixo da cintura.Se o universo é um grande útero, o futebol é a grande pelvis a serviço do grande astro abstrato que é a bola.Bem, mas isto é injunção atropológica, psicológica, não vem ao caso.
     O fato é que a Copa está aí e, paradoxalmente, eu não estou nem aí.Independente da estúpida discussão partidarizada em torno do evento, não sinto muito apreço em ver a copa por aqui.Já presenciei Copa: a de 98, quando morava na França.Os parisienses pouco se lixavam com ela, em verdade.Ao final, campeões, quase puseram fogo no Arco do Triunfo.Vai lá entender a psicologia das massas...Paixão, paixão coletiva.Coisa que pode ir para o bem...ou para o mal.Tudo é relativo.
   Sempre fui contra a Copa por motivos de racionalidade econômica e por uma profunda antipatia pela máfia da Fifa, da CBF, dos bandidos que se encastelam nas direções do times e federações.O jogo vale mais do que o entorno e eles, assim como a arte do artista vale mais que a vida do próprio artista.
   Se o Brasil ganhar, não vou ficar exultante.Será apenas um pretexto para ver muita gente alegre e bêbada na rua.Ainda gosto de ver multidões, embora não me dê vontade de ser ovelha de rebanho.Contradições da alma.Uma forma de ver o "espetáculo furioso e sem sentido" da vida aliviado por algum torpor.Mas já vibrei com Copa, no passado.
Sergio Marques 1970.Tinha treze anos.Esse foi o ano que me propiciou as maiores alegrias ligadas ao futebol, não suplantadas por nenhum outro momento em cinquenta anos de convivência com o futebol.Época do Brasil Ame-o ou Deixe-o, milagre econômico na era da ditadura, leitura diária da Gazeta Esportiva(sabia até a escalação do time de reservas do São Paulo), poster da seleção no quadro, o maior enxame de bandeiras que jamais vi parecido aqui em São Paulo, uma loucura!Os jogadores da seleção eram vistos por mim como heróis; mal acredito que alguns já tenham até morrido.Afinal, heróis morrem?Mas não simulava jogos em grupo, já que morava com irmãs(as quais arriscavam jogar futebol comigo no quintal, sempre no gol, claro!), tinha poucos amigos e pouca frequência de jogos no grupo escolar, exceto com os colegas na calçada(bem mais segura naquela época).Minhas partidas eram simuladas no quadrilátero de um tapete de meu quarto, as traves usadas do futebol de botão, uma pequena bolinha na mão, com jogadores imaginários ou reais correndo atrás dela.Nunca mais tive esse tipo de alegria.No mesmo ano o Brasil Tri-Campeão(A taça do mundo era definitivamente nossa, pelo menos até ser roubada...), meu time ganhando o primeiro título paulista(para mim ainda tem mais impacto na memória que o próprio mundial).Não senti nada parecido, nem em 94, nem na copa do Japão.Estranho, não?Só me ligo emocionalmente ao meu time, não mais à seleção.Embora haja muito mais coisas do país que amo hoje do que no passado.O passado, realmente, me parece um país estrangeiro...Coisas da vida.Acho que estou envelhecendo.Pelo menos no entusiasmo pelo futebol.Pudera: tanto comercialismo enche a paciência.E, tragédia minha!, acho que ainda sou muito romântico.Coisa não muito adequada ao futebol de hoje.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Como tem jornalista escrevendo bobagem.Até sobre a questão do fumo.

A respeito de artigo de João Pereira Coutinho, exposto na Folha de São Paulo de 3 de junho(http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2014/06/1463776-fascismo-light.shtml), apenas posso relevar alguns pontos de vista que vão contra essa visão pseudo-liberal desse jornalista português.No fundo, ele não passa de um jornalista escriturário, aquele que repete o mesmo argumento de forma mecânica e burocrática.Coutinho representa o que se chama agora de pensamento conservador no meio do jornalismo, na linha de Pondé, Azevedo e outros, com marcante afirmação conservadora.Mas não acho conservadora.No fundo, é reacionária disfarçada.Mas posam de liberais, atacando o estado, anarquistas de araque que são.Atacam os idealistas, os sonhadores, os reformadores do mundo, os utópicos, as feministas(são, em geral, marcadamente misógenos), os defensores do direito ao aborto, os que se preocupam com o meio ambiente, enfim, com qualquer coisa que se relacione com o que se chama de esperança.Vivem, intelectualmente, envoltos em demônios: o feminismo, para o Pondé, o PT, para Azevedo(desconfio que deve ser pago por alguém para fazer isso, tamanha a monotonia de sua fixação), além grande estigma do Islã, no caso do aparentemente neurótico Coutinho.Pessoalmente não o conheço e, por suas ideias, não teria o mínimo interesse em conhecê-lo.Provavelmente deve ser uma pessoa terrivelmente chata, ao estilo lusitano, sem o mínimo laivo de humor tradicional da nação de Camões.Parece-me ser um típico moço-velho, um esnobe que se sente exilado na própria terra(Portugal) , a qual parece execrar, ao estilo no vira-latismo comum em nossas terras brasílicas.Talvez o complexo de vira-lata tenha vindo d'além do "Grande mar oceano".
    Eu me lembro de artigo seu, contra o aborto legal.Argumentação ridiculamente pomposa para chegar a um grande final cristão disfarçado.Ora, que não disfarçasse então a defesa do dogma católico.Seria mais honesto.
   A última foi sua catilinária contra projeto federal que proíbe o fumo em lugares fechados.Chamou a proposta de fascista.Agora a moda dessa gente é chamar todo mundo de fascista, não escapando eco-chatos, feministas ou "reformadores sociais"; arrogantes e presunçosos que, no fundo, não passam de uns proto-fascistas neo-liberais metidos a "anarcas do espírito".Anarquistas abstratos.Grande merda: prefiro então os de carne e osso.Escrevem muito mal, pensando escrever com estilo.O Coutinho até que é o melhorzinho no estilo, mas a cabeça é mais quadrada que um tijolo.Só lendo o artigo para se ver a paranoia individualista do gajo.
     Também me considero meio individualista.Tenho lá meus problemas com a civilização como qualquer um, a vontade querende ir além dos limites impostos pela realidade sombria.Mas tudo tem limites, inclusive o individualismo,a não ser que não se queira viver em sociedade, procurando algum refúgio paradisíaco, se ele houver.Gente assim, no fundo, me dá medo, não gostaria nem ao menos de ter como amigo.
     Em realidade, um Coutinho da vida gostaria que não houvesse um estado para qualquer porcaria que fosse, ainda que a sociedade tivesse que tratar bem os iluminados aristocratas superiores como ele.Conheci desses tipos às carradas, no jornalismo, na política e em alguns hospícios(onde visitei conhecidos, conseguindo, milagrosamente escapar de lá).Como disse, é preciso ler o artigo.O individualismo "feroz" pode ser útil em alguns campos da atividade humana mas, coletivamente, é um perigo brutal.Lei da Selva,  que vença o mais forte, foda-se o resto, assim pensa gente como Coutinho ou Pondé.São caras que no fundo devem odiar seu semelhante.Que fazer: não entenderam como funcionam as duas faces da moeda da vida.Maldosamente, acho que gente assim nem tem muito prazer em viver, falando tão mal de tanta gente, principalmente de jovem, mulher ou sonhador.Afinal, só sonham mesmo quando dormem em seus sarcófagos empoeirados.
Mas, voltando ao assunto do artigo do senhor Coutinho, Deus nos livre de individualistas ferozes e energúmenos como ele.
     .O jornalista, que diz detestar ou não acreditar em médicos
, preferindo se auto-medicar- sendo ainda jovem, já se considera
velho;com essa mentalidade não vai durar muito, mesmo- ,usa o termo
"fascismo" de forma leviana e sem precisão.Aliás, fascismo ou
populismo hoje são termos utilizados sem nenhuma precisão.A questão
não é o estado arbitrar ou não sobre assunto de foro particular, mas
sim de convivência em coletividade.Sou fumante(cachimbo), adoro fumar,
mas me envergonho da época em que obrigava, em ambientes fechados,
outras pessoas a se empestearem com minhas fumaças.Gente como Coutinho
não passa de criança que não aceita disciplina dos pais, pelo menos no
imaginário adulto de sua mente complicada.É óbvio que o fumante
passivo é vítima do fumo alheio.Falar que não existem pesquisas certas
sobre isso é de uma ignorância brutal.Que os médicos se manifestem
contra esse descalabro panfletário de defesa da insalubridade.Não tem
a mínima ideia do que vem a ser saúde pública.E ainda faz campanha
contra a camisinha.Quem faz isso ou não faz sexo ou é louco
suicida.Bem, cada um que seja cuidadoso com seus pares...
    Vou continuar fumando, correndo risco de câncer, mas pretendo não
colaborar para que outros sejam vítimas de hábito que, para mim, é
assaz agradável, porém de uma idiotice absurda.Mas não tenho o direito
de contaminar os outros com minhas idiotices.Viver coletivamente tem
que ter regras.Ou será que, por exemplo, tenho o direito de entrar com
material radioativo perigoso que me diverte dentro de um bar, por capricho, sem que o estado tenha direito de intervir,
por exemplo?Esse é o famoso liberalismo estapafúrdio em nome da
propriedade privada.Nada a ver!.E usando espaço precioso de
jornal.Bem, não tão precioso assim...Afinal, o jornal deixa que cada
um escreva tanta idiotice, ultimamente, que a leitura do mesmo já se
transforma em algo insalubre, pior que a fumaça dos fumantes.
 

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Experiência esquizofrênica?

Há pessoas que nos confundem, em certos momentos, não sabendo nós se elas são loucas ou estão momentaneante enlouquecidas.Vai lá  saber....Passei por isso no final  de semana.Uma experiência sem par em minha vida.Na madrugada do dia trinta e um, fiquei, entre as quatro e as dez da manhã, em companhia de uma moça, menos de trinta anos, loquaz, bonita e cativante.Falava sem parar.Inteligente,  misturava conceitos, idéias, nomes, citações, coisas de memória de seu passado, num fluxo contínuo de causar inveja a qualquer surrealista ou a qualquer monólogo introspectivo; no caso, extrospectivo, já que eu apenas me resignei em ouvir.Afinal, já mais maduro, pareço ter desenvolvido mais paciência para discursos femininos, de todos os matizes.Vinha de tudo: coisas do budismo e sua nomenclatura exótica, urbanismo, economia(a moça dizia ser formada em arquitetura e economia), autores acadêmicos, cantorias constantes(inclusive em hebraico, já que ela era judia), não dava tempo de interromper.No meio da madrugada terminando,  dançou de forma harmoniosa, fez posições de ioga, em plena praça pública, sob o sereno e o frio, com um vigor físico impressionante.Dizia ter tido uma formação esquizofrênica na infância e juventude.Nem precisava me dizer...Um autêntico furacão progesterônico.Sabe-se como homem é carne fraca, iludível facilmente por complexidades hormonais primitivas.Do jeito dela, algum tipo de mecanismo sedutor era desenvolvido pela moça.Depois de um interminável café matinal, onde falou e falou e falou, mostrou-me sua Lilith particular; não a demoníaca que a mitologia dizia haver enclausurada em toda mulher, mas sim uma árvore encravada em um parque próximo.Chorou muito ao tocá-la, depois de longa conversa animal-vegetal com a mesma.Também chorou em outros momentos de sua histérica , ao mesmo tempo serena,discursividade.Seria louca mesmo ou estaria chapada?Acho que nunca saberei.Olhos vivos mas um tanto indecifráveis.Vejo agora porque Modigliani se furtou a pintar o olhar de tantas de suas retratadas.Dizem que todo olhar diz alguma coisa.Mas o olhar da moça me parecia algo muito distante dali, quem sabe em outro mundo inapreensível de sua complexa mente.
     Uma mulher a cativar e a assustar ao mesmo tempo.Como pode uma mente trabalhar de forma tão on-line?Dizia-me que eu era maravilhoso, aéreo.Mas eu não falei nada , ou muito menos do que ela durante todo o tempo!Talvez maravilhoso por simplesmente ouvi-la.Maravilhado, sem   dúvida.Contudo, confesso não saber explicar se a moça era mesmo louca ou estava viajando por algum efeito de droga ou situação particular.Pouco importa.De toda maneira, durante algumas horas estive mergulhado nessa situação de loucura, consciente de estar consciente.Um misto de excitação sexual com curiosidade, naquele fascínio em que espírito e carne parecem duelar dentro do próprio ser.Ou teria sido tudo uma ilusão?Não, porque algum tipo de contato físico tinha havido, além do fluxo contínuo de palavras da moça.
   Então me perguntaram, depois, porque eu tinha tido tanta paciência em ouvi-la.Não sei explicar.Isso foi além da simples atração ou da possibilidade de algum desdobramento afetivo ou prático(?).Eu não iria muito longe porque, confesso, teria medo.Agisse eu de forma mais convencional e logo me desvincularia dessa "maluca".A loucura me fascina, mas tenho consciência do risco que corremos ao mergulhar em certos rios de águas estranhas.Em todo caso, dia a dia mais me certifico de que essa loucura, feminina à sua maneira, me causa interesse, daí que hoje converso mais com mulheres do que com homens, um pouco por circunstância, um pouco por tédio do imaginário repetitivo do mundo masculino.Sem contar que há um número infindo de beleza feminina a se olhar por aí.
   Uma amiga minha, curiosamente,  já me disse que tenho tido um tipo de atitude que ela qualifica de hétero-gay, onde, mesmo mantendo minha heterossexualidade convencional, acabo por ter atitudes de gay confessor, muito comum entre algumas mulheres.Ou teria eu me transformado num grande ouvido?Todo mundo quer um grande ouvido para despejar o que se passa na própria mente.Principalmente na relação entre homens e mulheres, paciência parece não ser uma marca presente no comportamento masculino.Exceto quanto aos profissionais da psicologia.Eu, não passo de um amador.No caso daquela moça, seria necessário algo mais, mais próximo da psiquiatria?Não sei, nem saberei.Pouco provável que a encontre nessa dimensão, quem sabe após cumprir o caminho que me leve ao "dharma" mais ajustado ao devir do próprio karma, usando a terminologia budista tão citada pela moça ao longo de seu vastíssimo solilóquio acompanhado de minha presença.Afinal, deixei-a no parque, fazendo exercícios, um corpo forte e ágil de dançarina brincando com barras, após perceber que ela repetia o longo discurso de novo, pela enésima vez.Sem qualquer troca de informações mais precisas,disse-me para que eu seguisse meu caminho e fizesse de conta que ela não existia.Então percebi que o grande "ouvido" não era mais necessário.Mas, provavelmente, jamais irei esquecê-la.