quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Ser mãe é vocação?

Fato é que, dentro do que se apresenta em termos de história, ser mãe deixou de ser vocação, se é que podíamos trabalhar aquilo em termos de vocação.Também não é fatalidade, apenas uma circunstância. O apego a mitos pode embotar certos aspectos da existência.A família tradicional tende a acabar, ainda que certa teimosia "ideológica"-inclusive em termos de indústria cultural- persista em acalentar o mito, como se acreditássemos ainda em medusas e ninfas em pleno século vinte e um.Ainda que eu acredite, pessoalmente, em ninfas e sereias; mas é um problema meu.Contudo o mito persiste, economicamente não funcionando mais .mas preenchendo certas carências psicológicas femininas que, provavelmente, poderiam ser supridas por outros meios. O mercado e os donos do poder, astuciosamente, sabem bem disso.Manter o mito seria o mesmo que manter vivo um mamute em época de aquecimento global.Só mesmo em biotério.A família tradicional é mantida à custa de biotérios imaginários, na tentativa da manutenção de uma estrutura já fadada à extinção. Quando vejo famílias, ainda tradicionais, que funcionam, sinto como se eu passeasse num zoológico vendo aqueles pobres bichinhos que, vítimas do processo evolutivo, deixarão de existir.
   O problema que se põe é como se desenvolver formas mais amplas de fraternidade e convivência social prescindindo dos mecanismos e sistemas antigos.Todos precisam de reconhecimento, afeto e consideração.Ou seja, a família tradicional acabará, o amor não.Espero...A sociedade atual ainda pouco se preocupa ou age no sentido do bem estar psicológico dos indivíduos.E as neuroses e traumas criados dentro da convivência familiar, ampliados e correlacionados com as dificuldades da vida social, provavelmente continuarão ou se transformarão em outras coisas, traumas, frustrações ou novas neuroses, já que é imanência da vida a imposição de sofrimento durante o viver.
      Uma mulher que se sente pouco "maternal" não deveria se recriminar por tal coisa.E se não quiser formar família ou ter filhos , qual o problema? Seguir scripts sociais não é garantia de felicidade nessa vida.Não foi a família, qualquer que fosse ela, desde a antiguidade até à patriarcal burguesa ,que livrou o ser humano de sua condição trágica de existência.Nem a mais devotada e carinhosa mãe do mundo conseguiu isto com qualquer humano nascido de ventre feminino.O qual continua existindo e criando vida, uma circunstância de fato misteriosa para todos nós.E se no futuro nem ao menos dele precisarmos para a recriação de vida?Bem, quem sabe a partir disso seríamos um outro tipo de vida.Já o somos, de certa maneira, acoplados a complementos biônicos e eletrônicos.
    Todavia, não é de se esperar que uma mãe de hoje, esteja ou não acompanhada de parceiro(atualmente os prazos de validade dos relacionamentos estão cada vez mais curtos) , aja ou sinta como a de outrora.Eu, pessoalmente, tive uma desse último tipo e dei sorte.Ou azar?Vai lá saber....Como ter um filho é um pouco de sorte e azar misturado. Tudo na vida é assim, tudo meio circunstanciado ao sabor dos ventos do acaso, dos hormônios e outros acidentes físicos. Um filho não nos justifica já que é uma entidade humana independente.O que se lega ao filho ou ao mundo é o que tem sentido, não a continuidade biológica, mero acaso da espécie.Mas não dou mais palpite porque não sou pai, nunca serei mãe e não sei para onde esse mundo louco nos conduz, com ou sem mães, com ou sem famílias tradicionais.Que pelo menos não ficasse pior, já estaríamos no lucro.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

 a feiticeira do vento
 nu
 duas figuras com transferidor
 nu reclinado
 o experimento
 secretária imprecisa

a

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Ontem, hoje e sempre

Passo lá pela universidade e uma greve ainda se prolonga.Limitada, claro, a alguns espaços ou escolas.Toda vez que topo com alguém, jovem, curioso de como eram as coisas lá pelos anos oitenta, hesito, apenas dizendo que eram como ontem, como hoje ou sempre.Claro que quando a repressão e o perigo são maiores o comportamento é diferente.Hoje não há ditadura, a do tipo  política, por assim dizer; a ideológica , sempre, as pessoas sendo levadas a pensar como o rebanho que frequenta os centros de compra e endividam quase a alma, a qual escapa porque o próprio demônio já considera perda de tempo aumentar as hordas de suas tropas.
    Sempre digo para que  se notem nos radicalismos de hoje, nas falas e posturas agressivas e iconoclastas que, no futuro, podem se transformar em conformismo e anuência.O tempo molda algumas coisas, alguns caráteres que, mal formados inicialmente, ficam deformados, factualmente, adequando-se a melhores condições de sobrevivência.A juventude sempre é um laboratório de emoções, em busca de uma alquimia particular, uma pedra filosofal da liberdade e agregação cuja fórmula definitiva pode chegar apenas a ser conhecida finalmente na velhice, às vezes tão tarde que o gajo morre sem fazer.E que fazer?Nada a não ser ir levando, de preferência medindo as ações para que se faça pouca burrice, porque nossa capacidade de criar repertórios de asneiras é enorme.
   Já me dou por contente hoje se falo pouca bobagem, se cago pouca regra ou não dou uma de sabe-tudo.Como dizia o velho e querido Mário, chega a hora em que o tacho de cerejas já está quase vazio  e temos que saborear  até o caroço.Como não passo de um homem e suas circunstâncias, para se usar a conceituação filosófica de Ortega y Gasset, fui envolvido em circunstâncias outras, políticas até, em que proferi ou defendi muita coisa em que não acreditava, apenas por achar que aquilo, aquele comportamento ou ação tinha validade social ou ajudava meu semelhante.Coisas de juventude, impossíveis de serem contornadas ou bem elaboradas.
   Greve, gritos e protestos sempre haverá, felizmente.O que não se move é morto.Eppur....O centro está em todo o lugar; mesmo que escolhêssemos um arbitrário este se moveria.No caso do homem, às vezes o centro de gravidade da vida impõe uma espécie de "ponto morto" existencial, o que faz com que se sonhe com um barranco ou inclinação para o carro ir na base da banguela.O que é triste, já que nisso a vontade individual se enclausura no buraco da vergonha.E pouca vergonha mesmo é não querer espernear.Ou ficar louvando glórias de um passado inexistente.O passadismo envenena a alma, é a cicuta do coração.Foram apenas circunstâncias que produziram o risco, o medo, a fuga. No geral, muita coisa se repete e a vida segue, com mais jovens repetindo os erros dos mais velhos.Assim se fazem as coisas, o mundo segue, não certamente para o buraco mas para o indefinível.No meio das bobagens que ouço hoje e que gritei ontem, apenas sinto sempre algo de esperançoso.E quando a esperança se vai, um pedaço da alma da gente vai junto e o resto apodrece.Ao meu redor, o cheiro sempre é fétido, mas em algum canto sempre sinto algum aroma de flor.E, normalmente, esta é sustentada pela sempre insegura mão de um jovem, descansando no cabelo de uma jovem.Assim a vida segue e seguirá, mesmo sem mim.Ainda bem.Eppur...









segunda-feira, 14 de outubro de 2013

sobre um documentário a respeito de Van Gogh e Gauguin.

Outro dia estava vendo um documentário na televisão, abordando a relação entre Van Gogh e Gauguin,  durante o período em que os dois conviveram no sul da França.Momento fundamental para o desenvolvimento do pós-impressionismo e da  pintura moderna.Confesso que não tive informações novas que não conhecesse. A vida dos dois, tanto quanto seus quadros, sempre meu causou interesse.Minha vista ficou inundada pela sucessão de quadros mostrados, um festim para os olhos para regalo da alma e exultação do coração.Ah, as imagens e as cores...  Será que minha vida ainda teria sentido se nunca mais pudesse ver imagens de quadros dos dois?Mas um assunto leva a outro, não necessariamente, mas de forma casual.E algumas outras questões me surgiram à mente, além dos dilemas estéticos e das vidas sofridas e expostas no documentário sobre esses dois gigantes do espírito humano.
      Este documentário  era bom em termos de imagens, com muitas  locações onde os caras viveram;o conteúdo um tanto padronizado de acordo com aquele gosto anglo-saxônico de valorizar o pitoresco para prender a atenção, com alguns clichês meio básicos sobre loucura ou normalidade.A convivência entre Van Gogh e Gauguin não foi fácil, duas personalidades muito diferentes, tanto em termos de temperamento como de conceitos de pintura.Se é que há duas personalidades parecidas nesse mundo...O que me causou estranheza, a certa altura, foi a citação de um trecho de carta de Gauguin, onde este dizia que ele e o holandês brigavam tantas vezes(principalmente em torno de questões estéticas de pintura) que pareciam duas mulheres histéricas.E então me pergunto se esse tal de comportamento histérico, classificado como feminino, não tem a ver com certa superexcitação sensorial e emotiva, quem sabe imprescindível para a criação artística de muitos, independente de gênero. A histeria tipicamente masculina logo descamba para violência física; quem sabe efeito hormonal.Pelo menos o que senti até hoje, no meu contato com artistas homens, tem pouco a ver com meu relacionamento convencional com a maior parte dos homens não artistas.Com a maioria, em geral é muito sem graça, repetitivo, quando muito engraçado ou espirituoso, quando os homens envolvidos têm inteligência ou espírito, coisas mais raras por sinal.Às vezes, sozinho e no isolamento confidencial de meus botões, me pego numas histerias e nervosismos estranhos, a ponto de dizer a mim mesmo: nossa estou até parecendo mulher, ah,ah,ah!Acho que o Freud tinha razão: essa separação entre masculino e feminino não é muito bem clara. Por sinal, poucos sabem que o pensador austríaco tinha dúvidas sobre esse assunto e caem na vulgata simplificadora.Mas a maior parte dos homens, com ou sem cultura sofisticada, ainda acreditam em padrões de normalidade, heterossexualidade como padrão natural e coisas afim.Não tenho certeza muito clara sobre o que é normal, nem como esse conceito se aplica a diversos assuntos.Por exemplo: na guerra deve ser normal você agir como um assassino carniceiro.O meio influencia o comportamento, óbvio.Mas até mesmo sobre a obviedade tenho sempre que lançar semente de dúvida.Esse é o problema: a maior parte dos homens é sempre óbvia.As mulheres são sempre dúbias.O feminino é sempre dúbio...no mínimo.
Curtir ·  ·  · Promover · há ± um minuto próximo a São Paulo ·