Uma impressão de fim de dia.Fim de um átimo de existência que compõe a existência maior num átomo maior de vida que é a nossa.Cai a tarde, enquanto que , morosamente, volto-me ao sol tépido e quase incolor que me lança um calor suave, como um acalanto de fim de dia, um sol que não machuca, apenas parece desfalecer seu brilho ou calor para dentro de meu coração.Ao lado, o movimento lento da rua quase desabitada, cada pessoa ou ser seguindo seu passo próprio de destino incerto.E passa-me pela cabeça a ideia de que tudo se desenvolve meio sem sentido; talvez porque tudo, eu, essa rua, as pessoas que nela passam, o cachorro desavisado cheirando os cantos , um pequeno pássaro aflito voando atrás de não sei o quê, todas essas coisas ocorram porque em realidade todas elas não passam de restos daquele brilho metálico, meio ouro meio prata, lá em cima, no aparente céu que imagino existir e alberga aquilo que chamo de sol, que sei existir e que me aquece um pouco em meio ao leve vento frio de fim de tarde.
E rompe, dentro da dimensão avessa do que chamo de alma, uma inquietação mórbida sobre a vanidade de todas as coisas e a capacidade que criamos de moldar sentido ao todo sem sentido que sentimos existir pelo simples fato de mal sabermos o que é o próprio sentimento. Mas lá fora, o fora que é o meu de dentro que me faz existir nessas horas tépidas de fim de tarde meio fria que se acalenta pelo sol, a vida corre independente dessas minhas lembranças de vago pensar que lanço agora como se fosse uma interpretação de uma verdade, a verdade que sei que não existe a não ser pela própria conjectura do que vem a ser uma verdade.E, imperativo como sempre, no alto o sol parece mirar o que sobra de seus restos , os restos que somos nós: o planeta, seus seres, o cachorro se divertindo com o poste, o pássaro aflito singrando o ar metalizado pelo frio, meu olhar agora vagando no seguir do movimento de ancas de uma moça que distraída passa em minha frente, esses asfalto rude onde piso, as árvores ostentando sua nobreza impassível na calçada, os fios elétricos nos postes, nuvens perdidas no céu e um avião distante lançando-se a algum destino de aeroporto.A vida que parece-nos tão precisa, imprecisa-se na indefinição dos astros, na intemporalidade marcada com o silêncio, o mesmo silêncio em que mergulhará aquele sol quando não mais me aquecer nesse fim de tarde, quando não mais aquecer todo o resto do sistema solar, tudo, os planetas e o que chamamos de vida terrestre, tudo lançado ao silêncio gélido de um infinito inverno, escuridão marcando de vez os restos todos daquele sol que se apagará e por um breve instante do tempo universal nos iludiu com a sensação daquilo que se chama de vida.Uma estrela que explodiu, criou o sistema solar e produziu, quem sabe por acaso, aquilo que chamamos de vida e que se extingue tão facilmente no universo que se expande.Ou será que se contrai?No meu coração, o que se contrai é a dúvida sobre tudo isso.
O sol acabará, parará de brilhar, não haverá mais esse brilho tépido em tarde fria, numa rua perdida do planeta onde por acaso flutuei por alguns instantes em meio ao tédio do fumo esvoaçante de meu cachimbo.Mas o cachorro continua a se divertir com postes, as árvores balançam com o vento e os fios desses postes, as ancas suaves e calorosas da moça balançaram para outras vagas de outro pedaço de rua, restando-me esse asfalto rude onde piso e o brilho evanescente desse sol, nesse fim de tarde que marca sempre uma eterna despedida.Como restos do sol, como resto da dúvida que sempre permeia a insatisfação de não apenas querer simplesmente ser.O que era para ser um simples relaxar, acabou virando um vago sentimento de tremor.Ou terror?Apenas porque me senti sobre o que sou: apenas um resto do sol
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