Bêbado, voltando para casa de bicicleta, apenas eu, as estrelas, algum anjo da guarda desavisado e algum meteoro distante da terra, esperando a hora de descansar em pedaços sobre o tecido do planeta. No céu, sempre espreitando uma lua arrogante.Momento sereno e solene, a cidade espreitando em meio ao sono inquieto e aos delírios etílicos para esquecer o peso da vida, o lastro de desilusões com que se constrói o dia a dia. Agora, um mundo amarelado pelo sódio das lâmpadas, um pouco da energia do sol que roubamos para iluminar a treva que abominamos.
Lá fora, ou dentro de uma coisa estranha que chamo de corpo, sobre duas rodas, o mistério da intuição agindo de acordo com as leis da mecânica; inércia e quantidade de movimento agindo para que eu volte ao lar que não existe, esse lar onde habito ou desabito de acordo com as circunstâncias, o céu escuro e mentiroso, escondendo a luz do sol que existe além da minha vontade.O mundo é tão vasto, dizem ser minha casa , mas não consigo nem ao menos achar os cômodos.Assim é a vida na distância da natureza, de uma aparente natureza , carregando a minha desnaturalidade desnutrida de ansiedades ou afetos, a nulidade do espaço indefinido na rota balizada da bicicleta, rondando um espelhar de lua , aqui ou ali, escapando da força da luz de artifício, como artifício é toda essa construção de desassossegos com que nos comunicamos.
Gastei o verbo e um resto de lucidez preservada ao álcool, numa animada conversa com uma produtora teatral.Estéticas e teorias para lá e para cá, carrego agora esses escombros de exercícios lógicos que tentaram explicar o inexplicável. Sobraram os delírios no interior da cabeça, tanta coisa misturada, eu ainda tentando me esforçar em pensar apenas na bicicleta.Posso cair a qualquer momento, chance maior de ocorrer do que ser atingido por uma onda de choque de um meteoro explodindo.Não fomos criados para andar de bicicleta, quando muito sobre duas pernas nos esforçando no exercício cotidiano de anti-natureza que é o seguir humano.
Chegar em casa e esquecer toda aquela discussão.Afinal, foi para matar tempo mesmo, a anestesia de sempre do álcool criando a ilusão de genialidade que logo se desfará pela consciência, essa sempre ladra desse projeto de sonho que se faz em algo que chamo de eu.
E , num outro eu bípede, pedalando e escapando da ocasionalidade homicida das máquinas humanas adejantes pela noite, vou encontrar na ebriedade do sono, quem sabe, a ebriedade perdida num momento de conversa, num vento batendo no rosto em meio ao pedalar, o silêncio obscuro de uma aparência fenecida de metrópole.Amanhã, será um dia parecido como este.Mas voltarei de ônibus.O problema é que lá também se filosofa....Mas, desde que eu veja uma lua no céu....
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