O amor é
mesmo como um criminoso sem face e nós os policiais em constante encalce dessa
figura ; dela dispomos de algumas poucas
digitais, insuficientes para uma boa identificação.Às vezes, meio que por
acaso, topamos com ele em alguma esquina e conseguimos prendê-lo.Mas com o
tempo relaxamos a segurança e, quando menos se espera, ele escapule das grades
e, em alguns casos, até leva junto as chaves da cadeia.
Não é
incomum que cometamos erros de avaliação, ainda mais quando fatores emotivos
intercedem tolhendo os frios tentáculos da razão.Podemos, por exemplo, por puro
comodismo ou acomodação, por não se querer correr risco, não romper certos
laços do passado, esperando, quem sabe , que o tempo resolva a questão.O que
pode ocorrer de fato, com o tempo simplesmente cortando os laços à revelia de
nossa vontade, enquanto ficamos a ver navios por não termos arriscado a partir
de algo que vinha de nosso interior.Que
fazer!Fossem as coisas ajustadas e talvez o mundo fosse até mais monótono mas
com menos coisas imprevisíveis.Amor,
trabalho, destino, tudo está misturado num baralho de cartas cujos naipes foram
escritos em língua alienígena, de outro mundo.Onde, talvez, todas as coisas
enfim se resolvessem e nem ao menos haveria coisas como laços.Somos como uma
vidente cigana ensandecida que, a cada momento, faz uma previsão que só faz as
coisas mais imprevisíveis.
Viver em civilização é conviver com a
repressão.Principalmente de impulsos primitivos que não podemos explicar.Não há
solução ideal para isso.A violência e crime não se explicam apenas pelas
mazelas sociais e econômicas, ainda que elas tenham um papel de suma
importância nisso tudo.Fosse apenas isso e muita coisa seria explicável de
forma mais fácil.Por mim, já teria explodido muita coisa, matado muita gente, sabe-se lá que coisas
piores ainda.Tenho que enjaular os demônios
e usar o pouco de razão que me sobra para não fazer isso se quiser viver
sem que o organismo social me marginalize.Domar o “lobo da estepe” que
sobrevive dentro de cada um não é fácil , mas nem todas as formas de
marginalidade são agressivas, ainda que o crime
possa ser uma forma marginal de esforço humano.Tudo é um pouco de jogo e
“teatro”.Não compartilhar da maior parte do conjunto de valores e regras morais
que regem a sociedade já é uma forma de marginalidade; a qual, por sinal, pode
implicar em muita infelicidade econômica e afetiva.É um preço que se cobra,
tanto quanto o tributo que Caronte exige para se atravessar o rio rumo à terra
dos que não voltam.Sobreviver, em meio disso tudo, mantendo a integridade de
caráter é algo de que podemos nos orgulhar.É uma escolha, porque tudo na vida é
escolha banhada pelo céu do acaso.Sem que sintamos culpa ou coloquemos a culpa
em divindades ou seres superiores, sem que sejamos covardes no geral porque, em
algum momento, sempre cometemos alguma covardia.Afinal, até os deuses davam
suas escorregadinhas...
A imaginação
humana é algo sem limites.Tão poderosa é que precisa mesmo de certa dosagem:
fosse todo muito muito imaginoso e a humanidade seria mesmo um caos.Imaginamos
algo como buracos negros, sem termos um mínimo de dados empíricos, pura teoria
especulativa, e depois acabamos por encontrá-los no universo.Como alguém
imaginando uma relação sexual, sem nunca ter tido uma, sem ter a menor idéia da
existência ou não de uma coisa como
sexualidade.Nossa imaginação é assim mesmo: como um potencial instintivo.
Respeitar a
tradição não significa ser tradicionalista.Inclusive porque tudo se constrói a
partir de uma ancestralidade.A bazófia, por exemplo, dos artistas futuristas
que defendiam, no início do século passado,
a queima de museus, funcionava como forma de propaganda e impacto, nada
mais a não ser uma consistência de projeção iconoclasta de momento.Em verdade,
todos os grandes construíram a partir de tradições e conhecimentos
transmitidos.O novo pelo novo não existe, porque todo novo tem alguma coisa de
"velho" em si.O futuro não existe, é uma abstração com possibilidades
múltiplas de realização, a partir de projeções vindas do presente
e,consequentemente, do passado.O que existe é o presente, um esqueleto em
movimento pelas vísceras do passado que, como todo tecido vivo também já é um
pouco morto.Mas como é impossível se voltar no tempo(talvez, por enquanto...),
como deixar de projetar o futuro sem a articulação passado-presente?Tudo o que
fazemos hoje, em parte, já foi intencionado antes, desde o ancestral que
resolveu pegar um pedaço de osso como instrumento(como arma, também!).Compramos
muita coisa, matéria pura ou idéia, como sendo nova, mas não sendo nada mais
que invólucro refeito de antiga "bala juquinha" com pose de novo
sabor.É só pensar no que, por exemplo, o que fazem homens e mulheres hoje já era feito, aparentemente de forma
parecida, da mesma maneira nos tempos se Sansão e Dalila(Ai, meus
cabelos!).Bach morreu há séculos mas parece, em termos de humanidade, que foi
ontem.Conversar com um egípcio da época dos faraós seria o mesmo que levar um
papo com algum evangélico, hoje em dia?Sabe lá...Mas isso não quer dizer, acredito
eu, que a natureza humana seja imutável, como muito conservador fica apregoando
por aí-aquele tipo rançoso que acha que
o mundo é uma roda girando em torno do próprio eixo, sem fim e sem sentido(bom,
isso não tem mesmo!). Bobagem, porque a ciência nos indica que tudo vai mais de
acordo com movimentos espiralados, até as galáxias- , gente que se aproveita de
nossa tendência natural de lamuriar pelos cantos, vítimas que somos de nosso
egocentrismo, o qual, por sinal, tem lá sua função para nossa auto-sobrevivência
individual.Mesmo que a vida seja uma grande porcaria( uma possibilidade em si
razoável), nada me garante que haja coisa melhor à disposição deste ou do outro
lado do muro.Nem ao menos consigo enxergar esse muro, a não ser o do
cemitério.Tentar esquecer, ignorar ou ocultar nosso passado é sempre uma forma
sutil de matar nossa alma.Sempre seremos uma projeção, certa ou não, do que
fomos, como uma sombra projetada infinitamente a partir da luz de um sol que
nunca se põe na linha do horizonte.
O grande poeta da pedra no meio do caminho,
num iluminado poema ,dizia que talvez o
ódio fosse o que de melhor houvesse nele, autor.Este pensamento sempre me
marcou fundo por haver, nesse tipo de ódio fruto da ânsia de amor, num mundo de
profundo desamor, injustiça e absurdo,
uma necessidade de afirmação da
dignidade e da revolta humana.Grandes poetas são assim mesmo, nos ferem
profundamente com a verdade.E vou seguindo, despreocupadamente sem culpa e , ao
mesmo tempo, desesperado, acalentando esse meu ódio contra os espetáculos
absurdos de políticos mentirosos e cretinos desafiando nossa inteligência,
poderosos hipócritas e sanguinários, intelectuais desonestos com tudo e com
todos, contra a indiferença aviltante que
nos animaliza, contra toda essa idiotia de rebanho cultivada para uma vida
estúpida de muito consumo e pouco espírito, à espera de um Godot que certamente
não chegará em drágeas, à espera do fim da História e do tempo. Menos mal que
ainda haja coisas boas nessa vida.Como na canção, a gente vai levando...
As palavras
são coisa mais séria do que imaginamos; têm poder mágico, capacidade de
mobilizar num outro coisas que nunca imaginaríamos.Mesmo a imagem impactante
ganha mais força pelas palavras; a música, por não poder ser descrita
perfeitamente por palavras, pode até criar angústia ou desespero por não poder
ser expressa por esses símbolos.O problema está em ligar as palavras com a
realidade verdadeira, se é que essa existe, mais ou menos como o que ocorre com
equações matemáticas em física e o fenômeno observado.Podemos até concluir que,
assim como a matemática, as palavras nunca esgotarão ou encerrarão toda a
verdade.Daí o mistério e a maravilha da poesia, única hora em que a palavra tem
a mesma força expressiva que o som.Mas quando será realmente que as palavras
são mesmo o que sentimos?
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