A nova moda
oportunista de momento é figura pública, intelectual, política ou que fez boa
carreira dentro do sistema falar em “ilusões perdidas”. Tenho lá minhas
profundas desconfianças com esse discurso, muito encarnado por gente de meia
idade ou já adentrando o outono da vida, muito adequado para se criar imagem
para os mais jovens ou para justificar comportamentos pragmáticos que levou
essa mesma gente a levar a vida numa boa, em meio aos absurdos e injustiças
históricas que não foram superados. Ou seja, materialmente não se ferraram,
aparentemente apenas tiveram frustrações em suas almas ou corações.
Abundam em periódicos essas personalidades a justificar seu
aparente fracasso existencial.Fracasso?Ora, só perdeu ilusões quem as teve. E
muitas nem eram ilusões, eram apenas justificativas de posições.O problema
maior consiste nos sonhos que foram corrompidos.Ilusão é uma visão distorcida
da realidade, nosso mundo sensível adulterado pelo tecido das aparências.Já o
sonho é sempre uma potencialização de se transformar essa realidade.Logo, a
ilusão tem tempo definido de existência, o sonho pode ser mantido por quase
toda a vida.O famoso “eu tenho um sonho” , por exemplo,de M.L.King , tanto
tempo depois de seu assassinato ,ainda existe, resiste ao tempo e na
possibilidade de ação e modificação, reanimado sempre nos corações daqueles que
ainda mantêm viva essa declaração.Porque as bases que a engendraram ainda não
foram superadas.E os homens ainda teimam em não se tratar como iguais.
Agora, pessoas que na juventude tinham
expectativas e posturas as quais, ao longo do tempo, foram transformadas em formas
sutis(por vezes não tão sutis) de acumpliciamento com as normas de
funcionamento que eram combatidas, seriam mais honestas se dissessem que seus sonhos
ou ilusões estavam errados. Gente que falava mal do sistema e hoje diz que ele
não estava tão errado assim. Gente que dizia combater esse sistema mas, ao
longo do tempo e com o envelhecimento, cansou de empurrar a pedra ao topo da
montanha.Afinal, pelo visto, tarefa de Sísifo não é para qualquer um. E vai
tocando o sistema e sua vida dentro dele dentro do possível.Tolera-o de forma
contumaz ou covarde, faz tanta concessão que chega ao ponto de não ser mais que
uma engrenagem bem azeitada dentro do sistema. Muitos sendo uma engrenagem
pouco desgastada e de sucesso dentro desse mesmo sistema.
Ora bolas, ser contra o sistema é sempre
assumir uma posição de marginalidade dentro dele.Isso pode se reverter em
custos materiais ou espirituais. Mas como imaginar um marginal que viveu
lambendo botas de poderosos, safados ou oportunistas?Desconfio disso, juro!
Agora é fácil falar.Acusam-se os “pecadilhos”
de juventude, a falta de maturidade, excesso de coração(?!), etc.Maturidade muitas
vezes pode significar nada mais que contentar-se com pouco.O lema “sejamos
realistas, sonhemos o impossível” se transforma em “é impossível que não
sejamos realistas”.
Aí vejo jornalista, profissional de sucesso,
triunfador econômico, professor, colega(na maioria ex-colegas), companheiros de
ocasionais jornadas de luta por um mundo melhor, político ou carreirista que
mamou nas tetas sombrias das engrenagens de mel e sangue, puxa-sacos de
poderosos e astutos, vindo com o papo: “ah, minhas ilusões perdidas!”. Pergunto
a eles se ainda mantêm sonhos de juventude.Se é que os tiveram, se é que
acreditaram neles como uma fonte de vida na curta existência nossa, existência
que só adquire significado se legamos algo ao mundo, a nossos semelhantes.
Ao longo de minha vida, o que mais conheci
foram farsantes de seus próprios eus, gente que falava uma coisa que, em
verdade, não acreditava, usando apenas o discurso para se dar bem, se
relacionar bem ou, no futuro, conseguir boa colocação social e econômica.Ou
seja, farsas a serviço dos interesses egóicos comezinhos.Preferível então o
medíocre que nunca ansiou nada mais que sua própria mediocridade.
Por isso, ao que é mais jovem, quando alguém
vier com esse lero-lero de “minhas ilusões perdidas”, responda que não lhe
interessa cadáveres mas sim seres vivos.Pergunte: quais seus sonhos de
juventude que se mantêm vivos.Ilusão é quebrada ou sofrida no momento. Tanto
que podemos tê-la em qualquer fase de nossa vida.Não a vivemos a posteriori.Sua
dissolução apenas nos faz ver o equívoco desse momento, de enxergar esse momento.
Muito cara mais velho usa esse lero-lero
apenas para justificar a nulidade de momento que ele é, sua hipocrisia, sua eterna covardia de não ter sido radical em
algo, de não ter ido a fundo no coração da vida pela suspensão da
estabilidade.Uma derrota honesta pode ser mais honrosa que uma vitória suja.
Não falo em minhas ilusões perdidas.Ilusões
eu não as tive.Sonhos, eu tive muitos, muitos ainda vivos.Estarão ainda comigo,
mesmo morto.Aquilo que podia ter sido tudo e que não o foi é sempre um tudo que sempre
é.Nossa última mortalha do adeus.