terça-feira, 27 de maio de 2014

27 de maio é dia de nascimento de Isadora Duncan, uma das figuras mais revolucionárias da história da dança, personalidade que, esteticamente, teve profunda influência não apenas na dança, mas em outras artes. Foi casada com milionário magnata das máquinas de costura, amante de poetas como D'Annunzio, par e amante de um dos revolucionários da cenografia do século vinte, como Gordon Craig, perdeu os dois filhos em trágico acidente de automóvel.O automóvel foi a máquina diabólica que teve muita participação na vida de Isadora.Em 1916 esteve no Brasil, com trinta e oito anos, dançando no teatro municipal do Rio,causando furor em muita gente, principalmente no jovem Oswald de Andrade , que não escapou das malhas sedutoras dessa mulher de personalidade ímpar.Em 1920 foi para a Rússia em ebulição revolucionária, casando com o poeta, futuro suicida e grande amigo de Maiakovski, Iessenin.Em plena guerra revolucionária, dançou para soldados do exército vermelho.Morreu alguns anos depois, num acidente automobilístico em Nice, França, enforcada pela própria echarpe presa à roda do carro.Morte inglória para uma mulher gloriosa.Rodin a viu dançar ao vivo e, tal como aconteceu ao contemplar o grande Nijinski em ação, executou trabalhos baseados em movimentos corporais da grande bailarina americana.Pergunto-me: que mulher não gostaria de ser uma Isadora?Digo mais: qual artista não gostaria de ser uma Isadora?

domingo, 25 de maio de 2014

A beleza que passeia de noite

A moça passeia sua beleza pelas nuvens da noite.Carrega o sol em sua cabeleira, ofuscando as frias luzes noturnas com seu olhar de juventude.Inquieta-me pensar no tempo a corromper essa beleza, tangida pela efemeridade de todas as coisas e seres.Aquieta-me pensar que meus olhos serão cerrados para o silêncio eterno, privados , felizmente,  de ver o fim dessa beleza que, para mim, sempre será eterna.Na noite fria e chuvosa, essas gotas não serão minhas lágrimas  a prantear o fim dessa beleza, pois a moça passa carregando esse sol dentro da noite, passeando sua beleza por essas nuvens de noite, deixando um rastro de felicidade em quem a vê, suas pernas palmilhando o solo como compassos delimitando territórios inatingíveis ao nosso olhar, que desespera ao vê-la desaparecer em algum horizonte dessa noite fria e chuvosa, por instantes aquecida por um sol que se disfarçou de mulher.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Fisiologia amorosa...não médica.

   O coração é um músculo que atua independente de nossa vontade.Ou seja: não podemos pará-lo com a força do pensamento.Senão seria fácil uma forma humana de suicídio natural, bastando a simples falta de vontade de viver para que a própria vida cessasse.De tal forma que, ainda que saibamos que o que somos é fruto de nossa atividade mental, o coração simboliza ainda de forma inatacável o que se passa em termos de sentimento humano.Se o amor existe pela nossa atividade mental, ainda vemos no coração o centro desse misterioso sentimento, quem sabe o maior enigma de nossas vidas , ao lado da morte, obviamente.Há toda uma fisiologia do coração, a medicina muito bem estribada em vasto conhecimento sobre seu funcionamento.Mas o mesmo não podemos dizer sobre o amor; nesse assunto ainda engatinhamos, estamos mergulhados ainda em trevas de eras da caverna, apesar de todas as psicologias, filosofias e psicanálises do mundo.Ah, os mistérios do coração!Quem seria capaz de decifrá-los, além do espanto que arquiteta toda a poesia de nosso mundo e de nossas frágeis existências.
       Dizia um grande revolucionário do passado que não há partido revolucionário sem teoria revolucionária.Por outro lado, há de se convir que revoluções, em sua dinâmica de início, independem da vontade humana, agem como os fenômenos cósmicos, atestando a finitude  da  condição humana e de sua vontade.O mesmo pode-se estender ao caso do amor.Relacionamento afetivo bem realizado necessita de teoria? Todas as coisas faladas e escritas sobre o amor nos ajudam a enfrentar esse mistério? Ponho pouca fé nisso. Lembro-me , educado em família conservadora,  de saber as primeiras coisas, de forma consistente, sobre sexualidade a partir de uma enciclopédia condensada sobre o assunto, a qual afanei da biblioteca de um primo.De resto, tudo era um conjunto de “lendas” e histórias confusas que chegavam aos meu ouvidos também de forma confusa.E na prática, a teoria é sempre outra.Pelo menos tem que se adequar.Mas sexo era o de menos, o problema era o amor.Não só era como o será sempre, pelo menos para quem quiser encarar o bicho de frente.Viver sempre será algo perigoso.
     O grande escritor francês Stendhal desenvolveu um brilhante ensaio sobre um dos temas mais intrigantes e misteriosos que cercam nossa existência: o amor.Procedeu, de certa forma, a uma "ciência" da fisiologia amorosa, não vista do ponto de vista biológico, mas sim psicológico. Amor tem essencialmente a ver com imaginação.Por outro lado, se usarmos o ponto de vista de  Fernando Pessoa de que não há mais sentido em trabalharmos esteticamente de forma aristotélica, de modo que cada um deveria ter sua própria estética, o particular sendo erigido à condição de  universal e, tendo em vista que há tantas formas de amar quanto de ver, concluiremos que cada um de nós poderia desenvolver sua própria fisiologia amorosa, assim como poderia ter sua própria estética.Claro que só falar de arte não cria arte.Apenas falar de amor não cria o amor.Redundância: o amor nos cria ou recria.Isso enquanto a outra face da moeda da existência,a morte, não se mostra.Nessa vida, o esforço é sempre manter a moeda em pé, demonstrando que a vida não é mesmo fácil.Extingui-la, isso sim é mais fácil.Fascinante! Como imaginar Sísifo feliz?Só mesmo Camus, existencialista que era um romântico enrustido.
     Assim como não há duas pessoas completamente iguais, não haveria duas formas iguais de amor.O que implicaria em dizer que o mito da cara metade seria inviável, o hermafrodita que nunca se realiza de acordo com o mito platônico uma visão impratícavel.Crueldade usar-se o termo “cara metade”. Melhor seria: a metade que sempre sai cara.Afinal, cara em que sentido?Ora, que tristeza!Mas, enfim, o esforço estético e intelectual do mestre Stendhal é mais do que louvável.Principalmente no caso dele que passou por poucas e boas em relação a assuntos amorosos.Sim, porque conheci muita gente para a qual o amor, em si uma definição abstrata,  sempre pareceu algo tão estranho quanto um ser proveniente de Marte. Muitos esverdearam de vez pela tragédia do fato. Algo próximo da dinâmica digestiva,  sob o império dos hormônios que vêm e vão.Mas sinto dizer que os marcianos estão entre nós e nem percebemos.Homens de marte, mulheres de vênus?Ah, são planetas muito próximos para tamanha confusão cósmica.Mas retornemos ao problema da fisiologia amorosa.Voltemos a Stendhal.
A psicanálise foi um sistema, intelectualmente muito bem estruturado pela brilhante mente de um homem, que tenta explicar o tal fogo que arde sem queimar apelando para os impulsos, pulsões, instintos.Para mim , toda essa conceituação é interessante, ainda que seja como o elétron: sei que existe mas não posso vê-lo, nunca o verei.Conseguimos apenas ver os traços deixados por essas coisas, as emanações, tanto de elétrons como de amores.Estes últimos criadores de eletricidades de anti-matéria...No fim, amorosamente falando, sobra o amor ao amor que se foi ou é.
     Baseado nos valores culturais e sociais de sua época, Stendhal definiu quatro tipos básicos de amor: o amor paixão, o amor gosto, o amor físico e o amor vaidade.Só mesmo lendo o autor e sua elegante prosa para entender esse seu esmiuçar tipológico. Stendhal trabalhava, inclusive, com um conceito, criado por ele, que denominou de cristalização do amor, comparando essa paixão aos cristais de gelo que se formam em torno de um galho seco mergulhado numa mina de sal.Ou seja, o amor sendo capaz de embelezar algo que está aparentemente sem viço ou beleza.O amor como sendo a possibilidade de reconciliação do espírito com a natureza.A psicanálise freudiana diria como sendo a expansão mais plena dessa natureza.Forma habilidosa de tratar uma imagem, coisa muito do feitio da escrita stendhaliana .Tudo descrito em termos de sensações, com uma prosa propositalmente seca.Está tudo contido, também , no Vermelho e o Negro ou na Cartuxa de Parma, seus romances mais conhecidos.Em todo caso, poderíamos, de forma simplificada, transferir para conceitos da modernidade(ou pós, quem sabe pós-pós, nós que vivemos nesse assunto sempre em condição pré...), de maneira que teríamos o amor louco, o amor convencional ou pragmático, o tesão puro e o amor frívolo ou de aparências(aquele muito divulgado em fotos de coluna social).O convencional seria aquilo que poderíamos designar como amorzinho, o basicão, feito de acordo com a conveniência para não se estar sozinho por aí,  redundando em relacionamentos chochos e casamentos sem sabor(os quais, frequentemente, transformam-se em insalubres).Tudo dentro de uma termodinâmica básica dos afetos, com baixa entropia, alta entalpia.
    O amor louco é o quase visionário, dos doidos, das Madames Bovarys da vida, dos místicos(quase um amor místico) e santos, coisa mais rara, quase em extinção, prescindindo, inclusive, do contato físico.O amor romântico levado às raias da loucura.E não seria romântico se não fosse assim.Romantismo autêntico é loucura ou um caminho para tal coisa.Romantismo não é sentimentalismo esporádico, sendo, isto sim,  missão na vida.
     O amor físico é o básico, podendo ocorrer tanto em homens como em mulheres, podendo se transformar em outra forma de amor. Aliás, tudo pode se transformar, como na química.Em geral facilmente se dissipa, já que o sexo pode virar promessa de felicidade e acaba levando para o abismo.Ou para o tédio, uma forma alternativa de abismo arenoso.O atoleiro onde se encalha e às vezes é difícil sair.Este tipo de amor pode aparecer de forma tão rápida quanto desaparecer.As mulheres vivem se queixando de que a maior parte dos homens só conhece essa forma de amor.Mas a igualdade dos sexos já colocou muita mulher usando desse novo recurso de mercado biológico.
     O amor  vaidade, o nome já diz tudo: o prazer de se ver ao lado de algo ou alguém que eleva a nossa auto estima.Nem sei ao menos se poderia ser chamado de amor. Um amor do tipo narcísico.Muito dependente das convenções e das imagens.Os burgueses e nobres do passado refestelavam-se em mostrar suas adoráveis e belas esposas.Ainda existe isso , hoje?Pior: acho que ainda existe! Feminismo e debacles dos casamentos tradicionais transformaram esse tipo de amor em algo ridículo.Mas quem disse que o ser humano não é ridículo?Mas muita gente hesita entre a sabedoria e o ridículo, frequentemente  se inclinando mais para este último, coisa mais fácil e palatável.Mas convém não simplificar as coisas.
     Stendhal desdobrou seus tipos básicos em outros, em outras formas de sentimento e sensibilidade.O amor é mesmo um caso sério.Assim como a morte, talvez nunca tenha explicação; nenhuma simplificação genética, creio eu, conseguirá tudo esclarecer.Sua falta de sentido diz bem o que é a vida: uma ausência total de sentido, onde forjamos significados para aguentar a própria vida.
   Hoje em dia, creio que Stendhal aprimoraria seu tratado,  o desdobraria em vários volumes, acrescido de outros conhecimentos das modernas psicologias e biologias.Analista profundo da sociedade e da psicologia pessoal de seu tempo,  imagino como ele, por exemplo, desenvolveria a tipologia do “ficar”...Ou como desenvolveria sua análise em torno dos amores virtuais, os quais podem ser platônicos ou não?Mas a questão é que o homem escreveu um grande tratado amoroso sem qualquer pretensão de solução do tema, sem propostas de resolução para um assunto, a rigor, sem solução.Auto ajuda não era bem o negócio do grande escritor francês.
    Stendhal foi muito infeliz nos seus amores, por diversas razões.Não é à toa que escreveu sobre o tema.Há de se imaginar, então, como deve ter sido a vida sexual de Freud?Bem, esses são outros quinhentos...
   Já li o livro  de  Stendhal mais de uma vez. Claro que não fui mais feliz, amorosamente falando, por causa disso.Minha felicidade foi a leitura de grande literatura.Não apenas pela prosa de mestre contida nele, mas pela profunda honestidade do autor ao tratar do tema. Afinal, Stendhal é uma glória das letras gaulesas.Creio que Stendhal era um romântico, apesar de seu estilo aparentemente seco.Não esqueçamos que ele é fruto de um período napoleônico, ele mesmo tendo sido um oficial das tropas do corso, tendo sido vítima de paixão por uma ...polaca.E deve mesmo ter sofrido um bocado na mão de mulheres. Como todo temperamento influenciado por estética romântica – sem ser propriamente um romântico- mesmo assim o escritor francês nunca chegou a defender claramente a resignação ao sofrimento do romântico, condição sine qua non para se aceitar a postura romântica em vida.Nisso sou solidário com ele, solitário como ele. Com isso, Stendhal é duro e suave ao mesmo tempo.Sem abdicar das condições trágicas que podem envolver o sujeito amoroso.Talvez o verdadeiro amor se nutra dos ares adocicados e pestilentos da tragédia.Pode ser...
     Isso é literatura para quem não quer manuais práticos de vida, porque a praticidade apenas nos faz sobreviver nessa vida, não necessariamente nos traz a felicidade.Se é que felicidade existe...
     Stendhal era um grande artista e a arte é promessa de felicidade, assim como a beleza.Pode não resolver, mas ajuda um bocado.Como esse belo e sensível tratado desse autor. Um momento de sopro de vida, como o próprio amor.Vale a pena para quem se interessa pelo assunto, pelo menos literariamente, além dos acasos das paixonites e sexos eventuais.

   Mas que não deixa de ser interessante qualquer tipologia amorosa, ah, isso não deixa!Queremos tudo explicar e caímos sempre de volta para a dúvida.De minha parte, acabei criando uma tipologia básica, onde procurei enquadrar algumas de minhas experiência amorosas, alguns raros triunfos e infinitos fracassos.Um jogo onde todos acabam sendo derrotados no final, mesmo sem saber...Bem, pode ser que o negócio seja apenas competir.Aí sim vale a máxima do Monsieur Coubertin, não para as Olimpíadas onde, no fundo, todo mundo quer mesmo é ganhar.