terça-feira, 3 de julho de 2012

pensamentos de junho 2012


O amor é mesmo como um criminoso sem face e nós os policiais em constante encalce dessa figura ; dela dispomos  de algumas poucas digitais, insuficientes para uma boa identificação.Às vezes, meio que por acaso, topamos com ele em alguma esquina e conseguimos prendê-lo.Mas com o tempo relaxamos a segurança e, quando menos se espera, ele escapule das grades e, em alguns casos, até leva junto as chaves da cadeia.

Não é incomum que cometamos erros de avaliação, ainda mais quando fatores emotivos intercedem tolhendo os frios tentáculos da razão.Podemos, por exemplo, por puro comodismo ou acomodação, por não se querer correr risco, não romper certos laços do passado, esperando, quem sabe , que o tempo resolva a questão.O que pode ocorrer de fato, com o tempo simplesmente cortando os laços à revelia de nossa vontade, enquanto ficamos a ver navios por não termos arriscado a partir de  algo que vinha de nosso interior.Que fazer!Fossem as coisas ajustadas e talvez o mundo fosse até mais monótono mas com menos coisas  imprevisíveis.Amor, trabalho, destino, tudo está misturado num baralho de cartas cujos naipes foram escritos em língua alienígena, de outro mundo.Onde, talvez, todas as coisas enfim se resolvessem e nem ao menos haveria coisas como laços.Somos como uma vidente cigana ensandecida que, a cada momento, faz uma previsão que só faz as coisas mais imprevisíveis.

     Viver em civilização é conviver com a repressão.Principalmente de impulsos primitivos que não podemos explicar.Não há solução ideal para isso.A violência e crime não se explicam apenas pelas mazelas sociais e econômicas, ainda que elas tenham um papel de suma importância nisso tudo.Fosse apenas isso e muita coisa seria explicável de forma mais fácil.Por mim, já teria explodido muita coisa,  matado muita gente, sabe-se lá que coisas piores ainda.Tenho que enjaular os demônios  e usar o pouco de razão que me sobra para não fazer isso se quiser viver sem que o organismo social me marginalize.Domar o “lobo da estepe” que sobrevive dentro de cada um não é fácil , mas nem todas as formas de marginalidade são agressivas, ainda que o crime  possa ser uma forma marginal de esforço humano.Tudo é um pouco de jogo e “teatro”.Não compartilhar da maior parte do conjunto de valores e regras morais que regem a sociedade já é uma forma de marginalidade; a qual, por sinal, pode implicar em muita infelicidade econômica e afetiva.É um preço que se cobra, tanto quanto o tributo que Caronte exige para se atravessar o rio rumo à terra dos que não voltam.Sobreviver, em meio disso tudo, mantendo a integridade de caráter é algo de que podemos nos orgulhar.É uma escolha, porque tudo na vida é escolha banhada pelo céu do acaso.Sem que sintamos culpa ou coloquemos a culpa em divindades ou seres superiores, sem que sejamos covardes no geral porque, em algum momento, sempre cometemos alguma covardia.Afinal, até os deuses davam suas escorregadinhas...

A imaginação humana é algo sem limites.Tão poderosa é que precisa mesmo de certa dosagem: fosse todo muito muito imaginoso e a humanidade seria mesmo um caos.Imaginamos algo como buracos negros, sem termos um mínimo de dados empíricos, pura teoria especulativa, e depois acabamos por encontrá-los no universo.Como alguém imaginando uma relação sexual, sem nunca ter tido uma, sem ter a menor idéia da existência  ou não de uma coisa como sexualidade.Nossa imaginação é assim mesmo: como um potencial instintivo.

Respeitar a tradição não significa ser tradicionalista.Inclusive porque tudo se constrói a partir de uma ancestralidade.A bazófia, por exemplo, dos artistas futuristas que defendiam, no início do século passado,  a queima de museus, funcionava como forma de propaganda e impacto, nada mais a não ser uma consistência de projeção iconoclasta de momento.Em verdade, todos os grandes construíram a partir de tradições e conhecimentos transmitidos.O novo pelo novo não existe, porque todo novo tem alguma coisa de "velho" em si.O futuro não existe, é uma abstração com possibilidades múltiplas de realização, a partir de projeções vindas do presente e,consequentemente, do passado.O que existe é o presente, um esqueleto em movimento pelas vísceras do passado que, como todo tecido vivo também já é um pouco morto.Mas como é impossível se voltar no tempo(talvez, por enquanto...), como deixar de projetar o futuro sem a articulação passado-presente?Tudo o que fazemos hoje, em parte, já foi intencionado antes, desde o ancestral que resolveu pegar um pedaço de osso como instrumento(como arma, também!).Compramos muita coisa, matéria pura ou idéia, como sendo nova, mas não sendo nada mais que invólucro refeito de antiga "bala juquinha" com pose de novo sabor.É só pensar no que, por exemplo, o que fazem homens e mulheres  hoje já era feito, aparentemente de forma parecida, da mesma maneira nos tempos se Sansão e Dalila(Ai, meus cabelos!).Bach morreu há séculos mas parece, em termos de humanidade, que foi ontem.Conversar com um egípcio da época dos faraós seria o mesmo que levar um papo com algum evangélico, hoje em dia?Sabe lá...Mas isso não quer dizer, acredito eu, que a natureza humana seja imutável, como muito conservador fica apregoando por aí-aquele tipo rançoso  que acha que o mundo é uma roda girando em torno do próprio eixo, sem fim e sem sentido(bom, isso não tem mesmo!). Bobagem, porque a ciência nos indica que tudo vai mais de acordo com movimentos espiralados, até as galáxias- , gente que se aproveita de nossa tendência natural de lamuriar pelos cantos, vítimas que somos de nosso egocentrismo, o qual, por sinal, tem lá sua função para nossa auto-sobrevivência individual.Mesmo que a vida seja uma grande porcaria( uma possibilidade em si razoável), nada me garante que haja coisa melhor à disposição deste ou do outro lado do muro.Nem ao menos consigo enxergar esse muro, a não ser o do cemitério.Tentar esquecer, ignorar ou ocultar nosso passado é sempre uma forma sutil de matar nossa alma.Sempre seremos uma projeção, certa ou não, do que fomos, como uma sombra projetada infinitamente a partir da luz de um sol que nunca se põe na linha do horizonte.

 O grande poeta da pedra no meio do caminho, num iluminado poema ,dizia que  talvez o ódio fosse o que de melhor houvesse nele, autor.Este pensamento sempre me marcou fundo por haver, nesse tipo de ódio fruto da ânsia de amor, num mundo de profundo desamor, injustiça e absurdo,  uma necessidade de  afirmação da dignidade e da revolta humana.Grandes poetas são assim mesmo, nos ferem profundamente com a verdade.E vou seguindo, despreocupadamente sem culpa e , ao mesmo tempo, desesperado, acalentando esse meu ódio contra os espetáculos absurdos de políticos mentirosos e cretinos desafiando nossa inteligência, poderosos hipócritas e sanguinários, intelectuais desonestos com tudo e com todos,  contra a indiferença aviltante que nos animaliza, contra toda essa idiotia de rebanho cultivada para uma vida estúpida de muito consumo e pouco espírito, à espera de um Godot que certamente não chegará em drágeas, à espera do fim da História e do tempo. Menos mal que ainda haja coisas boas nessa vida.Como na canção, a gente vai levando...

As palavras são coisa mais séria do que imaginamos; têm poder mágico, capacidade de mobilizar num outro coisas que nunca imaginaríamos.Mesmo a imagem impactante ganha mais força pelas palavras; a música, por não poder ser descrita perfeitamente por palavras, pode até criar angústia ou desespero por não poder ser expressa por esses símbolos.O problema está em ligar as palavras com a realidade verdadeira, se é que essa existe, mais ou menos como o que ocorre com equações matemáticas em física e o fenômeno observado.Podemos até concluir que, assim como a matemática, as palavras nunca esgotarão ou encerrarão toda a verdade.Daí o mistério e a maravilha da poesia, única hora em que a palavra tem a mesma força expressiva que o som.Mas quando será realmente que as palavras são mesmo o que sentimos?

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