Francis Bacon foi um dos grandes artistas do século vinte.Mas, além disso, deixou muitas entrevistas dotadas de uma sinceridade absoluta, demonstrando, ao mesmo tempo, uma refinada cultura não tão comum assim em pintores.Há pouco tempo li uma, onde o grande pintor, já velho, dizia que no estágio de vida dele, naquele momento, tinha perdido a maioria de seus amigos, por morte ou afastamento, sendo que, quando se fica mais velho-segundo suas palavras-, torna-se mais difícil adquirir novas amizades.Ainda mais quando se é uma pessoa difícil de temperamento, como ele se definia.
Bacon era uma temperamento marginal, um torto na vida, papel deliberadamente assumido por ele, em função das circunstâncias que cercaram sua existência.Sempre, sempre, como dizia Ortega y Gasset, o homem e suas circunstâncias.
Dizia que tinha muitos conhecidos de bares, mas quase nenhum amigo.Até parece um pouco com minha vida.Chega um momento em que se cria certo fastio ou desencanto por tudo, algo muito natural.O véu de Maia das ilusões sociais desfeito pelas decepções ou descréditos.Inexorável situação do artista, tendo que se resignar com sua solidão, a arte sendo a única companheira.É meio triste mas pode ser, como dizia Pessoa, que a dependência dos outros seja uma forma de escravidão, por que não?Em todo caso, guardadas as devidas proporções de talento entre o que o grande Bacon foi e o que eu sou, senti-me solidarizado por ele e com ele, em sua declaração.Ainda que na vida dele a presença de tragédias seja bem maior do que na minha, frugalmente classe média, uma tensão constante entre o aburguesamento e a marginalidade.Esta última, quando não física, pelo menos espiritual, algo experimentado por mim desde muito cedo.Ser um torto sem vocação não é fácil.Tentei sempre achar alguma para mim e, não vendo nada de especial em mim, acabava frequentemente buscando os roteiros convencionais, incluindo nisso amores, profissão e casamento.Isto, a longo prazo não funcionaria mesmo.Sobra essa marginalidade "soft", o idealismo como forma de exercer os caprichos de eros, a distância de tudo e de todos.Pelo menos, temos que amar alguma coisa.Bacon dizia amar a matéria que via, que o momento de revelação estética dele se deu ao visitar um açougue.Para mim, pensando bem, foram três: a primeira visita a um prostíbulo(embora nunca mais tenha visitado um depois de minha juventude), uma sinfonia de Mahler e Paris.Mas acho que nisso Bacon teve mais sorte, uma revelação mais precisa.Claro que, pessoalmente, gostaria de ter todas as mulheres do mundo, nesse momento...para pintar ou desenhar.Paris está muito longe, mas a música e a pintura estão sempre aí para deleite de olhos, ouvidos e alma.A vida é mesmo curta, como dizia Bacon(que viveu além dos oitenta), uma só muito pouco quando a vontade é grande.
Gostaria de ter a capacidade de imersão dele.Mas ele era gênio, eu não.Mas em comum, ambos víamos a vida com espanto e algum horror.Não conseguiria nunca criar o simbolismo de horror que ele conseguiu.Ele dizia que compensava a frequente insatisfação com a vida com seu trabalho.Uma salvação que gostaria também de alçar.
Sim, parece ser a vida, pelo menos para os que não se enquadraram direito nos scripts postos por aí: solidão, poucos amigos, muitos conhecidos em bares, amores raros(os intensos e verdadeiros são), sorrisos hipócritas e convencionais, bons modos escondendo a turbulência da raiva, bons modos com mulheres(se você preserva seu lado aristocrático), uma pitada de cinismo e ceticismo em tudo que se vê, ouve ou fala.Mas, mesmo assim, a vida é sempre uma coisa urgente para nós. Há os que me acham presunçoso por isso.Dá para acreditar!
O acaso, o homem e suas circunstâncias, os grandes sonhos sempre resistindo na imaginação.
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