terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

uma reflexão sobre mulheres belas

Não sei se gostaria de ser uma mulher muito bonita.Não deve ser tão fácil assim, principalmente se não  houver preparação para o envelhecimento e o inevitável "des-belezamento".
     Conhecidos meus, de forma um tanto superficial, declaram que gostariam de , caso fossem mulheres, ser muito bonitas para conseguirem o que quisessem com qualquer homem.Ah, não deve ser tão simples assim!Reducionismo sobre o que se espera da vida.Sem contar que a transposição automática de uma forma de pensar masculina para o feminino não funciona tão facilmente.Questão de lógica interpretativa e sensibilidade.Mesmo levando em conta nossa bissexualidade latente e renitente até o fim de nossos dias.Coisa, por sinal, difícil de ser encarada.Mas a beleza não é difícil de ser encarada, ao contrário da vida sem que nela haja beleza.
     Claro, deve ser mais fácil,  para um monte de coisas,quando se é mais bonita.Mas nada resolve o peso que a vida é.Sem que o saibam, as mulheres belas sempre têm uma aura de morte ao seu redor, além dos eflúvios desejantes, pela afirmação de que aquilo que nesse momento é deslumbre, amanhã poderá ser apenas pó ou lembrança.Não deve ser fácil.Sem contar que, além do corpo, esperamos que nossa alma seja reconhecida.Ah, aí já é esperar demais...
    Fato é que a beleza não dura, o momento de beleza sim.Se a beleza resiste na arte, isso é proveniente do momento de beleza vivido durante a criação, não da materialidade de um objeto de beleza criador de inspiração.Assim como o amor morre, os amantes também morrem,não a lembrança do amor, a beleza descrita enquanto momento ou registro, parecendo ter mais durabilidade, desde que tal coisa seja feita com talento e sensibilidade."Se é amor é eterno, se não for eterno não é amor", um parecer idealista e romântico perto de um "que seja eterno enquanto dure", mais realista e cético.Pelo simples fato, este último, de assumir a possibilidade de morte do amor.Afinal, tudo é transitório como o próprio vento que bate em nossas faces.O que pode ser trágico para o amante frustrado, prisioneiro que pode vir a ser de algo que se aproxima mais de uma neurose do que de uma lembrança de felicidade, é imaginar a eternidade do amor.Mas nada parece mesmo ser eterno, inclusive a beleza, já que planeta, o mundo, quem sabe o universo todo pode acabar.E quem sabe, comece tudo de novo.
      O duro ofício de fazer durar não é fácil.O duro ofício de se manter viva a vontade de durar também não é.O artista sonha com uma eternidade impossível, mais ou menos como os amantes, vítima de uma ânsia de "eterno oceano" onde naveguem para sempre.
   E o que dizer das pessoas que pouco fazem da própria beleza, mais ou menos como artistas que se desfazem da própria obra.Maior prova de desapego não há.A fuga da prisão do acaso de se ser o que se é.
     Por isso, beleza é sempre um caso sério, não pode ser muito explicada, mais ou menos como o amor.Beleza seria o eros que se faz forma?Mas se esse eros, essa vontade de vida, se contrapõe à morte, então a afirmação da beleza seria a própria afirmação da vida.Um momento de beleza é uma coisa para sempre, dizia o idealista Keats.Mas uma mulher bela não o será para sempre, apesar do esforço da tecnologia moderna, esse monstro demoníaco que nos promete espaços além dos limites da morte.Mas todos morrem.Pelo menos, por enquanto; e nem sei se seria sensato sonhar com a eternidade.Em algum momento, o que é consciência se desfaz no grande silêncio que nos perfaz.Assim é tudo.Seja amor ou beleza.
    Não sei se beleza, para mim, é fundamental.Mas momento de beleza sim.Pode ser, em verdade, que a vida não tenha sentido(?) sem tal coisa.Em geral, ela é tédio e repetição.
   E voltamos às mulheres belas, entidades que me causam tanto espanto nessa vida, por não conseguir , eu mesmo, explicar este espanto.Confesso, egoisticamente, que gostaria que elas mantivessem sua beleza para a eternidade, para que eu morresse  vendo-as como um primor caprichoso da natureza.Ou ,à maneira do poeta Maiakovski, poderia sonhar que a ciência, no futuro, as ressuscitarão.Vejo mais suas harmonias externas, que movem minha sensibilidade e me dão certo pendor idealista, do que as flores de sua alma, realidade mais difícil de se atingir.Afinal, quem sabe o que uma outra pessoa é?E, nos limites da visão, o que posso definir como realidade, se a minha forma de pensar, agir e sentir são sempre relativizadas pela formação de minha mente.
    Uma mulher bonita, para mim, pode não ser para outro, mas não há como não  vê-la  como um instante de mergulho no vácuo, um estranho aprofundamente num oceano de imprecisão, um vago sonho de que aquilo tudo que vejo é, nada mais, nada menos, que o velho sentimento de espanto que desesperava um Baudelaire.Sabendo que esse sentimento é intransponível para qualquer meio ou suporte.Tudo sempre é vão esforço para se dizer o indizível.A realidade é, em sua essência, incognoscível.A beleza, como a alma das pessoas, também o é.Não sabemos o que ela é e sim percebemos apenas suas emanações, se assim quisermos usar um recurso figurado.
     Resta-me apenas, sacerdote desse culto de fé abstrata , sem dogma ou teoria, acreditar que posso cultivar isso até o fim de meus dias.E, na hora do ajuste final da travessia para o indescritível, tentar lembrar de todas essas mulheres belas que, para mim, sempre serão belas, vivas ou mortas, velhas ou não.Porque a beleza é um momento para sempre.E o que vivi é meu, para mim, ninguém pode tirar isso de mim.

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