Brevíssima
reflexão sobre o risco da irracionalidade coletiva que nos envolve no dia a dia
Eu me
recordo de uma ocasião em que, andando pelo centro, flagrei uma confusão, onde
um moleque estava aprisionado por uma multidão que o acusava de um roubo.O
garoto já apresentava algumas escoriações e a multidão ululava um coro um tanto
sinistro e justiceiro.Recordo-me que ao me aproximar falei, com um tom de voz
mais e alto e com certo receio-afinal, como não sentir algo de insegurança em qualquer tipo de multidão- que
o mais correto seria segurar o rapaz ali, esperando a chegada da polícia.Foi
quando dois sujeitos, tipos populares característicos da maior parte da
população que por ali transitava, me encararam com olhares um tanto hostis,
como se eu tivesse proferido algo de abominável, dizendo em alto e bom tom: por
quê?Um “por quê?” reverberante como um rugido.Ah, a voz do povo....Será que
deus não se alfabetizou?Não tem cartilha nos domínios celestes para se ensinar
melhor esse povo?Quedei-me em meus próprios pensamentos, de certa forma me auto
recriminando, talvez com certo laivo
ocasional de covardia ou sobrevivência,
por falar algo no meio daquele agrupamento desregulado.Mas também, por
que não falar?Felizmente, dois policiais logo se aproximaram e levaram o
garoto, sabe-se lá para que destino
próximo ou distante, e para um certo desgosto de muitos da multidão, incluídos
os dois que me lançaram a dardejante hostilidade.Viver coletivamente sempre
implica em conflitos, tomar posição pode ser corajoso e temerário ao mesmo
tempo.No fim, tudo se debelou e, um tanto aliviado ainda que não conformado com
alguma coisa que tinha experimentado ali, senti na alma o instante, um dos
infinitos ao longo da existência do planeta e da humanidade, em que a
civilização entra em choque com a barbárie.Asssim é.Assim será?Por coisas
assim, sinto por vezes a vida em sociedade como um profundo tédio.E medo,
óbvio.Mas, ao menos, consegui contemplar em mim o animal
enjaulado...devidamente.Pelo menos naquele instante.